quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Para os piedosos de si mesmo, a Peconha



Almeirim, 20 de julho de 2014.



Mais moeda me pede
Centavo que és
Como posso te deixar ir
Sem ao menos te dizer

Eu te dou, mas oferto peconha
Pouco tenho, mas faço a peconha
Quer açaí então pega a peconha
Quando desceres terá mais vergonha

Pára de ser vítima
Indigente que és
Enquanto eu tô na lida
Ficas nessa besta queixa

Faz o seguinte, pega o matapi
Vê se te mexe, vai com o matapi
Camarões pulam de seu matapi
Até os pequenos lutam no fim

Não deixe que traíra vença tão fácil assim
Conheci porcos que varavam roçados na cara de macaco

Vai trampar, é suor de farinha
Deixa a frescura, suor de farinha
Pra resultado, suor de farinha
Te sai amoado da vida mesquinha

Caiu uma manga no jirau da tua cozinha
Pra plantar o abacaxi tem que ter a parte da mucura

Tá com pressa? Óleo de andiroba
Teu remédio é a pura andiroba
Paciência, óleo de andiroba
Que escorre só quando escolhe a hora
Pantoja Ramos
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/4889075


terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Crônicas do Corte: Uso de Madeira Para Fins Sociais



Em 1998 consegui o título de engenheiro florestal pela então Faculdade de Ciências Agrárias do Pará, hoje Universidade Federal Rural da Amazônia. Somadas as frases de colegas mais novos do tipo "nossa, você é do tempo da FCAP!", com a recente "agora você é vovô", cai uma ficha do tamanho de uma roda de caminhão que não está ali mais um jovem e potencial engenheiro. Putz, o tempo passou.

De uma base em estatística intensa (hoje quase diluída), matematizada de equações de crescimento e projetada para plantações de florestas nativas e manejo florestal madeireiro empresarial, minha formação sofreu uma guinada ao decidir por Gurupá, no Marajó e não tentar a continuidade de um doutorado quem sabe no exterior. De uma minoria que éramos, surgia naquele final de anos 1990 e inicio de anos 2000 o grupo de engenheiros florestais que desejavam o manejo florestal comunitário na Amazônia.

E dessa opção, confesso, mais aprendi do que ensinei. De mestres trabalhadores e trabalhadoras rurais, tenho conversado bastante sobre o mundo, suas físicas e metafísicas. Tudo muito natural de ser absorvido na ciência florestal que exercitava. E viajando, olhando, reparando, percebia no interior a comercialização de madeira como algo que poderia gerar grandes receitas para o próprio local. Ponta do lápis, cadernos, calculadoras, comparação com a Instrução Normativa do IDEFLOR sobre preços de madeira em pé, eis que milhões de reais anuais de nossas florestas acabam sendo subtraídos de municípios inteiros sem a devida arrecadação. Mas isso muitos já sabem, ou se não sabem, já desconfiam.

Como militante de que o manejo florestal comunitário poderia ser uma alternativa viável de desenvolvimento local, ajudei na elaboração de planos de manejo comunitários sempre no propósito da venda. Nos comitês de defesa desta modalidade, palestras, esta era sempre a ideia. Porém, foi numa visita a uma família no rio Acangatá, em Portel, que tomei o susto: antes de vender, estruturar; antes de sair, ficar. O resultado de alguma experiência adquirida no assunto.

Uma casinha ali de uma parede em meio a centenas de balsas das madeireiras indo e vindo com toras de ipê, angelim, maparajuba, verão a verão. Então, como o manejo florestal comunitário e familiar que eu defendo poderia conviver também com a casa de comunitários de apenas uma parede? Não se pode repetir o que tem sido feito pelo grande capital,


Uma casinha, 
solitária,
naquele rio
de uma parede
na sua prece
pros homens pede
"por que não aquece
a minha dona?
Tão senhorinha,
tão pobrezinha,
algumas tábuas
pra aquele quadro,
pra sua rede
tão desbotada.
Um assoalho
para seu neto,
ali brincar,
e saltitar
e um lambril,
para contar
que a sucupira
fofocar".

