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terça-feira, 22 de setembro de 2015

CRÔNICAS DO CORTE - Matemática Ribeira/ Parte Final

Belém, 15 de setembro de 2015.


No terceiro caso da discussão de Matemática Ribeira, voltado agora para o açaí e sua real, aplicável e implacável condição, seu João de Gurupá teimou comigo quando mostrei a média de preços no rio Uruaí naquele ano de 2003. Deu R$7,00 a média anual por lata. “Rá-Rá-Rá, se fosse essa a média, eu tava rico!!”, zombou seu João. “Mas como seu João??”. “Mas quando seu Carlos...”.


Nesta reunião eu percebi o quanto nada sei, o quanto é preciso aperfeiçoar-se, o quanto a mente deve estar aberta. Humilhado o técnico estava naquela ironia daquele agroextrativista, como não achava a resposta? “Mas eu somei os preços e dividi por 12 meses!! Égua”. Estava ali remoído pensando. Afastei-me do quadro, fui quase à porta do barracão e assim de lá visualizei. Para confirmar, indaguei a seu João: “qual a média pro senhor?”. “Acho que é R$2,00 por lata seu Carlos”. Claro, óbvio, R$2,00 era o número que mais se repetia naquele ano, assim, assim. Não era Média, era Moda! O Comportamento, a Moda, aquilo que mais se repete no momento, a roupa da hora, a novela da hora, o preço da hora. O que mais se faz presente no dia a dia do Ribeiro. Não tem como bolar estratégias de capacitação sem levar em conta o comportamental, a dita Moda e aos poucos com todos na mesma sintonia, analisar projetos com um tempo maior, que levem em conta a média, passo a passo do pensar da Moda, do imediato para metas de longo prazo. É a construção que tem a educação básica como melhor esteio.


O melhor esteio. A educação é o melhor esteio. Mas que seja sincera. Que seja real. Que traga a matemática, a filosofia, a geografia, a história, a cidadania que beba a realidade dos Ribeiros. Não pode ser somente o passar de ano. Não basta ler e escrever. Tem que saber o cálculo certo, da tora, da madeira serrada, da lata, do quilo, do hectolitro. Da conta correta. Da boa administração. Tem que interpretar, há de aperfeiçoar, há de matutar sobre problemas cotidianos, ficar de butuca, cujas soluções podem ser mais baratas sem depender de grandes aparatos criados por tecnocratas. Há de se exigir uma reformulação no modo como pensamos a educação e construímos pessoas. Um papo velho que alerta pra dívida existente em nossa consciência e em nosso país.


Tudo isto para chegar mais próximo da verdade para os Ribeiros. 


CRÔNICAS DO CORTE - Matemática Ribeira/ Parte 2

Belém, 15 de setembro de 2015.

No segundo caso da linha de raciocínio que comecei apresentando a história da compra de ucuúba em Gurupá, reporto a experiência minha e de um senhor aqui chamado de Ardósio, que em uma oficina sobre manejo florestal desafiou-me a calcular o volume de uma peça de madeira que ali estava no barracão da comunidade e quantas da mesma peça seria preciso para ter 1 metro cúbico. