segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Imperadores


Marabá, 06 de fevereiro de 2013.


Por muitos anos, um século e pouco, muitos interpretaram que a máxima “mais apto” surgida da obra de Charles Darwin em sua Origem das Espécies falava do mais forte. Apesar do erro de interpretação, soou como música aos ouvidos do capitalismo que a competição agressiva deveria ser a motivadora para o crescimento, selecionando os líderes e os países que dariam as cartas.


E cá estava eu a pensar nas formigas. E dirijo o olhar para as abelhas. De forma coletiva, vivem na objetividade de manter a espécie em cada um tem seu dever, sua tarefa para o grupo sobreviver. E no caso destes insetos, quanto mais organizadas, mais aptas estão para enfrentar os desafios de sua vida e continuar nesta terra. E nós, seres humanos, ao escolher a individualidade exagerada, permaneceremos por quanto tempo?


Nestas semanas estive em Itaituba, em Tailândia, em Marabá e ouço vozes do Marajó. Em todas as falas, percebi que demos às costas à floresta e aos rios, apesar de precisarmos bastante de seus recursos. Nos desmatamentos que vi, nos dendezais que passeei os olhos, nos novos grandes projetos que me informei, nas novas frentes agrícolas que constato, reflito a imensa dificuldade de nossa sociedade em reconhecer a natureza como objeto de zelo e cuidado. Sem manejar, poderemos levar a Amazônia a possuir no século 22 apenas 40 por cento de sua cobertura original, contra os nossos 80 por cento atuais . E daí inimaginável as consequências não somente para os nortistas, mas para o Brasil e para o mundo.
Acontece que o problema está em cada um de nós. Existe uma mania que chama a atenção: a de tentarmos sermos imperadores. Ganhar territórios, ser influentes, obter muito dinheiro, poder, influência, sermos temidos. Vangloriar-nos de levantar divisas sem ao menos morar na terra onde exploramos. Só de longe: imperadores. Sermos os mais fortes.


Tão metidos a imperadores que achamos que temos a solução para tudo. Que vamos lá de nossos gabinetes resolver o déficit em energia elétrica mesmo que seja em troca do afogamento de direitos, que vamos ganhar muito com a venda de cimento, que vamos colocar mais carne no mercado, que vamos transformar o município com a venda de madeira, que vamos salvar economicamente o Marajó com uma nova empreita patronal. E queremos espaço, terra, poder, dinheiro, admiração.


A educação nos oferecida tem sido campo fértil para formar imperadores. Nos governos militares serviu para impedir saberes e conhecimentos de fatos para poucos lucrarem absurdamente. Com a ignorância geral tentou-se despir a Amazônia. Nas décadas seguintes, começou-se a retirar a cortina que escondia a imensidão de riquezas que possuíamos, mas nosso olhar permanecia como a de imperadores: “o mundo é dos espertos”. E parodiando Garrincha que era convocado a driblar todos os jogadores adversários para fazer um gol, dizia “falta combinar com os russos”.


E o planeta ao parece e não devia, é o adversário dos imperadores. Entretanto, faltou combinar com o clima que ao mexermos demais com a natureza, colocaríamos a nossa condição humana em dificuldades. Faltou combinar com as matas do município de Tailândia que a cidade teria que mudar o ramo da madeira, pois se garimpou a floresta ao máximo e que morreria o rio Tailândia. Esqueceu-se de acertar com os rios que ficassem para irrigar os novos dendezais, mas o pasto anterior secou-os e não passam agora de fantasmas. Faltou combinar com o bacurizal que pintava o quadro de nossa infância que não sumisse. Só que agora, é grande plantio sem acerto prévio com a história das pessoas. Não estamos combinando com a Terra.


Na esperança nunca diminuída apesar dos dissabores, só uma educação distinta da atual pode nos mostrar um novo curso, com mais humanismo e holística. De desenvolver o ser e não o ver. A competição entre as pessoas e entre os países nos fere a cada dia e se alguém ganha materialmente com isso, é só durante a sua passagem na vida, ficando a herança para os vindouros tentarem equilibrar ou mesmo consertar.