Uma casinha
acolhedora
pra uma mulher
trabalhadora...



Nossa proposta sempre foi outra, de um manejo florestal comunitário e familiar como agente de desenvolvimento local, mas no limpo, não tem atuado na melhoria das residências.

Casa de ferreiro, espeto de pau? Casa de manejador, casas malmente casas?

As associações comunitárias não podem obter lucro com a venda de madeira segundo sua composição perante a lei, o que não as impediria de fazer manejo florestal comunitário para estruturar as casas de seus associados, cumprindo o papel social das florestas, como assim prevê o Novo Código Florestal (artigo 23). Mas para tal, há de existir o conhecimento, há de ter o manejo florestal em prol do que é essencial para os agroextrativistas: uma casa digna.

As políticas públicas existem para a habitação rural.

As técnicas de manejo florestal também.

A organização social persiste.


É momento de construir uma nova casa para o manejo florestal comunitário e familiar na Amazônia.

Falamos da Floresta.

Falamos dos Bens e Serviços da Floresta.

Nunca mais uma casa de uma só parede para uma família.

Se é para voltar a ser jovem e militante, vamo lá!

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Inauguração da Escola Santo Ezequiel Moreno, Rio Acuti-pereira, Portel









Foto: Teofro e Ana.




No último dia 14 de novembro foi inaugurada a Escola Municipal de Ensino Fundamental Santo Ezequiel Moreno, no Rio Acuti-pereira. Um desejo antigo da comunidade que dá nome à escola.

Através da parceria entre a comunidade (Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Rio Acuti-pereira - ATAA) e a Prefeitura de Portel, construiu-se a escola onde estudarão 97 alunos locais. Para 2016, pretende-se aumentar o número de alunos para 150, abrangendo outras localidades próximas.

O prefeito municipal, representantes da câmara de vereadores e lideranças locais falaram da importância do espaço construído, onde também funcionará o programa Saberes da Terra. 










Foto: Ana





Na festa de inauguração, a comunidade apresentou seu grupo de dança e também sua inovadora culinária, já famosa em Portel. Coxinhas de açaí e quitutes à base de palmito e macaxeira foram bastante elogiados pelos presentes. Tais produtos já são oferecidos na merenda escolar por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE.











Foto: Ana





Em Santo Ezequiel Moreno fortalece-se a educação como instrumento de transformação social.

Parabéns à comunidade!









Foto: Ana

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Produção de Hortaliças em Viveiros Suspensos em Afuá, Marajó.












Foto: Alfredo Rosas



Exemplo de Viveiro Suspenso para produção de hortaliças em regiões de várzea do Marajó. 

Experiência da Emater de Afuá, sob coordenação de Alfredo Rosas, na comunidade Marajosinho, próximo à sede do município.



















Foto: Alfredo Rosas

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Crônicas do Corte: Certificação Florestal



Acampamento do protesto contra exploração de madeira
na comunidade Repartimento dos Pilões, em Almeirim.



Belém, 11 de setembro de 2015.


A certificação FSC (que significa em inglês Forest Stewardship Council e em português Conselho de Manejo Florestal) é uma garantia de mercado internacionalmente reconhecida, que identifica, através de sua logomarca, produtos madeireiros e não-madeireiros originados do manejo florestal responsável[1]. Todo empreendimento ligado às operações de manejo comprometido com a natureza e/ou à cadeia produtiva de produtos florestais, dentro dos princípios e critérios do FSC, pode ser certificado.

Criada em 1993, a certificação florestal FSC promove em seus princípios e indicadores o manejo florestal socialmente justo, ambientalmente responsável e economicamente viável, com acompanhamentos de câmaras e sub-câmaras relacionadas a estes aspectos. Em tese, tais esferas tem o mesmo peso nas tomadas de decisões[2].

