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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Nota Pública sobre o assassinato de Raimundo José dos Santos - A morte da floresta, a morte de todos nós



Raimundo Santos Rodrigues, conhecido como José dos Santos, é mais uma vítima da ganância dos saqueadores, da violência impune do interior do Maranhão e da ausência do Estado.

José dos Santos era Conselheiro do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) na Reserva Biológica do Gurupi, último fragmento da floresta amazônica em terras maranhenses, a área mais degradada da Amazônia Brasileira. A Rebio Gurupi é circundada por 3 áreas indígenas: Alto Turiaçú, Awá e Caru, que, como a floresta, sofrem os ataques dos madeireiros.
O Conselheiro, atuante junto ao ICMBio desde 2012, foi assassinado no 25 de agosto na cidade de Bom Jardim (MA), a 275 Km de São Luís. José dos Santos estava acompanhado por sua esposa, que foi atingida por tiros e ainda se encontra no hospital.

Ao longo de todos esses anos, José tem denunciado os madeireiros e defendido sua comunidade, também em qualidade de membro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STTR) de Bom Jardim.
O corpo do conselheiro está em Buriticupu, a 200 km de Bom Jardim, cidade onde outro membro do STTR, Raimundo Borges “Cabeça”, tem sido assassinado três anos atrás.

José dos Santos deixa a esposa ferida e seis filhos. Em nota pública, o presidente do ICMBio, Claudio Maretti, definiu o acontecido como “um ataque covarde”. Outros conselheiros do ICMBio daquela região, em especial Maria da Luz, Maria do Socorro e Alaíde Abreu da Silva, temem por sua própria segurança.

As comarcas de Buriticupu e de Bom Jardim frequentemente são consideradas pela população como “Terras sem lei”, onde o Estado está particularmente ausente, as instituições de defesa dos direitos coletivos são extremamente fragilizadas e a violência dita a lei do mais forte.

Nós, entidades de defesa dos direitos humanos, movimentos populares, organizações religiosas, instituições eclesiais, sindicatos, jornalistas, membros de redes e organizações atuantes em nível local, nacional e internacional, expressamos nossa solidariedade para com a família de José dos Santos, indignação pela violência sem fim que está destruindo pessoas e territórios nessa região do Maranhão e imediatas reivindicações nos seguintes sentidos:

- que a morte de José dos Santos, de Raimundo Borges e de vários outras vítimas nos municípios de Bom Jardim e Buriticupu (MA) não passem impunes; que haja investigações acuradas, identificação e punição dos assassinos e seus mandantes;

- que o Estado garanta proteção permanente às comunidades e aos defensores de direitos humanos nessa região;

- que as operações em defesa da Rebio e das terras indígenas dessa região erradiquem eficaz e definitivamente o saque de madeira e punam os empresários e políticos que se enriquecem ilegalmente através disso;

- que o Estado Brasileiro e o Governo do Maranhão reforcem as forças de segurança e as instituições de acesso à justiça nos municípios de Bom Jardim e de Buriticupu;

- que o Estado Brasileiro e o Governo do Maranhão invistam, a partir do discernimento com a população local e de mecanismos de gestão participativa, para a promoção de atividades de geração de renda alternativas ao saque e comércio de madeira.


A morte de um companheiro que lutou por justiça e a morte da floresta são a morte de todas e todos nós! Queremos viver, queremos justiça e dignidade!


28 de agosto de 2015

Assinam:

Rede Justiça nos Trilhos
Missionários Combonianos do Brasil
Fórum de Políticas Públicas de Buriticupu

(podemos coletar assinaturas de entidades através de diversas redes no Brasil e afora)


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Carta sobre a Economia & Autonomia

          

Rio Ubussutuba, Chaves, Marajó, 18 de agosto de 2015.

Caros Teofro e Miguel,
Caríssimas Wanderléa, Loyanne e Marília,

Economia e Autonomia, será que alcançaremos pleno voo de brigadeiro?


Em 2015, tenho cada vez mais certeza que sim. De uma oração subordinada subjulgada até o fim do século XX, evoluiu meu surreal português para uma oração coordenada imperativa de mudanças na esquecida agenda 21. Das tentativas iniciais das comunidades Santo Ezequiel Moreno (Rio Acuti-pereira, Portel) e Boa Esperança (Rio Canaticu, Curralinho), hoje em franco amadurecimento, percebo o espalhar da ideia, o descobrimento da América no semblante de lideranças de Chaves. Uma simples palestra-testemunho do que vocês fazem e pronto: mais exemplos de fundos florestais comunitários a partir do açaí.


Marajatuba e Ubussutuba, em Chaves, possuem suas respectivas comunidades: Bom Jesus e Nossa Senhora de Nazaré nos primeiros resultados de Fundo Açaí. Impressionante o tempo de resposta em apenas 3 meses. De uma informal conversa de grupo. Destacável como interligaram organização, economia e autonomia de projetos.


Hoje entendo o valor das enciclopédias que passaram por mim. Cai a ficha cotidianamente sobre o que aprendi com os personagens da história, um inventor, um libertador, um filósofo. Em comum, a sede pelo resultado de sua ciência. Por conseguinte o altruísmo. Caso contrário, não é humanista. Caso contrário, não é cientista. Centenas de milhares são pesquisadores, poucos humanistas e cientistas de fato.


