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segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Oitava Marchinha

Oitava Marchinha 

Afuá, 23 de janeiro de 2018.



Hoje entrevistei uma família.
6 jovens parados na oitava série.
Parados por falta de uma nova etapa de educação.
Ensino médio.
Média nota não merece os gestores em oito anos de incoerência.
De incongruência.
Deus me dê força pra que eu me indigne sem sentir raiva. Não desejo nivelar-me aos desgraçados que tomam conta da educação paraense há décadas.
Quando tu não ofertas estudos, sentencias o jovem à própria sorte.

Hoje naquela casa eu reforcei o que entendia sobre a falácia da Meritocracia.
Hoje eu pensei na educação do Pará e na mente mandei pra longe o Governador.
Hoje eu pensei que o empresário chinês é para o alto comando mais importante do que aqueles jovens da oitava série paralisados na educação.

Hoje eu quase amaldiçoei o Pará. 
Mas não posso. Não seria correto. Ao faltar-me amor, cairia na armadilha da falta de humanismo e humanidade dos governantes.
A culpa não é da grande maioria dos meus conterrâneos. 
Somos vítimas.
Respirar fundo e educar.
Escutar a Oitava Sinfonia de Bethoven. 

Droga, relembrei da oitava. 

Como sou falho, desejo a todo aquele que mata jovens rapidamente ou lentamente:

UMA MARCHINHA DE CARNAVAL! 


Marchinha da Oitava 


Vou ter um filho 
Mesmo tão novo 
Com pequeno pra cuidar 

Vou enfilhar 
Mesmo tão moça 
Com criança pra mamar 

Paro na oitava 
Ensino médio que sumiu no interior 
Gente parada 
Que poderia ser engenheira ou dotô

Trinta por cento parindo 
São as meninas seguindo 
Mundo das drogas perigo 
O traficante sorrindo 

No ano de eleição 
Com o meu voto eu presto 
Mas acabando a folia 
Continuo no cabresto 

Ai  Ai  Ensino Médio 
Eu sei que é bom remédio 
Ai Ai a faculdade 
Me ajuda a cumprir essa vontade 

Ai Aí Ensino Médio 
Eu sei que é bom remédio 
Alô Comunidade! 
Tudo unido pra mudar a realidade 


 

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Sobre os Repasses Federais aos Marajoaras 2017: PARTE 1





"A Dona Aranha subiu pela parede,
veio a chuva forte e a derrubou.
Já passou a chuva, o sol já vem subindo
e a Dona Aranha continua a subir...".
Cantiga Popular


Carlos Augusto Ramos[1]

Ponta de Pedras, 05 de janeiro de 2018.

Caríssim@s,


                O ano de 2017 marcou para mim um momento em que o lutador percebe de onde vieram os socos. Não que desconhecesse a luta, afinal, faz parte da profissão de pelejador. Só que mudando-se drasticamente as regras em 2016, a partir do Golpe Parlamentar-Jurídico-Midiático – onde o adversário passou a utilizar métodos sujos, juízes da luta aparentemente coniventes com essa nova jogada, e uma parte da plateia estranhamente torcendo para um patrocinador lá fora – tudo se tornou espetáculo[2]. O lutador quase nocauteado teve em 2017 aquele lapso mágico de tempo para entender o que estava se passando e se refazer em nova estratégia, depois de uma teima danada consigo mesmo que as lições de antigos treinadores precisavam ser rapidamente ajustadas. 


É hora de reagir.


No respirar fundo, sem raiva, consciente dos golpes, uma trabalhadora começa a analisar que o lixo acumulado ao lado daquele canal poderia ser colocado numa grande caixa tampada e não espalhado pelo chão, deleite dos urubus e dos ratos.  Que o caminhão poderia coletar essa grande caixa tampada e levar adiante, e não todo lixo exposto ser arrastado pela pá do trator que cobra a hora-máquina, comendo vorazmente mais dinheiro público[3]. Dinheiro público previsto que em 2017 foi destinado em 50,66% para o pagamento de bancos privados, enquanto o saneamento básico teria a migalha de 0,04% deste Orçamento Geral da União (?). Nem sequer metade de 1%.



O jogo é cada vez mais compreendido.


Após estudar o Portal da Transparência do Governo Federal (http://www.portaltransparencia.gov.br/), foi possível a conta:


  • Em 2017 o Governo Federal repassou de seus cofres aos 16 municípios marajoaras o montante de R$ 862.350.385,63 (oitocentos e sessenta e dois milhões, trezentos e cinquenta mil, trezentos e oitenta e cinco reais e sessenta e três centavos); 
  • Em 2017, o IBGE (https://cidades.ibge.gov.br/) estima uma população de 548.634 (quinhentos e quarenta e oito mil, seiscentos e trinta e quatro) habitantes no Marajó; 
  • Assim, o investimento da União para cada marajoara no ano passado foi de R$ 1.561,01 (hum mil, quinhentos e sessenta e um reais e um centavo), o que dá mensalmente R$ 130,08 (cento e trinta reais e oito centavos) para os que vivem em MIBARAIÓ (nome original do Marajó)[4].