A maior parte dos empreendimentos trabalhados pelo FSC no Brasil tem sido aqueles voltados para as florestas plantadas, sobretudo para os plantios de eucalipto. No que se refere à exploração de madeira nativa na Amazônia, hoje se produz 600 mil metros cúbicos (m3) de madeira certificada por ano[3], apenas 4% da produção brasileira total[4].

Apesar da tentativa do mercado em garantir madeira com origem sustentável, passados 22 anos de sua criação, os números de empresas que buscam esta modalidade de certificação, as relações entre empresas certificadas e comunidades tradicionais e a qualidade das agências certificadoras dão mostra que é necessário uma grande repactuação deste processo para o bem do manejo florestal na Amazônia. Como argumentos, delinearemos os comentários nos aspectos apontados neste parágrafo.

Sobre o número de empresas certificadas, poderia elencar dois principais motivos para a não procura pelo Selo FSC em grande contingente: a incerteza fundiária das terras da Amazônia e a grande ilegalidade de extração madeireira que dificulta a valorização de preços para aqueles que praticam o manejo florestal com certificação. No entanto, em minha própria contradição neste ato de escrever, muitas terras foram regularizadas nos últimos 10 anos, predominantemente em favor de comunidades agroextrativistas no formato de Projetos de Assentamentos e Reservas Extrativas no propósito de proteger os territórios coletivamente utilizados por populações tradicionais. Além disso, os Governos federal e estaduais implantaram suas primeiras áreas de concessão florestal, também definindo onde empresas podem manejar a floresta quando atendido o artigo 6º da Lei de Gestão de Florestas Públicas[5]. Nos grandes processos em curso de ordenamento fundiário, deveria ser a incerteza fundiária não mais um problema. Mas em 2 casos que acompanho, nos municípios de Almeirim e Portel, a certificação florestal premiou empresas com processos de regularização fundiária questionados pelo Ministério Público. Sendo assim, como certificar áreas duvidosas? Em se tratando de legalidade do processo de comercialização, recentemente uma empresa certificada recebeu autuação do IBAMA por irregularidade na gestão de créditos de madeira. Apesar de não ser na área certificada, como manter um selo para quem promove uma coisa em um lugar e adota operações duvidosas em outro?

Coincidentemente, nas regiões apontadas acima onde ocorre dúvida fundiária, existem também conflitos envolvendo comunidades locais e empresa certificada. Como se obedece o Princípio 2 de Direitos e Responsabilidades de Posse e Uso e de Direitos dos Povos? Com as organizações governamentais e não governamentais envolvidas diretamente na resolução destas dissensões, percebe-se pouca percepção até o momento do FSC nas de exploração madeireira em florestas nativas.

A problemática aponta por sua vez para a qualificação das agências certificadoras e do próprio FSC, pois vários relatos de comunitários de Almeirim descrevem falhas de abordagem e não isenção nas auditorias feitas na empresa certificada. O mesmo ocorre em Portel. Lembro que são os casos que conhecemos. E os demais?
Em movimento contrário, de um novo entendimento sobre o uso responsável dos recursos naturais, vários produtos da floresta vêm ganhando espaço e mostrando o valor da sociobiodiversidade. Falamos de castanha-do-brasil, de óleo de palmeiras (murumuru, babaçu, etc), frutos e derivados de frutos de açaí (que representam bilhões de reais negociados anualmente no Marajó e Baixo Tocantins, no Pará). Produtos que são Bens e Serviços da Floresta (BSF)[6] para o país por tudo que envolvem no lema de socialmente justo, ambientalmente responsável e economicamente viáveis. São Bens e Serviços voltados para o bem estar das comunidades amazônicas (e também da população urbana) que da floresta dependem. BSFs que deveriam estar na pauta principal da certificação FSC, pois caso contrário, em mantendo o predomínio atual para a madeira nativa e eucalipto, mostra-se o selo FSC como uma ferramenta estática diante das estratégias de desenvolvimento local, de ações econômicas menos invasivas e mais justas tendo o princípio da valorização da floresta em pé. A floresta é mais que “produtos madeireiros ou não madeireiros”. A floresta é um patrimônio público, um bem, nos oferece serviços.

