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sábado, 27 de agosto de 2011

Açaí lá em 2002

Por que manejar o açaí? Por Carlos Augusto Ramos

Data: 15/03/2002
Local: São Paulo - SP 
Fonte: Gazeta Mercantil 
Link: http://www.investnews.net/ 

15 de Março de 2002 - O açaí (Euterpe Oleraceae Mart.) é a palmeira de maior destaque em importância sócioeconômica nas várzeas que ocorrem ao longo do rio Amazonas e afluentes, sobretudo nas localizadas em áreas de influência flúvio-marinha (como as várzeas da costa amapaense e do estuário amazônico). Possivelmente, sua utilização pelos ribeirinhos remonta os tempos pré-colombianos. Os frutos do açaizeiro têm servido de base de alimentação para milhares de pessoas, in natura ou em forma de vinho, contribuindo para manter a população local longe do estado famélico que caracteriza as populações rurais de outras regiões do País, apesar da pobreza latente do interior amazônico.


Outro produto do açaizeiro bastante demandado é o palmito, cujo destino é abastecer os supermercados das grandes cidades. A crescente procura por marreteiros (comerciantes ambulantes que visitam as comunidades do interior da floresta periodicamente), que suprem as fábricas de beneficiamento, aliada à falta de informação dos ribeirinhos, tem diminuído os estoques de açaí a ponto de desencadear distúrbios no padrão de vida de algumas comunidades que exploram a palmeira.


Recordo-me de minha passagem pela vila do Lontra da Pedreira (AP), na segunda metade dos anos 90. Distante cerca de 70 km de Macapá, a localidade fora ´brindada´ com a instalação de uma ´palmiteira´ (pequena fábrica para beneficiamento de palmito), o que praticamente esgotou em menos de cinco anos o antigo e farto açaizal de uma área de aproximadamente 3 mil hectares, pertencente à comunidade. Os habitantes foram forçados a comprar frutos e vinho de açaí de outras localidades, uma vez que este é imprescindível à dieta local. Ou seja: acrescentaram um item ´importado´ a sua cesta básica pela exploração sem controle de uma de suas maiores fontes de alimentação. Atualmente, os comunitários do Lontra da Pedreira têm se esforçado para recuperar seus açaizais e reverter esse quadro, corroborado pela falência da fábrica de palmito. Casos como este, infelizmente, têm aumentado muito nos últimos tempos nas regiões estuarinas do rio Amazonas.


O histórico dos planos de manejo de açaizais nativos tem mostrado a predominância de planejamentos voltados quase que exclusivamente para o aproveitamento do palmito. Mesmo em regime comunitário, os planos de manejo de açaizais resumem-se em operações de plantio, condução da regeneração natural, corte das palmeiras selecionadas e transporte da matéria-prima até as fábricas. A extração dos frutos, por ser uma atividade bastante corriqueira e sem danos aparentes ao meio ambiente, não justificaria a apresentação de um plano ao Ibama, com todas as exigências burocráticas.


Essa postura de relativa indiferença dos órgãos ambientais quanto à inexistência de planos de manejo de açaizais preferenciais aos frutos é digna de preocupação. Se, por um lado, é fato que entidades como o Ibama dispõem de pouco contingente humano para avaliar e fiscalizar tantos projetos de manejo de frutos e palmitos que surgiriam, por outro, a existência de pequenos produtores florestais legalizados parece ser bem mais razoável do que a perspectiva de grandes grupos de supermercados empreendendo grandes projetos na Amazônia - um filme que a maioria de nós já assistiu e não gostou. Neste sentido, o desapego cada vez maior aos recursos naturais e o êxodo dos habitantes locais para as periferias das cidades próximas talvez sejam fortes argumentos a favor do manejo florestal comunitário dos açaizais, direcionado preferencialmente para frutos.


A utilização dos frutos é mais vantajosa para os ribeirinhos - tanto econômica quanto social e ecologicamente - do que o uso do palmito. Com o corte de 1.000 cabeças de palmito (as pontas dos estipes), a uma média de R$ 0,25 por cabeça, o caboclo pode obter R$ 250,00 - aproveitando o estipe uma só vez, ao contrário do que acontece na extração do fruto. Estudos têm apontado que o manejo florestal pode aumentar a produção de frutos em até 30%, gerando uma renda bruta média de R$ 470,00 mensais (estimativa oriunda de experiências realizadas em comunidades ribeirinhas do município de Gurupá). Nestes valores já está incluída a venda do palmito retirado daqueles estipes mais velhos e com a produtividade em declínio, que no manejo são abatidos para a maior entrada de luz na mata. Os custos são mínimos. Tal receita está acima da média de municípios como Gurupá, onde o sindicato dos trabalhadores rurais calcula uma renda média mensal familiar de dois salários mínimos.


Ecologicamente, o manejo florestal preferencial aos frutos de açaí é benéfico por manter uma quantidade bem maior de estipes na área, sem forçar a resiliência (capacidade de recuperação) da floresta, o que não ocorre em casos de manejo exclusivo para palmito. Garante também a alimentação de pássaros e mamíferos e evita maior incidência de plantas invasoras e espinhosas. Finalmente, nos aspectos sociais, o aumento da produção de frutos e de vinho é uma segurança para a subsistência da comunidade, afastando a possibilidade de que ocorra aquilo que se deu em Vila do Lontra da Pedreira.


Na ilha de Santa Bárbara, uma das muitas localidades gurupaenses, o manejo dos açaizais nativos está sendo direcionado prioritariamente para frutos. O PMFC foi aprovado em 30 de novembro de 2001, em nome da Associação dos Trabalhadores Rurais da Ilha de Santa Bárbara (ATRISB), que conta com cerca de 100 associados. Questionada pelo Ibama sobre a pequena área estabelecida para o manejo (em média 3 ha por posseiro) e o direcionamento dado mais aos frutos do que ao palmito, a comunidade esclareceu que seus objetivos vão muito além do que simplesmente ganhar um documento de comprovação do bom uso da mata: os ribeirinhos querem se tornar produtores florestais, organizando a produção e aplicando o que foi estabelecido no plano de uso dos recursos naturais locais (conjunto de regras gerado pelas comunidades para o uso racional dos recursos florestais, pesqueiros e agrícolas). Desejam também recuperar o estoque de açaizais, reduzido pela exploração desenfreada do palmito em tempos atrás.


O exemplo da ilha de Santa Bárbara demonstra que a organização voltada para o manejo de frutos de açaí pode ser uma oportunidade de inserir as comunidades tradicionais no âmbito das discussões sobre o futuro da Amazônia. A exploração sustentável deste e de outros produtos florestais, regida pelo zoneamento da floresta em áreas de manejo específico para cada recurso, assegura a otimização do uso da terra, valorizando-a e oferecendo ao ribeirinho motivos para não mais deixá-la - a não ser que seja para os filhos e netos.


Carlos Augusto Ramos
Engenheiro Florestal, MSc, pertencente ao quadro da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), atuando no Projeto Demonstrativo Gurupá, no desenvolvimento do manejo florestal comunitário, no município de Gurupá, Estado do Pará.


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