quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Sobre o primeiro CAR Coletivo no Pará



No dia 26 de outubro de 2020, o Governo do Estado do Pará anunciou em sua agência de notícias (Agência Pará): "Governo do Pará emite primeiro Cadastro Ambiental Rural coletivo para comunidade extrativista", em favor do Projeto de Assentamento Agroextrativista Alto Camarapi, em Portel-PA[1]". Sem dúvida é uma conquista daquelas famílias que ganham um documento essencial para garantir a regularidade ambiental e debater projetos socioeconômicos para esta região. Parabéns à associação que muito lutou por isso. Parabéns ao ITERPA. Parabéns à EMATER. Parabéns ao STTR de Portel.

Como tenho analisado a aplicação do Cadastro Ambiental Rural - CAR enquanto política pública desde 2011, acompanhando em campo as comunidades no debate deste instrumento, é necessário informar que os primeiros cadastros coletivos remontam de anos anteriores ao anunciado. Esta correção tem o intuito de não deixar invisível o trabalho do movimento social que tem muito se esforçado para assegurar o CAR como uma ferramenta de inclusão socioambiental. É uma resposta também à situação de deusdará em que há mais registros na Região Norte - 152,6 milhões de hectares - do que áreas cadastráveis - 93,7 milhões de hectares - segundo o próprio Serviço Florestal Brasileiro em seu boletim de novembro de 2019[2]. Quanto se cadastrou na intenção de grilar territórios dos povos da floresta?

Apresento alguns exemplos deste pioneirismo a partir da mobilização da sociedade do campo no Estado do Pará que exigiram das autoridades o cadastro coletivo em respeito à lei e aos direitos territoriais das comunidades agroextrativistas. A seguir informo que:

O Car Coletivo de Repartimento dos Pilões em Almeirim (Recibo PA-1500503-6C39FD907D1641B5ADF7EE1DA2C978CD), existe desde 4 de maio de 2016, onde a associação comunitária ASMIPPS não permitiu que o governo estadual e uma empresa terceirizada decidissem por eles a área do território[3];

- O CAR da Gleba Acuti-pereira em Portel (recibo PA-1505809-0A024A16CF9342F3B9E79983C353AA67) existe desde 5 de maio de 2016, no esforço da Associação dos Moradores da Gleba Acuti-pereira e Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais daquele município;

- O Car Deus É Fiel (recibo PA-1505809-8C12.F63A.2283.4E2A.8769.DD80.B4D0.73EA) existe desde 28 de abril de 2017, também na luta do STTR de Portel e Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Agroextrativistas do Alto Pacajá.

 

Além disso, quero ressaltar o louvável trabalho dos técnicos do INCRA que desde 2015 têm registrado o CAR Coletivo de Assentamentos Agroextrativistas Federais do Marajó, com a Relação de Beneficiários inserida no Sistema CAR do Pará.


Principalmente informo que o CAR Coletivo da Comunidade Jaranduba (recibo PA-1502509-768966B61A2644698CE920F874AB48EA) foi registrado em 28 de novembro de 2019, num esforço conjunto entre o STTR de Chaves, Fetagri e Semas para lançar o primeiro CAR Coletivo no módulo Povos e Comunidades Tradicionais (PCT)

 

A abertura de módulo PCT somente em 2019 - lembrando que o CAR é dispositivo do código florestal de 2012 e previa a adequação deste aos Povos da Floresta - foi resultado da pressão do Ministério Público Estadual e de organizações da sociedade civil como Malungu, Fetagri e sindicatos afiliados, Grupo Carta de Belém, ONG FASE, Universidade Federal do Pará, Comissão Pastoral da Terra e diversas outras instituições para que o CAR Coletivo fosse reconhecido como um direito.

 

Este resumo é para provocar estudos futuros sobre o tema. De minha parte, sigo na tarefa de estudar outros territórios que conseguiram registrar seu território no sistema CAR.

 

 

Soberania da Comunicação é não deixar que te façam invisível, sem voz e sem memória.

 

 



domingo, 25 de outubro de 2020

Amnésia da Paisagem



Belém, do meu escritório, 25 de outubro de 2020.


Tu sabes o que é Amnésia da Paisagem

Sabes aquele igarapé que foi aterrado pra virar estrada? Ou aquela sumaumeira que foi tombada para virar condomínio? Tu não lembras? Ahh, não é do vosso tempo jovem? Mas seu Leonam, vizinho meu aqui do bairro da Marambaia, antes de deixar este plano, contava que existiam vários igarapés, lagos e olhos d´água no bairro. Não acreditas? Pois eu acredito dada a existência da mata da Marinha com seu fragmento de biodiversidade no meio de Belém do Pará. Lá dentro, seguem os humildes córregos, refugiados agora.