Existe vontade de uma repactuação da Certificação Florestal? Há um novo olhar sobre a floresta? As câmaras setoriais (social, ambiental e econômica) mantêm-se equilibradas em sua participação e podem intervir em situações graves?  Como envolver mais associações comunitárias e empreendedores sociais no debate FSC? O selo FSC terá a confiabilidade dos consumidores quanto à origem daquilo que marca? 


Normalmente não gosto de fazer textos com tantos pontos de interrogação, mas no caso do FSC, é o que o contexto pede.







[2]Dam, Cris van. La Economía de la Certificación Forestal:
¿desarrollo sostenible para quien?   - Chris van Dam Profesor de Política Ambiental y Desarrollo Sostenible Universidad Nacional de Salta, Argentina Miembro del FSC. 2001.
[4] O IMAZON estima que se produz anualmente 14 milhões de metros cúbicos ano em toras no país, com grande participação dos estados do Pará e Amazonas (86%).
[5] Segundo o sexto artigo da Lei 11.284, “...Antes da realização das concessões florestais, as florestas públicas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais serão identificadas para a destinação, pelos órgãos competentes, por meio de: I - criação de reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, observados os requisitos previstos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000; II - concessão de uso, por meio de projetos de assentamento florestal, de desenvolvimento sustentável, agroextrativistas ou outros similares, nos termos do art. 189 da Constituição Federal e das diretrizes do Programa Nacional de Reforma Agrária; III - outras formas previstas em lei.
[6] Começo em 2016 a escrever sobre essa tese: não posso admitir no século XXI o termo “Produto Madeireiro” ou “Produto Não Madeireiro”. Para a nova engenharia florestal, há de reconhecer o papel prestado pelas florestas em seus Bens e Serviços.  Assim, castanha-do-brasil é um BSF, açaí é um BSF, abelha sem ferrão, mais do quem bem, é um serviço de polinização. Ganha a mata, ganha você, ganhamos todos.

domingo, 1 de novembro de 2015

Projeto Lançante: Uma tentativa de colaborar com a reflexão no Marajó

Caríssimos,

Em 2014 fui escolhido como um dos autores amadores que teriam textos publicados na 64ª edição do Projeto PALAVRA É ARTE, iniciativa do escritor Gilberto Martins no objetivo de formar e achar novos escritores brasileiros. "Porto Diego" abre esta edição, o que muito me honra.

Diante da problemática educacional no Marajó, minha região de origem, percebi que precisava provocar nos meus conterrâneos a vontade de colocar no papel suas histórias e sentimentos, sua realidade e sua arte. Fazer o que o projeto PALAVRA É ARTE me despertou: o irremediável desejo de escrever o que penso e ajudar a registrar o contraste entre a beleza amazônica e a luta dos seus viventes por dias mais dignos.

Confesso, nem sei se dará certo esta tentativa, nem sou bom na arte da escrita como acho que deveria ser, mas não fujo de minha característica de instigar, de cutucar para a reflexão. Por isso, a ajuda de meus inúmeros amigos me é bem vinda em prol de marajoaras mais críticos de sua condição, mais senhores de sua grandeza.

Aqui decidi chamar meu simplório incentivo de PROJETO LANÇANTE. 

A Lançante, quando a lua cheia oferece as maiores marés, a água a espalhar nas ilhas, dominando, disseminando, fertilizando a terra. Assim penso que a ação-reflexão proposta por Paulo Freire o faz, encharca a gente de pensamentos, de ideias, de soluções. 

Para todos.

Operacionalmente começarei divulgando autores do Marajó, conhecidos ou não, para que outros os leiam. Para isso, este Blog vem  calhar, assim como as demais redes sociais. 

Futuramente, penso ser importante promover concursos de redação e aí paro por enquanto, pois preciso dos amigos comprometidos com a cidadania para ajudar nesta formatação. E tenho vários.

É um projeto que vai se auto-construindo. Às vezes planejar demais atrapalha. 

