Páginas

sábado, 19 de maio de 2018

Sobre os Repasses Federais aos Marajoaras 2017: PARTE 2


"Ou os estudantes se identificam com o destino

do seu povo, com ele sofrendo a mesma luta, ou se

dissociam do seu povo, e nesse caso,

serão aliados daqueles que exploram o povo”.

Florestan Fernandes



Carlos Augusto Ramos[1]

Belém, 19 de maio de 2018.



Caríssim@s,

                Com base nos estudos feitos na primeira parte deste texto (Sobre os Repasses Federais aos Marajoaras 2017: PARTE 1[2]) e na tragédia que vem ocorrendo no rio Laguna, município de Melgaço, pela morte de 12 pessoas vitimadas pela hidrofobia[3], lanço minha proposta de carta para que movimentos sociais encaminhem para os altos dirigentes deste país:




CONSIDERANDO o artigo 1º da Constituição Brasileira em que “... A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos... III – a dignidade da pessoa humana”; e de seu artigo 3º em que cita como “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I –construir uma sociedade livre, justa e solidária; II–garantir o desenvolvimento nacional; III–erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV–promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;



CONSIDERANDO o Censo do IBGE de 2010, o qual indica o município de Melgaço no Marajó, como aquele de menor ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO do país, no valor deste índice em 0,418;



CONSIDERANDO o repasse federal decrescente para o município de Melgaço, pior IDH do país, nos últimos 3 anos a saber: 2015 - R$ 53.276.686,26; 2016 - R$ 49.787.810,09; 2017 - R$ 45.050.530,09;



CONSIDERANDO o repasse federal investido por habitante do Marajó em 2017 em R$130,08 mensais, valor este menor do que os estudos feitos pela consultoria LCA sobre os valores limites de extrema pobreza em R$136,00 mensal por pessoa[4];



CONSIDERANDO o aumento de 11% de pessoas no Brasil em situação de extrema pobreza, ou seja, 14 milhões de habitantes a mais em comparação a 2016;



CONSIDERANDO o aumento dos casos de malária nos municípios de Breves, Curralinho, São Sebastião da Boa Vista, Anajás, Bagre e Portel[5];



CONSIDERANDO o fechamento das escolas no campo próximas às comunidades ribeiras de maneira intensa por meio de suas prefeituras municipais para a instalação de escolas-pólo que tem trazido uma série de reclamações de pais, alunos e professores sobre a logística e alcance da merenda nestes pólos[6];



CONSIDERANDO o aumento do número de jovens reclamantes da carência de ensino médio em suficiência nos municípios marajoaras;



CONSIDERANDO a precarização da segurança pública em todo o Estado do Pará, agravada pelo aumento de mortes em conflitos agrários[7] e da violência entre o tráfico de drogas e milícias[8];



CONSIDERANDO a destinação de 4,14% do Orçamento Geral da União em 2017 para gastos com saúde; 4,10% de gastos com educação e 0,03% com saneamento básico no país segundo a ONG Auditoria Cidadã da Dívida[9];



CONSIDERANDO a isenção fiscal e perdão de dívidas em bilhões de reais favorecendo bancos[10] e grandes empresas[11];



CONSIDERANDO os meios de comunicação de TV Aberta que não divulgam as informações básicas sobre o prejuízo da dívida pública para os mais de 100 milhões de brasileiros que os assistem;



CONSIDERANDO o aumento de pessoas no país que dormem ao relento, sem teto, sem trabalho ou entregues aos vícios das drogas numa situação óbvia de saúde pública;



CONSIDERANDO a corrupção advinda das instituições governamentais em suas três esferas, mas sobretudo das grandes empresas que alimentam esse sistema;








Chega-se à conclusão:


A Emenda Constitucional 95 de 2016, de Teto dos Gastos Públicos é INCONSTITUCIONAL e um sinal de quebra entre os entes que formam a República Federativa; é ato de separação unilateral dos Governos em relação à sua população.