 



No esmiuçar deste processo de repasse federal desde 2010 aos municípios como Melgaço, Curralinho, Anajás, Bagre e Portel, fico a imaginar tamanha restrição atual de recursos, quando o problema não é (e talvez nunca tenha sido) a carência, de fato, de recursos, e sim a intenção de distribuí-los de maneira justa. Em 2017, o país perdoou a dívida de 25 bilhões de reais do Itaú[5], equivalente a 25 anos em valores atuais, do que foi destinado aos rincões marajoaras! 


Ademais, a falta de sapiência dos “salvadores da pátria” (e seus mirabolantes projetos de desenvolvimento) não lê que a causa do estrangulamento está em Brasília e quando olham a própria terra, não concluem a origem de nossa pobreza. Portel, por exemplo, é a pura contradição de suas riquezas: movimentação de 217 milhões de reais com madeira em tora[6] sem a arrecadação em Imposto Sobre Serviços (que varia de 1 a 5% da nota fiscal movimentada no transporte) à altura das necessidades do município. São 10 milhões de reais arrecadáveis que se juntados aos 16,9 milhões de reais de Fundo Participação dos Municípios em 2017 ajudaria no suporte para a população local.  

Prefeito, vereadores e moradores do Marajó, sinto dizer, mas somos todos precariados. Solução? Sozinho, não tenho; juntos, teremos. 

Anajás e Bagre acenderam a luz amarela em relação à malária: sinal este que as fontes oficiais não têm mostrado à sociedade, pois desde setembro de 2016 (ano do Golpe) os dados de monitoramento relacionados a esta doença pararam.  

A luz está amarela também para quem cava a informação: para bisbilhoteiros como eu, digo que estamos às escuras. No país real[7], R$ 1.861,37 e R$ 1.257,57 por morador de Anajás e Bagre, respectivamente, são investidos nas diversas áreas sociais e dar conta de enfrentar uma sempre perigosa malária[8].    





Vale relembrar e lamentar a Emenda constitucional 95, que instituiu em 2017 o congelamento dos gastos públicos por longos 20 anos[9] – obra canalha, que se soma às recomendações de austeridade do Banco Mundial, incluindo a privatização das universidades públicas[10]. Num ambiente em que metade do orçamento é destinada ao mercado rentista, que se desdobra em trocar tal fonte de renda pela aposentadoria do povo brasileiro, não há como evitar a sentença: Égua! Pensa numa gente canalha... 

Enquanto isso, Melgaço – município apontado no último censo do IBGE como o de pior IDH do país – tem sofrido queda nos repasses federais por habitante. Existe no meu bobo jeito de ver afronta maior que possa existir ao pacto federativo e à Constituição de 1988 em seu 3º Artigo: “...Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I –construir uma sociedade livre, justa e solidária; II–garantir o desenvolvimento nacional; III–erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais...”.






Achei um pequeno dicionário jurídico em casa, no meio do material de estudo de minha esposa. Lá achei a explicação incrível do termo “Desobediência civil”: 




Seria esta uma possibilidade diante do atual clima de ilegitimidade - revestido de aparente legalidade? 


Ah, Dona Aranha, como és inspiradora!


"Ela é teimosa e desobediente. Sobe, sobe, sobe e nunca está contente...".













[1] Engenheiro Florestal, Consultor Socioambiental, nascido em Portel, registrado em Belém, criado no Jari.
[2] Fiz rápida analogia do boxe, analítico amador que sou. Sugiro ler a visão dos enxadristas como a de Luís Nassif - https://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-do-maior-golpe-da-historia-por-luis-nassif
[3] Poderia duvidar do paraense Diário On Line e sua parcialidade política dos fatos, mas o que dizer dos lixões espalhados na capital? Não dá para negar que é preciso mudar a visão política sobre o que é real e imediato em Belém - http://www.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-268045-hora-de-um-novo-olhar-sobre-o-lixo-da-grande-belem.html
[7] Ariano Suassuna (autor de O Auto da Compadecida - que Deus o tenha) falava sobre a existência de 2 Brasis: o real, aquele do cru e nu cotidiano da grande maioria dos brasileiros e o oficial, fantasioso, das cenas, lutado pelo poder às custas da carestia brasileira. Um clube.
[8] Consegui informações da malária em 2017 junto às lideranças locais. Verificável em http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2017/10/malariometro-reage-ajude-preencher.html