Vamos Lançante, escorrei mundo afora.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Grilado

Caríssimos,

Fui à uma palestra do Programa Municípios Verdes (PMV) e deparei-me (e fui teimoso com os palestrantes rsrsr) com algumas inconsistências em relação ao CAR e o ICMS Verde.

Pensei em escrever uma carta aos senhores e senhoras, mas não conseguiria me fazer entender.

Tento repassar um pouco de minha inquietação que não é pouca, de alguém que trabalha em campo faz tempo com as comunidades amazônicas.

A começar por eu nunca ter entendido como um aluno que estuda, estuda, estuda (Gurupá nos seus anos de ouro entre 1986 e 2009) nunca ter sido reconhecido como município verde, apesar de ter organizado seu território em favor da floresta.

Por outro lado, um aluno que nunca estudou, só aprontou, aprontou nos anos 1980, 1990 e 2000, de repente virou 1º Município Verde.

Talvez isso explique a origem de muitas contradições.

Mas vamos à minha dúvida:

CAR versus ICMS Verde

O Governo do Pará regulamentou  em 2013 a parte da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) destinada a distribuição entre os municípios, por critérios ambientais. O decreto estabelece que o ICMS Verde chegará a 8% dos 25% repassados até 2016.

O cálculo do repasse tem como base 3 critérios: 50% do montante serão divididos de acordo com a porcentagem de propriedades rurais com Cadastro Ambiental Rural (CAR) nos municípios; 25% irão para os municípios que cumpram metas de redução de desmatamento; e 25% para municípios que tenham Unidades de Conservação (UCs).
E aí fiquei a matutar sobre a atual situação do Cadastro Ambiental Rural no Estado do Pará.

Escutei dos palestrantes do PMV que o CAR é declaratório. Pois bem.
No parágrafo 2º do artigo 29 do Novo Código Florestal aponta-se que “O cadastramento não será considerado título para fins de reconhecimento do direito de
propriedade ou posse...”.

Também escuto que irão fazer a filtragem daquilo que é válido ou não, em caso de sobreposição com áreas já regularizadas (terras indígenas, projetos agroextrativistas, reservas extrativistas, unidades de proteção integral, etc...) e situações conflituosas.

Existem denúncias que muitos CARs são tentativas de grilagem, então por que o filtro mais fino não é logo realizado e assim consolidados os Cadastro Ambientais Rurais “Mansos e Pacíficos” (assim como existem as posses mansas e pacíficas...)?  Em 2014  falou-me uma servidora da SEMA (hoje SEMAS), “iremos logo resolver isso...”.

Pois me preocupa o mapa do CAR no Estado assim publicado no SIMLAN (aqui apresento o Marajó).






Ainda mais quando cruzo as informações com o Cadastro Nacional de Florestas Públicas.


Fonte: Cadastro Nacional de Florestas Públicas 2013/ Serviço Florestal Brasileiro. Recorte do Marajó















Mesmo não sendo especialista no assunto, coloco um mapa ao lado do outro e arrisco algumas perguntas...





Dúvida 1: por que não se considera como CAR (coletivo) o que já foi regularizado em reservas extrativistas, PAES do INCRA, territórios quilombolas, etc??




Dúvida 2: há sobreposições em áreas já regularizadas ou destinadas como a Flona Caxiuanã e a área do Decreto 579 em Portel (Gleba Joana Peres 2), por que estão no site??




Dúvida 3: tem um bocado de CARs em áreas do Marajó pertencentes à União, cujos tamanhos devem ser acima de 2.500 hectares. Tá no site...

Com esses 2 mapas, veio-me a indagação maior, o meu grilo:

Como pode ser o critério de 50% o CAR para determinar o ICMS Verde???????

Se é frágil a situação declaratória, então o Estado do Pará assume que vai pagar ICMS Verde para municípios que tem maior número de CARs, mesmo que alguns possam ser tentativas de grilagem. 

Em determinadas regiões, tem mais CAR que comunidades no mapa do SIMLAN, ou seja, quem pode pagar, paga; já trabalhadores rurais (até 4 módulos fiscais ou em caso de modalidades coletivas) dependem da Emater com pouco recurso para ir para campo. No caso das modalidades coletivas, por que a demora a nível federal e estadual para fazer o CAR coletivo?

É óbvio que o CAR é uma ferramenta de gestão ambiental poderosa, sobretudo em terras já consolidadas em termos fundiários.

O problema é o atalho, é quando escuto de um senhor do Ministério do Meio Ambiente: “ah, se a gente fosse esperar todas as terras serem regularizadas...”. Tá bom, trabalhe então o país com a dúvida sempre.

Muitos companheiros e eu temos lutado para esclarecer a seguinte situação às famílias agroextrativistas:

Fonte: Cartilha Fundiária (Katia O. Carvalheiro; Girolamo D. Treccani; Christiane Ehringhaus; Pedro Alves Vieira – 2008)

Agora o esclarecimento é este:

















Desculpe, mas o ICMS não é verde, é meio cinzento...

Não sei se vocês me entendem, sei lá, eu continuo GRILADO com o Cadastro Ambiental Rural...

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A Casa da Mulher







Foto: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/14/opinion/1442235958_647873.html / Lilo Clareto

Rio Paruahu, pensando em Belo Monte, pensando em Almeirim, 04 de outubro de 2015.




São homens maus,
são homens maus que destroem minha casa
em nome de outros covardes
que não tem coragem de me olhar de frente
mas espera, antes de ir, dai-lhes este recado:


Derrubaste minha casa
caiu o esteio de minha história
ali mantinha a plantinha
neste canto meu filho brincou
pisaste nas minhas memórias
que fiz de cruel para este furacão?
confesso que me balou no peito
Destroços de meu coração


derrubaste a casa
derrubaste-me um pouco
mas de repente veio-me a ideia
reerguer-me
pois a casa sou eu
afinal sou Mulher
trago a vida desde que o mundo é mundo


vou me levantar
vou ser exemplar
outras virão juntar-se
para assim sermos infinitas


vejo o medo em seus olhos
não contavas o quanto seríamos
esta é nossa casa


derrubaste a casa
suas máquinas e homens sem emoção
passarão uma vez que não há alma
e seu numerário
nada será para te dar a paz
dorme com o choro das crianças
e não sentindo consciência
nas fugirás dos meus olhos


vem prestar contas comigo
veja quanta firmeza
o espelho do que é princípio
da ternura e coragem


vejo-te o receio
e a pequenice dos atos
agora sou gigante
a exigir em todo o Universo


Derrubaste a casa!
mas acordaste a fúria!
dos extremos da Terra
vem ajudar-me Gaia!


juntas comandantes
pisaremos a cobra
juntas mudaremos
todos os destinos


A Casa é da Mulher


Tenho o rosto de todas
até de sua mãe
sua filha e esposa te condenam
veja o enlaçado que estás um nó
não percebias que somos uma só
Ao ferir Nossa Lei agora és réu


derrubaste o lar da inocente que só queria paz
todo teu dinheiro não vai te livrar
nem mil advogados irão te escapar
queres saber por que?


Justiça é uma Mulher!!!!!
Pantoja Ramos
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/5406249

terça-feira, 22 de setembro de 2015

CRÔNICAS DO CORTE - Matemática Ribeira/ Parte Final

Belém, 15 de setembro de 2015.


No terceiro caso da discussão de Matemática Ribeira, voltado agora para o açaí e sua real, aplicável e implacável condição, seu João de Gurupá teimou comigo quando mostrei a média de preços no rio Uruaí naquele ano de 2003. Deu R$7,00 a média anual por lata. “Rá-Rá-Rá, se fosse essa a média, eu tava rico!!”, zombou seu João. “Mas como seu João??”. “Mas quando seu Carlos...”.