[1] Engenheiro Florestal, Consultor Socioambiental, nascido em Portel, registrado em Belém, criado no Jari.
[4] Villas Boas, B. Pobreza extrema aumenta 11% e atinge 14,8 milhões de pessoas. 2018. Disponível em http://www.valor.com.br/brasil/5446455/pobreza-extrema-aumenta-11-e-atinge-148-milhoes-de-pessoas . Acessado em 19 de maio de 2018.
[6] O Fórum Paraense de Educação do Campo é o maior movimento de crítica a este nefasto sistema de precarização do ensino público.

sábado, 5 de maio de 2018

Carta Sobre a Castanheira



Foto: Yara Monteiro, 100% Amazonia




Belém, 02 de maio de 2018.



Caras Yara, Paula, Alynne, Raylane, Carol, Suelen

Caros Abimael, Diego, Lucivando.



Vocês sentem simpatia espontânea por tigres, elefantes e baleias? Eu nunca os vi pessoalmente, mas no imaginário despertado pelos filmes vespertinos, adquiri admiração por tão nobres e magníficos animais. O real risco de extinção que passam deixa-me preocupado e apesar de nem fazerem parte do meu dia a dia, seria uma tragédia para toda a vida seus desaparecimentos, seres que tornam mais plural e grandiosa a Terra.


Por que mencionar tais espécies?  Porque nas analogias muitas vezes sem sentido que me vem à mente, localizei na Castanheira (Bertholletia excelsa Bonpl.) sentimento semelhante sobre o quão bela é a ecosfera, com a diferença que desta vez tenho esta árvore na "parede da memória", como diria Belchior e não apenas em programas televisivos e de internet. Vejamos: a Castanheira é esplêndida, sofre com a ação humana e é símbolo de coletividade, algo que recentemente aprendi ao visitar comunidades tradicionais no município de Almeirim.


Economicamente informo que neste município, o IBGE registrou em 2016 um volume de produção de 180 toneladas de castanha, o que movimentou 341 mil reais no período[1]. Estranho, em conversa com uma liderança comunitária, esta informou que em 2017, 4 (quatro) famílias de sua localidade que anotaram sua produção, chegaram a 3.975 latas de castanha, cada lata a pesar 11 kg (castanha "molhada"). Ou seja, fazendo simplória conta de balcão (aqui apenas uma provocação para jovens cientistas), a produção destes castanheiros seria de 43 toneladas, repito, de apenas 4 famílias envolvidas. A soma das receitas brutas estimadas destas famílias seria de 99 mil reais (preço médio aqui utilizado de 150 reais a barrica[2], "bem por baixo", como diria o caboclo). Como provavelmente o IBGE trabalha em seus números com castanhas que já passaram por processo de secagem para a comercialização, é preciso adentrar na real produção e receitas obtidas nos paiós, vilas, beiras de rios e caminhões. Só uma verificação neste nível pode dizer o quanto a realidade está distante ou não do oficialmente divulgado sobre a produção de castanha almeiriense. 


Vale lembrar que esta atividade florestal é fonte de renda e ocupação de milhares de pessoas na região Norte, desde a coleta na floresta[3], transporte, beneficiamento, distribuição até as mesas de brasileiros, europeus e estado-unidenses. Se os gringos possuem o Vale do Silício, na Amazônia pipocam Vales do Selênio, mineral que é antioxidante, combate ao câncer, ao envelhecimento precoce, fortalece os músculos e o sistema imunológico segundo a nutricionista Jucilene Magalhães[4]. Castanhais que geram renda, divisas, valorizam a tradicionalidade das comunidades e conservam a biodiversidade.

Jamanxim. Foto: ASMIPPS.



Com as virtudes econômicas e socioambientais anteriormente referidas, por que tantas castanheiras tombaram e ainda tombam na hileia amazônica? Por que o boi permanece pisoteando suas áreas? É considerada a Castanheira uma espécie vulnerável segundo a Lista Nacional das Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção[5], chamada pelos ambientalistas de Lista Vermelha. A Castanheira também recebe proteção da Portaria do IBAMA número 48, de 10 de julho de 1995, artigo 10, que determina a proibição de seu corte em planos de manejo florestais madeireiros, em “florestas nativas, primitivas ou regeneradas”[6].