E digo homens de ciência Teofro Lacerda e Miguel Baratinha pelo Fundo Florestal Comunitário, o bom cheiro dos verdadeiros Pagamentos por Serviços Ambientais. Achei que fosse uma lenda.
E felicito Loyanne, Wanderléa e Marília por consolidarem em mim o termo de defesa do manejo florestal comunitário: Economia com Autonomia.


Sim, porque grandes economias globais não necessariamente fortalecem as capacidades individuais e coletivas quanto à sua soberania. Se eu sempre dependo, sempre alguém quer se aproveitar de mim. Não é a anarquia geral apregoada que se pode desconfiar, só o respeito mútuo de que cada um pode ganhar de maneira justa com o outro.


Quando me falaram que não houve só um inventor da televisão e sim um processo, não entendia. Contudo, com todo este movimento de poupança coletiva, de economia solidária mesmo que não apelidada pelos locais com esta denominação, é visível a reação, o posicionamento e a produção, o tranquilo aproveitar do fundiário conquistado, a hora e a vez do caboclo marajoara!


Oxalá! Em-Nome-do-Pai-do-Filho-e-do-Espírito-Santo-Amém...


Nada científico este final, mas é bom ter fé.


Aos mestres, escrevi.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/5354508

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

CRÔNICAS DO CORTE - Otaviano

(Imagem: Record)


Belém, 13 de agosto de 2015.


Às cinco horas da manhã estávamos em Ulianópolis, num frio de madrugada e secura da poeira. Nossa equipe chegava do Centro de Treinamento em Manejo Florestal do Instituto Floresta Tropical e de lá seguiria para Belém. Num susto do repente da conversa, um cidadão que não conheço chega perto de nosso veículo afirmando que Davi Resende "era tão rico e morreu como qualquer um morria". Eu respondi "Bom dia". Ali estava um homem de 39 anos (depois ele me diria a idade), sem o braço direito e tendo apenas um dedo na mão esquerda.

No seu puxar de conversa, disse que não adiantava ser tão rico e morrer um dia como qualquer um, dirigiu-se novamente ao mais homem abastado então daquela cidade, já conhecido por mim pelas notícias de grilagem de terras em todo o Pará vinculadas ao nome Davi Resende. Mas não foi o grileiro que chamou minha atenção. Foi a história de Otaviano, registrado no crachá que lhe dava permissão de circular nos ônibus estaduais e interestaduais por sua situação especial. Antes de subir no veículo, comprou uma água mineral, pediu à vendedora que lhe abrisse a garrafa. Esta perguntou como se virava, se sempre pedia auxílio. "Quase nunca", disse Otaviano. "E por que me pediu?", retrucou a senhora. "De vez em quando é bom pedir". Sentenciou.

Aquele cidadão sobrevivia da venda de canetas, chaveiros e fones de ouvido. Ia para Imperatriz. Viajava para Belém. Voltava para Gurupi. "Para Gurupi, lá na divisa com o Maranhão??", perguntei. "Não, aqui, aqui se chamava antes de Gurupi. Eu só chamo assim". Não sabia deste nome para Ulianópolis. "Vou lá pra Belém e consigo tirar meu salário das canetas e volto pra cá. Moro sozinho... Nunca precisei roubar, só trabalhar".  Quando dirigi a conversa para o tempo de trabalho dele, cortou com a seguinte frase: "desde pequeno, desde a serraria, mesmo com meu acidente...".

Otaviano sofrera sua tragédia aos 11 anos de idade. Uma criança. Um sofrimento imensurável não só físico, mas da alma de uma criança, de adolescente e de adulto em uma só pessoa todos estes anos. Olhei para aquele homem franzino a fazer mil contas de cabeça a medir a viabilidade econômica de viver da caneta, do chaveiro, na habilidade de ajeitar seus molambos nos poucos suportes do corpo. Não sabe ler, nem escrever. "Nossa diferença, já que temos 39 anos, é a oportunidade que cada um teve ou não teve!", concluí.

E pensei na exploração do trabalho infantil naqueles anos 1980. E pensei no Estatuto da Criança e do Adolescente graças a Deus hoje presente. E pensei naqueles que se fizeram milionários às custas de muitos sem informação nestes municípios afora. Madeira em troca de vidas. E divaguei nas reclamações de jovens atualmente para coisas efêmeras, bobas, irrelevantes.

Presenciei o senhor Otaviano falar para uma moça a pedir uns trocados para os viajantes que por ali passavam. "Ei moça, por que tu não vende canetas? Não vende chaveiros? Num dia eu faço setenta reais mesmo assim do jeito que tô".

Na despedida nossa, recomendei que estudasse; que aprendesse a ler e escrever, pois era bom de cachola. 

"Mas é muito difícil".

"Mais difícil você já fez. Esta aí você tira de letra...".

Ele sorriu. Fez sinal de quem escrevia o compromisso.

Naquela pouca mão.

Naquele muito espírito.

sábado, 1 de agosto de 2015

Lua de Julho




Rio Pará, 31 de julho de 2015.

Lua de julho
Lua luar
Iluminou 
Meu retornar 
Finca a estrada
Neste Rio - Mar


Lua de julho 
Lua luar
Espelha o Sol 
Neste rumar 
Volta pra casa
O meu olhar


Lua de julho 
Lua luar 
A borda mata
Lhe decorar
A vida segue
Num serenar


Lua de julho
Vai acabar 
Sinto a saudade 
Me variar 
Deixa o caminho 
Pra tu marcar
A Lua espelho
Deste amar...