Nesta reunião eu percebi o quanto nada sei, o quanto é preciso aperfeiçoar-se, o quanto a mente deve estar aberta. Humilhado o técnico estava naquela ironia daquele agroextrativista, como não achava a resposta? “Mas eu somei os preços e dividi por 12 meses!! Égua”. Estava ali remoído pensando. Afastei-me do quadro, fui quase à porta do barracão e assim de lá visualizei. Para confirmar, indaguei a seu João: “qual a média pro senhor?”. “Acho que é R$2,00 por lata seu Carlos”. Claro, óbvio, R$2,00 era o número que mais se repetia naquele ano, assim, assim. Não era Média, era Moda! O Comportamento, a Moda, aquilo que mais se repete no momento, a roupa da hora, a novela da hora, o preço da hora. O que mais se faz presente no dia a dia do Ribeiro. Não tem como bolar estratégias de capacitação sem levar em conta o comportamental, a dita Moda e aos poucos com todos na mesma sintonia, analisar projetos com um tempo maior, que levem em conta a média, passo a passo do pensar da Moda, do imediato para metas de longo prazo. É a construção que tem a educação básica como melhor esteio.


O melhor esteio. A educação é o melhor esteio. Mas que seja sincera. Que seja real. Que traga a matemática, a filosofia, a geografia, a história, a cidadania que beba a realidade dos Ribeiros. Não pode ser somente o passar de ano. Não basta ler e escrever. Tem que saber o cálculo certo, da tora, da madeira serrada, da lata, do quilo, do hectolitro. Da conta correta. Da boa administração. Tem que interpretar, há de aperfeiçoar, há de matutar sobre problemas cotidianos, ficar de butuca, cujas soluções podem ser mais baratas sem depender de grandes aparatos criados por tecnocratas. Há de se exigir uma reformulação no modo como pensamos a educação e construímos pessoas. Um papo velho que alerta pra dívida existente em nossa consciência e em nosso país.


Tudo isto para chegar mais próximo da verdade para os Ribeiros. 


CRÔNICAS DO CORTE - Matemática Ribeira/ Parte 2

Belém, 15 de setembro de 2015.

No segundo caso da linha de raciocínio que comecei apresentando a história da compra de ucuúba em Gurupá, reporto a experiência minha e de um senhor aqui chamado de Ardósio, que em uma oficina sobre manejo florestal desafiou-me a calcular o volume de uma peça de madeira que ali estava no barracão da comunidade e quantas da mesma peça seria preciso para ter 1 metro cúbico. Era uma brincadeira que assim topei.


“Seu Carlos, é preciso 30 peças destas para dar 1 metro cúbico. Faz aí se tu acerta”. Calculei então. “Seu Ardósio, acho que errei, pois achei 20 peças dessa bitola aí pra dar 1 metro cúbico, como o senhor fez a conta?”. “Fiz assim, seu Carlos, eu peguei pé, multipliquei por polegada, multipliquei por pé de novo...”.


Com jeito, disse àquele senhor: “Seu Ardósio, eu não sei se é certo multiplicar pé por polegada, sei lá, parece que tô multiplicando uma cebolinha por um tomate, um caderno por uma canoa, não sei se deve misturar essas coisas...”. “E como o senhor faz?”, indagou Ardósio. “Eu coloco tudo numa só língua, metro, metro, metro, por isso transformo centímetro pra metro cada medida da peça na sua espessura, largura e comprimento. Mudo tudo pra metro pra cumprir aquele desenho do metro cúbico, a letra m com um 3 em cima dele, metro, metro, metro (m3)”.


“Fiuuuuuuu”. Os presentes da oficina assobiaram. 


“Seu Ardósio, quem te ensinou a calcular dessa forma?”.


“O homem que compra a madeira de mim”.


“Pois seu Ardósio, para cada metro cúbico, você dá de graça 10 peças para ele...”.


“Fiuuuuuuu”.


Ah este ensino que não educa a realidade do Ribeiro.


Até tentamos ajudar no esclarecimento, nesta tabela que fizemos Raoni Nascimento, Nilza Miranda e eu.



Tudo isto para chegar mais próximo da verdade para os Ribeiros.


(Continua...).