Não faltam marcos legais para evitar o colapso da espécie. Como em outras áreas da sociedade, a aplicação da lei é o maior problema. Aliás é de longa data essa negligência. Paulo Kitamura da EMBRAPA em estudos no ano de 1984 entrevistou produtores da região de Marabá sobre os motivos da destruição dos castanhais nativos[7]. Na frequência relativa das respostas dadas naquele momento, 77% dos entrevistados disseram que o motivo da depredação era a falta de aplicação da lei de proteção das castanheiras na prática; 77% disseram que é necessário desmatar para evitar a chegada de invasores (sério??); 72% responderam que o Governo não consegue fiscalizar a derrubada; 55% disseram que era uma necessidade para “cultivar a terra” (SIC) a partir da pecuária[8]. Acho motivante repetir o experimento para nossa atualidade, nesta investigação sobre a derrubada de castanhais. Poderemos ter melhor noção do quanto avançamos no bom uso dos recursos florestais.


Tempos de jovem engenheiro eu achava que somente a grande pecuária de corte era a adversária da castanheira, pudera, tantos conflitos agrários, tantas mortes nessa disputa entre o capim e as árvores, que os digam as lideranças do sul do Pará. Só que não atentei para a mudança dos padrões de consumo da população do campo na última década. Por que não ter tantos bens materiais afinal de contas, depois de séculos reprimidos dos pobres? Depois de tanto esquecimento estatal, panelas sem feijão, casas sem paredes?  De andar léguas a pé ou remar por horas? Sim, um milagre econômico é quando aparecem sobras para os cachorros comerem, sinal que seus donos não são esquálidos.


O impeditivo para uma sociedade que anseia o estado de bem-viver ocorre quando replica-se o mesmo tratamento à natureza de irracionalidade de uso da terra que o antigo “patrão” fazia. Queimar pequenos pedaços de um castanhal para pôr gado é continuar a tragédia. 


E fiquei preocupado ao ver queimadas naquele castanhal de uso coletivo. E percebi a atitude voluntária de um trabalhador rural em jogar sementes de capim Brachiaria para impedir que a luz chegasse para as sementes que fariam a regeneração natural. Entendi quando o jovem pai extrativista me explicou que a Castanheira não obstante seu destacável tamanho na mata, não tem raiz pivotante profunda e sim abraça-se com as demais raízes das outras espécies de árvores para manter-se seguramente em pé. 

Castanheira tombada. Foto: Yara Monteiro, 100% Amazonia



A Castanheira é antes de tudo, uma árvore comunitarista.


Sem as companheiras, exposta aos ventos, tomba. Assim a fragilizam muitos fazendeiros, assim a fragilizam até campesinos. Mesmo a coleta de castanha sem planejar o futuro em mudas e arvoretas causam impacto[9]. Acho que o jogo não é simplesmente de bem e mal e sim de conhecimento e ignorância. Sigo estudando.


Talvez se conhecêssemos mais a relação próxima da economia com a ecologia, entenderíamos que o fogo também mata e afugenta a abelha mangangá, polinizadora dos castanhais afetando quantidade de ouriços ofertados; que mata e expulsa a cutia, dispersora e dispersa de memória por não lembrar onde enterrou a castanha. Se estimo que 1 hectare de castanhal me dá R$535,00 reais[10] e o gado R$288 reais por hectare[11] no sistema extensivo, é conhecimento,  é conhecimento que nos falta. Pois este ganho financeiro precisa refletir em boas condições de trabalho, na infraestrutura comunitária existente e na própria remuneração das famílias[12]. Pois desmatar castanhais para dizer que ali existem benfeitorias é algo que as novas gerações não deveriam conceber. Para mim, tal ato é uma malfeitoria!


Ouriços de castanha. Foto: Yara Monteiro, 100% Amazonia.




Esta carta apenas é uma mensagem instigadora para o questionamento dos mais novos sobre como manejamos a floresta, como cuidamos da flora e fauna que nos cercam. Como o desejo de obter dinheiro e do que dele se pode comprar, amor de Eros[13], interfere negativamente na nossa prática de conservar espécies ameaçadas como a Castanha-do-Brasil. Eis aqui uma epístola de bem querer. E como nas cartas antigas, finalizo dizendo que mando lembranças para todos daí, desejando que tenham saúde, paz e equilíbrio.


