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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

NARRATIVAS E OLHARES DA MIGRAÇÃO PARA MELGAÇO

NARRATIVAS E OLHARES DA MIGRAÇÃO PARA MELGAÇO
Dailson Guatassara Santos
Glindes Ribeiro Wanzeler


O processo migratório faz parte da vida das populações humanas. Em diferentes tempos e lugares, homens e mulheres sempre procuraram viver da melhor maneira possível. Desde a gênese humana, o homem sempre foi um ser nômade, pois viveu e curtiu sua vida em processos de constantes movimentações. Na ilha e arquipélago dos Marajós, os primeiros habitantes deixaram, entre seus muitos saberes, a alternativa de estar sempre descobrindo outros lugares, rios e outras florestas, e desvendando os enigmas dessa cartografia física. Para isso ensinaram a seus filhos e às futuras gerações que a vida humana e as relações sociais nunca foram estáticas, e o isolamento nunca fez parte de suas identidades culturais.

O passar dos tempos e as transformações em diferentes campos do saber fez homens e mulheres enraizarem-se em comunidades e cidades, tornando-se, em dado momento, sedentários. Tal mudança, por seu turno, construiu duas facetas para o mesmo processo. Se muitas famílias habitando em cidades, vilas e povoados podem ficar mais tempo ali residindo, outras, em função de diferentes razões, estão sempre a caminhar em busca de melhores condições de vida e paz de espírito.

Em nossa região, percebemos que entre as razões que produzem deslocamentos humanos e culturais da floresta para a cidade, destacam-se: a busca por um emprego no setor público, melhores condições de infraestrutura no espaço de habitação, acesso à saúde, à educação, à moradia, maior aproximação com o poder legislativo e executivo e relações familiares, envolvendo afetividades, como saudades e laços humanos.
As movimentações de ribeirinhos da floresta para a cidade não são sempre lineares.

Isso pode ser facilmente visto quando algumas famílias se desencantam pela vida na cidade e retornam para suas antigas habitações e propriedades no espaço rural. Tais famílias percebem que a propaganda de obter uma vida melhor nem sempre se materializa. As linguagens urbanas desestruturam, muitas vezes, códigos e comportamentos oriundos do espaço ribeirinho/rural. Os migrantes, em sua maioria, são trabalhadores do campo ou de cidades de outras regiões que saem de sua terra natal para melhorar de vida com as novas oportunidades oferecidas pelo novo município. Para demonstrar tal argumento, usaremos depoimentos de alguns migrantes, sendo um deles Dona Ilda, oriunda do estado do Maranhão para Melgaço, no Marajó das Florestas.


“Pensei que Melgaço fosse um lugar igual ao Maranhão, com uma enor-
me falta de água, sem condições de fazer plantações, cultivos e criação
de gado, que são coisas da qual sempre gostamos de fazer. Porém, lá, a
tremenda falta de água não permitia que fizéssemos, mesmo assim viemos e
quando aqui chegamos, me deparei com outra qualidade de vida”.


Percebemos que da mesma forma que nordestinos migraram no período da borracha para os seringais de Melgaço, como Raimundo Anacleto, Benevenuto nogueira, Germano Andrade e os primeiros Mamedes, ainda hoje muitas pessoas migram em buscas de melhores oportunidades, porém, esse processo migratório não se dá em função somente da busca pelo trabalho, há outros motivos que precisamos levar em consideração para não restringirmos a complexidade do processo social. Perseguições políticas, melhor acesso à educação, à saúde e à moradia se mesclam com outros fatores apontados pelos entrevistados. Entre estes depoimentos, o de Dona Miraci, que veio de Benevides, para Melgaço, torna-se revelador:


“Sou de Benevides, conheci meu marido lá. A família dele morava aqui em
Melgaço e depois que seus pais se separaram e eles foram morar em Benevides,
lá eu conheci ele, namoramos e casamos. Como lá era difícil o emprego,
resolvemos voltar para a cidade dele e começar uma nova vida”.