CRÔNICAS DO CORTE - Matemática Ribeira/ Parte 1

Belém, 15 de setembro de 2015.


Em agosto fui ao município de Chaves, no Marajó, por conta de trabalhos relacionados à elaboração de planos de uso dos recursos naturais para comunidades locais. Um instrumento de bom uso da mata, dos rios e de convivência entre vizinhos, que ensina muito àqueles que assessoram as famílias neste debate. Afinal, não se pode opinar tecnicamente sem vivenciar o dia a dia do agroextrativista. No caso de meu aprendizado, tive que admitir que nossa  educação é excludente, errada em sua estratégia em consolidar a figura de cidadãos de fato, de Ribeiros, não mais ribeirinhos, pois diminutivos não somos, nem nunca fomos, só nos apelidam na grande maioria das vezes os de fora. Sei que não é nada de novo, mas incomodou-me o estático da ciência. Deparei-me com o não conhecimento de um trabalhador rural de Chaves em como calcular madeira em metragem cúbica ali de sua serraria, tal qual verificava em Gurupá, no início dos anos 2000. Como deveria saber este senhor sobre a forma de comercialização de madeira processada mundo afora! Como fica este à margem em relação aos que muito ganham!  Na soma de argumentos sobre tal estado, resolvi lançar três historietas matemáticas para avaliar nossa formação escolar, no afunilamento de questões florestais madeireiras como estudo de caso.


O primeiro caso que aqui exponho foi a compra durante muitos anos de madeira da espécie ucuúba (ou virola) por uma empresa japonesa em região gurupaense. Um dia me foi perguntado por uma liderança, seu Codó: “Carlos, o que é o volume Francão??”. “Volume Francon”. “É, este mesmo.”. “porque a firma que compra madeira da gente só paga desse jeito, no Francão”. Na tentativa besta de ser o mais didático que pudesse ser, expliquei que: “imagine uma tora de madeira, roliça. Quando medido seu volume, digo que é volume real de uma tora, considerando o que de fato ela é”.


Volume Real


Codó concordou com a lógica e assim continuei: “imagine agora que esta tora de madeira, roliça, seja cortada onde se aproveitasse a grande parte quadrada (na intenção minha de fazer-me entender), retirando as costaneiras, assim ó...”:


Volume Francon


“Este é o Volume Francon”. Codó passou a mão na barba branca e pediu que eu repetisse tal explicação após o culto de domingo. Apresentei o raciocínio à comunidade, e na expressão de seus olhares, captei o incômodo geral. “Vocês vendem virola pra quem?”. “Para a firma japonesa que vem lá de Breves”, responderam. “Pra quê ela precisa de virola??”. “Pra fazer compensado, né?!!”. “Como a máquina que faz compensado trabalha??”. “Laminando!”. “A Máquina corta??”. “Não, a máquina desfia!”. Foi assim que definiram a laminação de madeira para compensado.

“Fiuuuuuu”.

O assobio solitário de um dos presentes ressoando no salão foi o sinal de mentes trabalhando. Desenhei com o dedo no ar para bater de carrão de sena. “Como a firma compra de vocês?”. Fiz a misura:


  


  
“Como a máquina desfia?”. Continuei na misura:


  
“Como a firma paga vocês??”. Uma das lideranças desenhou no ar:







   
“Égua! Tão roubando a gente faz tempo!!!!”.


A partir de então exigiram que o japonês que visitava a vila pagasse o volume real e não mais o tal volume “Francão”, pra surpresa do comprador após tantos anos. Mas o que a educação básica tem a ver com isso? Simples. Geometria. Básica geometria que poderia ser bem ensinada na escola. Ah, ia esquecendo, Codó e sua comunidade passaram a calcular volume de toras assim:

VOLUME REAL DA TORA = CIRCUNFERÊNCIA (metros) X CIRCUNFERÊNCIA (metros) X COMPRIMENTO (metros) ÷ 12,56.

Tudo isto para chegar mais próximo da verdade para os Ribeiros...



(Continua...).