Todos abraçados pela raiz como num sereno castanhal.



Notas:





[1] Verificável na página da internet do IBGE Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS) - https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pevs/quadros/brasil/2016

[2] A barrica de castanha equivale a 6 latas. O valor estimado aqui pela barrica é muito conservador, pois em 2017, chegou-se a vender uma barrica a R$700,00!

[3] Interessante notar a participação dos castanheiros, dos comboieiros, dos que trabalham na lavagem e ensacamento, dos atravessadores, dos donos de caminhão.

[4] Jovem nutricionista que orgulhosamente tenho como cunhada e que evolui nesta importante área da saúde.



[7] Aqui sugiro a leitura deste importante registro histórico - https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/55270/1/CPATU-DOC-30.pdf .

[8] Os estudos da EMBRAPA em 1984 descrevem avaliação dos produtores locais sobre os castanhais como uma atividade econômica que não era rentável o suficiente para manter a propriedade, relatando-se naquela época (que fique bem claro) que a pecuária geraria renda 10 vezes superior à atividade extrativa da castanha. A impressão destes produtores sobre a rentabilidade da pecuária bovina na Amazônia em relação à floresta hoje é considerada ultrapassada. Segundo João Meirelles Filho, “...é crime de lambança econômica ao ignorar o maravilhoso potencial econômico dos ambientes naturais e preferir, em seu lugar, produzir ridículos 85 kg de carne bovina/hectare/ano e alcançar a desprezível renda de R$ 300,00/ha/ano” – ver em http://www.somevesc.org.br/opiniao/2009/05/pecuaria-na-amazonia-por-joao-meirelles-filho/ .

[9] O pesquisador Carlos Peres estima que são necessárias de 50 mil a 100 mil sementes para ter uma árvore adulta (ver em https://www.ecodebate.com.br/2008/10/03/para-castanhais-sao-ameacados-pela-retirada-excessiva-de-sementes-pelo-corte-da-arvore-pelo-proprio-do-desmatamento/) . Além da coleta excessiva das sementes pelo ser humano, as plântulas podem ser comidas por predadores. É fundamental uma política de recuperação dos estoques de castanheiras em áreas intensamente utilizadas.

[10] Sei que arriscado apontar tais valores, mas vejo o caso de um castanheiro de Almeirim que mostrou seu levantamento de 1.500 latas de castanha (250 barricas vendidas a R$150.00 cada) em 2017 numa área de 70 hectares. No mínimo, precisamos incentivar pesquisas sobre o tema.

[11] Em 2010, o Professor Antônio Cordeiro, Marco Antônio dos Santos e Cyntia Meireles apontavam a atividade de pecuária geradora de valores menores que o manejo florestal madeireiro (ver em http://ideflorbio.pa.gov.br/wp-content/uploads/2015/08/Pre%C3%A7o-da-Madeira-estudo-de-2010-2011.pdf) . De acordo com os pesquisadores, a pecuária geraria o valor econômico em 2010 de R$180/hectare (correspondente ao valor nos dias de hoje de R$288,00 na Correção pelo Índice Geral de Preços do Mercado/ IGP-M da Fundação Getúlio Vargas) de contra R$651,00/hectares da atividade florestal madeireira. Estudos como esses são valiosos para o convencimento sobre o valor do manejo florestal.

[12] Ana Euler, Andréa Bernadelli, Walter Souza e Antônio Cláudio de Carvalho, pesquisadores da EMBRAPA analisaram a aplicabilidade no sul do Estado do Amapá da Política Geral de Preços Mínimos – PGPM. Concluíram os estudiosos que para acessarem o valor da subvenção sobre a castanha garantida pela PGPM, os produtores precisam apresentar nota de venda. Ocorre que a maioria dos produtores de castanha vende sua safra para atravessadores que não fornecem tal comprovação. Verificar esta análise em https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1035067/viabilidade-economica-da-producao-de-castanha-do-brasil-no-territorio-sul-do-amapa-brasil.


[13] Sugiro uma leitura maior sobre o Amor de Eros, Amor Philia e Amor Ágape. Contribui na reflexão postada em http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2017/05/agape-para-mae-terra.html .