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domingo, 30 de maio de 2021

É possível desgostar de um time?

 


Em 1982, tornei-me vascaíno. Fiquei admirado daquele time vencer o mais forte da época, o Flamengo de Zico, e sagrar-se campeão carioca.  Gol de um atacante chamado Marquinhos, baixinho, cabeceando no meio dos altos zagueiros, na pequena área. Não assisti ao vivo, mas lembro do gol decisivo saindo nos "Gols da Rodada" às 19 hs, naquele domingo[1].

Em 1984 ganhei uma camisa do Vasco. Fiquei orgulhoso. Um ano muito bom para o time, com a estrela de Artuzinho, Geovani e Roberto Dinamite brilhando[2]. E mesmo perdendo o campeonato brasileiro para o Fluminense de Assis e Washington (chamado de “casal 20”)[3], andava de queixo empinado pelo Vasco. Infelizmente, ainda na semana desta perda de título, tive a camisa rasgada no campo de futebol pela molecada flamenguista. Maldade com o Carlinhos, que saiu choroso, enquanto um adulto, com seu vozeirão, encarnava mais ainda pelo desperdício de pranto por uma camisa de um time perdedor.

“Agora que eu sou vascaíno mesmo, vocês vão ver...”, trinquei os dentes enquanto passava o braço no olho cheio de lágrimas, num esforço de esconder o peito ofegante.

A grande maioria dos homens de minha família torcia pro Flamengo. Meu pai torcia pro Fluminense. Eu, o estranho, mantive a opinião de ser cruzmaltino. Em 1989, com gol do atacante Sorato, o Vasco foi campeão brasileiro[4]. É! O Vasco poderia ser e foi campeão brasileiro! Mais orgulho ainda. Que só cresceu quando aprendi que o Vasco foi o primeiro clube de futebol no país a aceitar jogadores negros, um marco histórico[5]!

Eu sempre torci pro Vasco. Tinha orgulho. Ganhando ou perdendo. Nas boas ou más fases. Olhei serenamente para o período farto de títulos, entre 1997 e 2000[6], bem como para as fases de segunda divisão[7].  Porém, como dizem, eu sabia que “o Vasco é o time da virada, o Vasco é o time do amor...”. Como esquecer o título contra o Palmeiras, na copa Mercosul[8]??

A última década foi bastante complicada. Sim, meu time favorito decaindo, decaindo. Houve um lampejo em 2011, com o vice-campeonato (ahhhh, ser vice!) a poucos pontos do Corinthians[9] e como campeão da Copa do Brasil[10]. Entretanto,  caminhamos ao longo dos anos 2010 com sofrimentos, ameaças de rebaixamento e rebaixamentos para a série B do Brasileiro.

Tá. Tudo bem, torcedor precisa se manter fiel.

Até que... Sim, hoje eu desgosto do Vasco e não sei se isso é recuperável. E sei que não farei diferença diante do contingente total de torcedores. E devo ser excomungado porque eu torci para o último rebaixamento do Vasco, em 2020. E não por meros motivos futebolísticos, porém, por questões humanitárias. Aceitar o patrocínio do “Véio da Havan” é ter dado as mãos para um profeta do genocídio. Falo de alguém que tem relações e responsabilização pela campanha pró-Covid que ceifou a vida de 459.045 pessoas (30/05/2021 segundo a OMS[11]). Já está escancarada a porta da verdade. Aceitar essa parceria é envergonhar aquela linda história de luta contra o racismo.

Quando vi a camisa do Vasco com aquele patrocínio, algo morreu em mim.

Percebo-me como se estivesse naquela relação amorosa que chegou ao seu final esmagada pela decepção. E ontem, na série B, quando o Vasco perdeu para o Operário, desejei a ida para a terceira divisão. Sabe para quê? Para punição. Para o fim. Para um recomeço.

Esta é a maior virada que o Vasco precisa fazer.


 







[1] Aqui você pode ver o gol - https://www.youtube.com/watch?v=q6n2BQDoz8A .

[2] Aqui o Vasco venceu o Grêmio na semi-final - https://www.youtube.com/watch?v=C1vyL1iWeUw .

[3] O Fluminense, que ganhara o primeiro jogo da final por 1x0, só precisava de um empate  - https://www.youtube.com/watch?v=7Lc_XTN-ECM .

