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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Transparência para as crianças










Alto Rio Pacajá, Portel.Foto: Carlos Ramos.








Belém, pensando no Rio Ituxi, 21 de Novembro de 2014.

(atualizado em 22 de março de 2017).




Neste mundo de Deus, a Terra é muito Água, diria eu. E na memória que vi dona Maria Lúcia a lavar suas panelas lá no rio Jaburu, em Gurupá, percebi a cumplicidade forte entre aquela amazônida e a água, tão acostumadas uma com a outra no dia a dia. Mas sendo elas cordiais reciprocamente, como pode haver desconfiança? 

A desconfiança da água é a poluição que faz o homem em volume cada vez maior, de dejetos que conseguem matar um rio inteiro. A condição humana boiando fétida nos canais de nossas cidades. Do garimpo longe, mas que inevitável é o mercúrio corroer os peixes e os neurônios das gentes que nada tem a ver com a cobiça de outros poucos evoluídos, por uma pedra na versão humana mais valorosa que a água, a fonte da vida.

A desconfiança da mulher é reparar que a água bebida por sua família tem cor, tem cheiro e é bastante pesada a acumular o barro no fundo dos copos. Que não pode conter a diarreia frequente de sua meninada por não saber como tratar a água de maneira eficiente. Sua intuição apita para o perigo, mas faltam as condições para lidar com o apuro. Algumas mais sabidas coletam água da chuva, não confiam nos rios.

Nas décadas de 1980 e 1990, o cólera foi um fantasma a escorrer pelos rios e igarapés na região Norte do Brasil. Lembro dos noticiários. Do medo dos moradores da floresta. Movimentou-se a sociedade e o governo. Anunciou-se o hipoclorito. Diminuiu-se o mal. Contudo, não se criou uma nova mentalidade coletiva de cuidar de nossos recursos hídricos de maneira taxativa.

E assim, no século XXI, impressionando o famoso economista Eduardo Giannetti, o Brasil tem avanços econômicos de século XXI e vanguarda, mas com problemas sociais de século XIX. Para os cidadãos que se incomodam cada vez que surge uma nova obra faraônica e inócua feita no Brasil: não é possível uma criança beber água de má qualidade! Assim como não é possível o Governo Federal destinar em 2016 apenas 0,02% de seu orçamento* para custear o saneamento básico brasileiro, o que diretamente rebate na qualidade da água potável.

É inapropriado dizer Brasil entre os 20 mais ricos do mundo, quando escolas não tem água para matar a sede de seus estudantes.

É inadmissível.

Dois baldes de margarina vazios. Duas velas de filtros. Uma torneirinha. O hipoclorito. Eis o filtro Rafaela. Apelidei de filtro Rafaela tal utensílio por surpreender-me com a simplicidade com que a enfermeira Rafaela Dumont ensinou famílias a fazer filtros que custam, no máximo, 35 reais, quando dos trabalhos que fiz em Almeirim pelo Instituto Floresta Tropical.

Não sei se você inventou isso amiga Rafaela, mas seu filtro hoje em dia cuida das pessoas.

Depois do que vi, não consigo conceber uma criança maltratada pela água.

Maltratada pelo descaso.

Maltratada pela inversão de valores.

Criança é o cúmulo da vida.

Água é vida.

Criança e água numa transparência só.












Almeirim, Pará. Foto: Carlos Ramos 






(*) Segundo estudos da ONG Auditoria Cidadã - http://www.auditoriacidada.org.br/


sábado, 15 de novembro de 2014

Ei Balsa!


      “Da Lama ao Caos
       Do Caos à Lama
       Um Homem Roubado
       Nunca se engana...”
       Chico Science & Nação Zumbi – Do Caos à Lama



     




   Baía de Melgaço, 01 de novembro de 2014.

Voou a tesoura
Pra longe da queda
E uma preguiça caiu no rio
Rasgou o cipó
Com a minha vida
E jovens foram caindo um a um

Ei Balsa! Ei Balsa! Balsa volta aqui!
Que levas? Que levas? Que levas daqui?


Levas o que tenho!
E o que não tenho!
Rico lenho!
Pobre venho!
Pobre massa!
Não mais caça!
Longe passa!
A ricaça!
Tira graça!
Lá da balsa!
Nota falsa!
Velha valsa!



Faltou-me abrigo
Pouca parede
E hoje choveu na minha rede
Mal tenho casa
Ralo assoalho
E um morcegão visitou minha filha

Ei Balsa! Ei Balsa! Balsa volta aqui!
Que levas? Que levas? Que levas daqui?

Toram tudo!
E futuro!
Se apuro!
Testa um furo!
É o sistema!
Que condena!
Tem um lema!
Pobre pena!
Rico encena!
Na novena!
Reza ao esquema!
Mete a lenha!

Mil angelins
E um bocado
De louro-faias que quase não vejo
Tão nobre ipê
Vai humilhado
Vendido por uns parcos trocados

Ei Balsa! Ei Balsa! Balsa volta aqui!
Que levas? Que levas? Que levas daqui?

Maçaranduba!
Cupiúba!
Itaúba!
Minha culpa!
Timborana!
Piquianara!
Quanta grana!
Cedrorana!
Mata rala!
Medo cala!
Surge a mala!
De mudança!
Tem Mudança??
Tem Mudança??
Tem Mudança??




















Pantoja Ramos