Poxa, Sr. Paulo Freire, como posso ajudar a libertar as pessoas de serem imperadores, que tanto está levando a Amazônia e o planeta para o buraco?
Lá, de seu livro, o mestre responde:

- Meu caro, ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão. Pense nisso.






Pantoja Ramos

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Arrozeiros de Roraima agora ocupam o Marajó



Em 2009 terminou um longo e desgastante processo de desocupação de terras indígenas em Roraima, de onde plantadores de arroz foram retirados da reserva Raposa Terra do Sol. Aos poucos o assunto perdeu o interesse dos meios de comunicação e foi esfriando, até que uma nova luz vermelha se acendeu, desta vez no arquipélago do Marajó, onde já se instalou a maior parte dos produtores de arroz expulsos de Roraima, com uma proposta de ocupar 300 mil hectares com essa cultura.

Marajó é um dos territórios mais pobres do Brasil e, apesar de ser desde 1989, ano da Constituição do Estado do Pará, uma Área de Proteção Ambiental, nenhuma ação efetiva para a gestão dessa APA e para a regularização fundiária da região jamais foi implementada. Desde 2010 organizações da sociedade civil vem trabalhando para a estruturação de um plano para elevar a região à categoria de “Reserva da Biosfera” a ser reconhecida pela UNESCO. O processo está em andamento e é coordenado pela ONG Instituto Peabiru em um programa chamado “Viva Marajó”.
O pesquisador João Meirelles, diretor do Peabiru e autor de diversos livros sobre a Amazônia, alerta que a ocupação desordenada dessa região vai afetar a vida de milhares de quilombolas, ribeirinhos e moradores do Marajó, e aponta a inexistência de Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) para expansão da monocultura de arroz no Marajó.  Ele explica que o Marajó é a única área do Pará que não possui o Zoneamento Ecológico Econômico e a elaboração de um Plano de Manejo da APA seria o primeiro passo para se discutir a implantação de grandes projetos econômicos na região.
O tema está sendo alvo de debates no âmbito da Federação da Pecuária e da Agricultura do Pará, do Conselho do Agronegócio do Pará e da Secretaria de Estado da Agricultura, que na última desta terça-feira, 29 de janeiro, reuniram-se em Belém para debater o potencial econômico da produção de arroz irrigado no Marajó. Mas ficou fora da pauta as questões ambientais, fundiárias, sociais e de arqueologia que envolvem a atividade.
Está se formando em torno desse tema o duro jogo maniqueísta de “quem é contra joga a favor da fome e da pobreza” e que preservar a biodiversidade e a cultura local significa “condenar a população à miséria”. Não se discute um aspectos relativamente simples, que é cumprir a legislação ambiental e fundiária em uma região onde apenas 25% dos pouco mais de dez milhões de hectares é legalizada com títulos de propriedade e destinações públicas.
O que grupos ambientalistas e lideranças sociais da própria região defendem é que se faça a regularização fundiária da região, junto com um Zoneamento Ecológico Econômico para que se definam as áreas passiveis para a exploração agrícola e pecuária, não apenas pelos produtores de arroz, mas para qualquer atividade de impacto na região.
Algumas das principais questões sociais e culturais levantadas ambientalistas e lideranças sociais são:
- Saúde humana – o uso de agrotóxicos em larga escala, especialmente aqueles lançados por aviões, constitui-se em forte ameaça à saúde de crianças e idosos;
- Agravamento de risco de doenças – a presença de grandes áreas inundadas, inclusive em períodos de seca, no entorno de núcleos urbanos poderá resultar em aumento de insetos transmissores de doenças tropicais (dengue e malária, principalmente), o que precisa ser monitorado;
- Exclusão da participação local – A comunidade local está totalmente excluída. Os moradores das comunidades do entorno das fazendas de arrozeiros são afetados diretamente pelos empreendimentos e ninguém os ouviu!
- Comunidades Quilombolas – qualquer empreendimento de grande porte precisa ouvir as comunidades quilombolas do entorno;
- Patrimônio arqueológico – por lei, qualquer intervenção de grande porte precisa ser precedida de estudo sobre a existência de patrimônio arqueológico. A região do Marajó é considerada como uma das que possui maior patrimônio de artefatos de cerâmica do Brasil.
É simples, cumpra-se a lei e haverá espaço para todos.