Pois então. Imagina que o rio Xingu foi livre, leve e solto até a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Aquele que mora em Altamira mantém ainda na memória o rio vibrante para homens e mulheres viverem de pescado, milagres silenciosos e rotineiros. Uma cidade pacata ela fora sem os tumultos deste cotidiano trazidos pela indústria do cimento e do vergalhão e sem a violência trazida como colateral e previsível. Aquela quietude de outrora e todo ar bucólico a cada dia, a cada ano, se desfazem como uma peça de roupa abandonada ao relento. Você não percebe de cara, mas estão a se desfazer implacavelmente.  

Lembras de quando não comprava-se água? Eu recordo disso. E lembrar dessa gratuidade é sinal de resistência. Resistência aos donos da Coca-Cola que desejam transformar o pagamento da água em todo planeta uma ordem. O cúmulo e o acúmulo que marcam a face do capitalismo.

Ahhh, lá vem você falar de capitalismo!! Tão chato! 

Sim, é chato. Preciso ser. Para te fazer forçar a mente de exemplos como a da comunidade Cafezal assim denominada porque a agroecologia de décadas atrás fizera famosa esta localidade e que este proceder comunal perdeu-se com o tempo para se comprar o café industrializado. Que ironia. Já pensou? Estou tomando um tinto na comunidade Cafezal de um pacote comprado no supermercado da cidade... Ananindeua tem muita árvore de anani? De onde vem o nome Afuá? 

Minha infância rememora uma Portel em que o açaí se amassava na mão e era de todos. O açaí ainda é do povo? Ahh, desculpe se me enganei. Que bom que está ainda, né? 

Lembras do Igarapé das Almas? Não? O pessoal de Ponta de Pedras chegava nos seus barcos e aportava dentro de Belém. Eu não testemunhei isso. Seu Bruno, de oitenta anos, me disse. Imaginem a paisagem. Não imaginam? Não viste? Ahh, o cavalheiro era dessa época e nem desenhava mais essa visão na mente? Sabia que o livro Bagaceira de Dalcídio Jurandir foi escrito no município de Gurupá pra falar da vida e de paisagens como as do rio Baquiá? Quem é esse tal de Dalcídio?

Hummm, Amnésia da Paisagem...

E me deparo triste ao escrever essas linhas. Não irei mentir, cai uma lágrima. O sol que todo dia a partir das seis da manhã despontava no meu escritório a espreguiçar meus livros e que me banhava com seus raios de luz na parte esquerda do rosto quando aqui me sentava para aguardar o computador ligar não vem mais.  Hoje, demoliu-se minha troca de olhares com o alvorecer pelo soerguimento da casa do vizinho em dois andares que cobre deste momento em diante o raiar do dia no meu canto de trabalho. Não culpo o vizinho. Todos têm o direito de melhorar materialmente. A culpa é minha de ser tão abeliano.

Por tal, pintei essa crônica como autoajuda. Para auxiliar minha memória que a vida do mundo despontava luminosa bem próximo à oficina coberta em que talho as ideias. 

Resistir ao esquecimento é necessário ao espírito.

Vista sua Memória e lute.









quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Sapateado de catita

 

Belém, 22 de outubro de 2020.

 

Seu Carlos, eu não sou maior que o mundo

Nem igual

Nem menor.

 

Só sei que sou parte da Vida

Parte da Natureza

Nascido de uma sumaumeira

Lá das bandas de Portel

Atento quando Larissa fala.

Quando Ana fala.

Quando Fernanda questiona.

Quando Neri alerta.

 

De que preço fazem agora da mata?

Um tal crédito de carbono

Eu desacredito, pois, percebo a mão

A mão não mais invisível do mercado

Olha lá! Ispia! É ela que que carrega a foice da morte!

É, Delfim Netto, o banqueiro sempre volta ao local do crime.

 

Agora a mão se disfarça de proteção

Que bonitinha.. Toda protetora...

De um lado pressiona minha garganta

pelo produtivo que preda sem se arrepender da fumaça

Do outro deixa-me pobre pelo financeiro que especula

Quanto desinteresse... quão salvadores...

 

Repare os novos Pizarros

A ofertar e-espelhos para os nativos

Você não aprendeu ainda?

Você permanece ingênuo?

Tu vais ficar só em Home Office?

 

Não serei remotamente controlado

Não quero esse extrativismo 600 anos

Nem esse cinismo de lasCAR

Não desejo a tal Bioeconomia que não é social e sim S/A

Não quero esse drone a me ameaçar dentro do meu quintal

Dendê é palmada

Eucalipto me esteriliza

REDD me tira o sono da rede

- Você vai ouvir o conselho da liderança comunitária pedindo prudência?

Cuidado lá...

 

Escute a persistência

Escuta a paciência

Ouça a resistência

 

Tua simultaneidade

Velocidade

Globalidade

De nada servirá

Se te tirarem a natureza

O beija-flor

As folhas do chão

 

Lembre-se: o sequestro é do carbono

Não da Amazônia...