Como já citamos anteriormente, a educação também tem um papel fundamental no processo de migração e formação da população, habitante do núcleo urbano melgacense. Com a construção da primeira escola estadual na sede do município, na década de 60, e o processo de emancipação política que levou à “libertação” de Melgaço da custódia de Portel, a cidade passou a ser vista com outros olhos pelos moradores rurais. Um relato que esclarece tal argumento é o testemunho de Lia Souza, coordenadora da E.M.E.F. Getúlio Vargas, em Melgaço, vinda de São Sebastião da Boa Vista, a qual falou de suas expectativas e conquistas, ao chegar ao município:

“Eu realmente não tinha boas expectativas em relação a esse município,
pois o achava muito pobre, os governantes não mostravam compro-
misso com o desenvolvimento. hoje eu vejo outra realidade. Estudei,
me formei e trabalho na educação há sete anos, ganho razoavelmente bem.
O padrão de vida dos moradores está melhor, a educação caminha a passos
largos e isso é muito importante para o desenvolvimento do município.”


A mudança de olhar da coordenadora pedagógica Lia Souza sobre a cidade de Melgaço deve-se muito pela maneira como estabeleceu laços de pertencimento com a cidade e as oportunidades conquistadas. Nesse caso, o ato de migrar lhe trouxe melhoria de vida, ascensão social pela formação de nível superior conquistada, e oportunidade de fazer o concurso público e ser aprovada. Se para Lia a migração para Melgaço não apresentava, inicialmente, grandes expectativas, depois superadas, para outros entrevistados a opção por Melgaço vem de conceitos pré-definidos como o de ser uma cidade extremamente familiar e acolhedora.
nas palavras de Dona Ilda, que já havia residido em Melgaço, mas estava habitando outro lugar, ao declarar sobre a questão de voltar a sua terra natal, comentou:

“Me sinto feliz aqui, me dou com as pessoas da-
qui, demorei muito tempo a me acostumar e agora
não penso em sair daqui.”


O sentido do pertencimento ao lugar pesa muito nas avaliações feitas pelas pessoas que pensam em deixar um lugar em troca de outro. relações familiares, amizades, negócios em parceria, contam muito nesse processo de decisão. Por isso, alguns, ao saírem e terem a oportunidade de voltar, optam, quase sempre, pelo retorno. O relato de Lia Souza, ainda que esteja inserido nesse universo, amplia a questão e faz entendermos que diferentes são os motivos da migração e complexas são as relações constituídas pelas pessoas, tanto com o lugar deixado, quanto com o novo espaço de moradia. Lia questionada sobre a ideia de voltar para São Sebastião da Boa Vista, entre indecisões, traço próprio do ser humano, narrou:


“Às vezes eu tenho vontade de voltar sim, às vezes não. Quando
penso em voltar para minha cidade de origem, é por causa de
meus pais, mas aí eu os visito e logo quero voltar para Melgaço.”


Envolvendo diferentes culturas, relações, os deslocamentos ocorridos de outros lugares para Melgaço demonstram, a partir de alguns poucos depoimentos por nós coletados, a construção de uma complexa teia de relações, sendo impossível classificá-los em uma única razão, como comumente se pensou. As condições econômicas ainda que sejam importantes na redefinição da vida de um sujeito social, não dão conta de explicar todo o emaranhado de sentidos, significados, avaliações, indecisões e traumas que o ato de estar como corpos de passagem podem provocar. Enfim, ouvir outras vozes, dialogar com outras evidências, podem ampliar esse leque de reflexões e conhecimentos que a pesquisa com a temática da migração suscitou em nós.



Texto retirado do Livro REMANDO POR CAMPOS E FLORESTAS: MEMÓRIAS E PAISAGENS DO MARAJÓ, de Denise Schaan, Agenor Pacheco e Jane Beltrão.

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