Páginas

quinta-feira, 14 de março de 2019

Crônicas, Passageiro: Pneuma




Belém, 14 de março de 2019.



Pneuma é uma palavra utilizada pelos antigos pensadores gregos, principalmente os estóicos[1] para designar o espírito, o sopro vital, a força criadora, razão divina para dar vida.  Galeno, um dos pioneiros da Medicina na História, considerava necessário o equilíbrio de três espíritos (pneuma) ou forças-mães: animal, vital e natural (localizados, respectivamente no cérebro, no coração e no fígado)[2]. O Pneuma enquanto conceito do impulso à vida e explicação dos males do corpo arrastou-se até o descobrimento dos glóbulos vermelhos no século XVII por Jan Swammerdam (1637 —1680)[3], incentivada pelo desenvolvimento da microscopia.

E o que me faz escrever sobre o Pneuma? Sobre o sopro vital? Não é tão simples de me fazer entender. Penso no Pulmão, apesar de não ser uma das três partes citadas por Galeno. Reflito sobre o pulmão de meu pai, de meu tio e de alguns mestres que tive, que tenho e que ao decidirem pelo cigarro desde os anos 1980, chegaram nestes últimos anos tragados em seu Pneuma.

Que afetou coração ao parar de bater. Que afetou cérebro, viciado pelo Hollywood, Carlton, Minister e John Play Special. Que afetou fígado, guerreiro de recuperar-se dos remédios, sobretudo dos quimioterápicos.

Carteiras de cigarro que viraram dinheiro de mentira nas disputas de peteca entre os meninos como eu lá no Jari. Pessoas queridas foram petecas nas mãos dos acionistas de grandes companhias como a Philip Morris, agora atuantes na indústria de alimentos processados, sob outros nomes[4]. Tudo acobertado por uma mídia extremamente irresponsável até que campanhas governamentais discutidas pela sociedade foram pouco a pouco sufocando (trocadilho hein?) estas corporações. Como estão acima da linha da cobiça, estes ricaços financeiramente procuram outros meios de continuar inumanos e altamente cifrados.


Aos poucos ando relacionando o Pneuma (Sopro Vital) também a outros aspectos. Escutei a denúncia de Augusto Cury ao cada vez maior número de casos da Síndrome do Pensamento Acelerado[5], causado pelo excesso de informação jogado minuto a minuto em nossas mentes pela internet e suas redes sociais. Acordar cansado, ter hiperatividade, irritabilidade, sofrimento por antecipação, dores musculares, diminuição do sentimento de empatia, enfim, tudo sentido por uma ansiedade latente e perigosa em nossas cabeças. Ataques que nos retira o sentimento cordial (palavra que vem de coração), que nos imobiliza o pensamento crítico e acumula raiva no fígado. Augusto Cury recomenda que enfrentemos esta síndrome com a CONTEMPLAÇÃO DO BELO e com A FIDELIDADE ÀQUILO É ESSENCIAL...

Engraçado...

Há tempos que reparava naquela embaubeira em uma casa próxima à minha. Vejo sua copa de folhas palmadas. Árvores de embaúba nascem em capoeiras e eu como engenheiro florestal sempre tive uma certa discriminação em relação à esta espécie. São como pragas.

Não, “péra”.

Embaúbas são árvores que nascem primeiramente quando o sol toca a terra, numa velocidade de crescimento rápido para cumprir sua função na natureza: dar sombra, acumular água e disponibilizar matéria orgânica para as plantinhas que são sensíveis a tanto sol e que precisam de potássio. Após nosso devastar do verde, é a embaúba que nasce primeiro, a resistência! Alguns termos classificam esta espécie como oportunistas dentro do processo de sucessão florestal. Não pode ser. Não são oportunistas. Prefiro utilizar o termo Pioneiras, ou Resistência, ou Resiliência, ou filhas do Sol, Heliófilas.

Sim, aquelas que precisam do Sol para se desenvolver. Com a vida relativamente curta em comparação àquelas que continuarão a sucessão florestal, as embaúbas são parte da natureza, daquilo que é belo, do ciclo da vida.

Embaúba na frente de minha casa, na capital.

Sopro Vital.

Pneuma de outros que virão.