[4] Aqui um resumo da final - https://www.youtube.com/watch?v=Bfyxn3w18gw .

[5] Veja aqui no Canal Peleja - https://www.youtube.com/watch?v=1xsVTPYNYp4 .

[6] Veja aqui os gols decisivos - https://www.youtube.com/watch?v=oCgx8DE_oVE .

[8] A virada histórica pode ser vista em https://www.youtube.com/watch?v=8mxPpx7Apwc .

[9] Veja o confronto direto em 2011 com o Corinthians - https://www.youtube.com/watch?v=QkAEZ125d58 .

[11] Acompanhe a página da Organização Mundial de Saúde - https://covid19.who.int/region/amro/country/br.


terça-feira, 4 de maio de 2021

Marx, 204 anos depois

Marx, 204 anos depois     

Manoel Tourinho, agrônomo, sociólogo, professor aposentado da UFRA e membro do Movimento 17 de Abril, Renasce UFRA.


A polêmica em torno de suas ideias continuam. Nasceu no dia 5 de maio, na Alemanha. Várias ocupações lhe são adscritas: jornalista, economista, filósofo, sociólogo. Na verdade, um grande pensador. Evolucionista, fazia “caminhos & pontes” entre a evolução biológica e a evolução da sociedade. Por isso sua concepção teórico-metodológica apresenta inúmeras dificuldades porque transam com a complexidade dos sistemas político, econômico, social e cultura. Os regimes de governos ditatoriais, conservadores e até mesmo liberais, fogem e condenam aqueles que usam os referencias marxistas para analisar o desenvolvimento econômico capitalista e mostrar as suas chagas.  Nos regimes esquerdistas – Rússia, China, Cuba, o medo é o mesmo porque ao usar os referenciais da produção coletiva, deformam os conceitos de socialismo quando lhes agrega o controle e a violência pela ação do Estado. É por isso que Frei Beto, nas didáticas páginas do seu livro “O Marxismo Ainda é Útil? (Cortez,2019), nos diz que “[...] o marxismo não se confunde com os marxistas que o utilizaram para disseminar o medo, o terror e sufocar a liberdade religiosa...”  O marxismo segundo o Frei é um método de análise da realidade. E, mais do que nunca, útil para se compreender a atual crise do capitalismo que entre tantas e tantas maldades nos trouxe a mais acentuada desigualdade social entre a população do mundo; dos 7 bilhões de pessoas que habitam o planeta, 4 bilhões vivem abaixo da linha de pobreza e 1,2 bilhão padecem de fome crônica... além da pandemia do COVID-19 cujas geratrizes passam sem dúvida por “pegadas ecológicas” além do manejável e tolerável, fruto do consumismo exagerado.


Lamberto, O Traumatizado: Poluição

A secretária de meio ambiente daquela cidade pequena recebeu Lamberto, o Traumatizado.

- Boa tarde senhor.

- Boa tarde senhora.

- Em que posso ajudar?

- Eu vim denunciar meu vizinho.

- Qual a denúncia?

- Todo dia ele coloca a caixa de som entre meio-dia e duas da tarde na frente da casa com microfone no máximo do volume, berrando, berrando, berrando. Não deixa ninguém almoçar quieto!

- Entendi, o senhor quer fazer uma reclamação sobre poluição sonora...

- Do Espírito, Poluição do Espírito.

- Hum?

- É sim, porque além da gritaria, ele fala mal de todo mundo pra Deus como se fosse um sujeito perfeito, fala que o coronavírus não existe, ataca a vacina que tá salvando vidas, receita Cloroquina, espalha mentira, grita para as mulheres só viverem para servir os homens, fala de tiro, de morte, da orientação sexual das pessoas, grita "PELA PÁTRIA! PELA PÁTRIA! DEUS ACIMA DE TODOS"...

A secretária fez expressões de solidariedade. Ouviu tudo atentamente e recomendou:

- Desculpe, senhor, Poluição do Espírito não é tratado por aqui.

- Tá bom. Poxa.

- Mais alguma coisa?

- Queria fazer uma queixa sobre poluição sonora...

- Opa! Pode deixar!

A secretária se aprumou com todos seus equipamentos e equipe.

- Já são meio-dia?? Vamos já advertir e quem sabe passar uma multa!




Sem traumas.