   




[1] A filosofia estoica tem como principais representantes os gregos Zenão de Cício (322 a.C. – 262 a.C.), Cleanto de Assos (312-232) e Crisipo (227-204 a.C.). É a primeira filosofia da humanidade a considerar-se “sistemática”. Para eles a sabedoria é um todo. Entendem que é preciso estar em consonância com a natureza para atingir a sabedoria. Assim, faz-se necessário entender que o único bem que existe é a retidão da vontade e o único mal, o vício. Ler mais em https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/os-estoicos.htm .
[5] Aqui compartilho um rápido vídeo de Augusto Cury sobre a Síndrome do Pensamento Acelerado: https://www.youtube.com/watch?v=Evrya314bWk




domingo, 10 de março de 2019

Lamberto, o Traumatizado: a prova de que se pode voltar no tempo


Belém, 10 de março de 2019.


Lamberto, o Traumatizado, estava na clínica, aguardando a recuperação de Maria Aneci, que estava acometida de vômito e diarreia. Lamberto passou a manhã ao lado da neta até sua filha Shana (outra traumatizada), chegar para substituí-lo.

"Como ela está?".

"Ela já foi medicada e vai ficar aqui tomando soro. Segundo o doutor, ela já vai melhorar".

"Graças aos céus. Pai, vá pra casa, almoce e depois te mando notícia quando a gente for sair daqui. Só vai lá na recepção pegar o cartão dela que eu acabei esquecendo. Traz pra mim? Ahh, aproveita, vai na cantina que fica no mesmo andar e traz uma coxinha e um suco de laranja pra mim".

"Tá bom. Já volto".

Após pegar o cartão, Lamberto se dirigiu à pequena cantina dentro daquela clínica. Pessoas sentadas, comendo salgados, bolos, doces e tudo o que fosse necessário para enganar a fome naquelas quase 12 horas. Lamberto pediu os salgados quando a televisão jogou sua chamada anunciando o que viria no Jornal Hoje sobre a crise humanitária na Venezuela, enquanto quatro pessoas conversavam alto para as outras ouvirem.

"Tá vendo? Tá vendo?? Tipos desse, aliado do PT, tomam o poder e dá nisso, fome, fome e mais fome! Tem que ir lá tirar ele na marra!".

A única mulher na mesa não concordou. "Ei cara, até parece que tu vive nos anos 1990! Tu não lembras da falsa história das armas de destruição em massa?? Tinha um cara escroto no poder sim lá no Iraque, mas no final das contas, era tudo pra ter o controle do petróleo dos caras. Tu não reparas a coincidência?".

"Tem é que tirar esses corruptos e botar o exército pra tomar conta. Aí sim, tu vai ver ordem em todos esses países daqui da América do Sul!".

A moça valente continuou:

"Tu não lembras dos anos 80? Quanta gente morreu na Nicarágua, Paraguai, Chile por causa desses falsos salvadores da pátria?? E nem te digo da corrupção desses doidos! Tu não ouviste falar das torturas??".

"Que tortura que nada, coisa inventada pela Grande Mídia!".

"E a perseguição nos anos 70?? Tu sabes disso? Tu falas da Grande Mídia contra, mas ela foi quem mais se deu bem com isso aqui no Brasil...".

Um outro da mesa se meteu na conversa já alterado:

"Acho que tu concorda com esse Maduro. Tu deves achar que o Lula não merece ser preso também, né?? Acho que tu é comunista!".

A moça ironizou:

"Pronto! Bateu os anos 60! Ahhhh, estamos cercados de comunistas no Brasil que irão comer as criancinhas, ahhhh a gente já vive num quase socialismo com bancos comendo  metade da nossa grana, ahhhh, meu Deus".

O último que faltava falar, exprimiu voz baixa mas ameaçadora:

"Cuidado ao mencionar Deus, tu pode ser castigada...".

Lamberto com a coxinha e o suco de laranja na mão raciocinou e antecipou a moça, balbuciou palavras ao passar pela mesa: "Inquisição? Século XV? Torquemada??"

Disse o que disse e seguiu adiante.

Antes da porta do elevador fechar, reparou naquelas palavras animalescas babadas e olhares coléricos por três das quatros pessoas daquela mesa em sua direção. Grunhiam como Australopithecus. A moça corajosa sorria e balançava a cabeça para Lamberto. Segundos de cumplicidade.

No crachá dela, de funcionária daquela clínica, estava escrito: Luzia

Aquela que tinha evoluído.




Sem traumas.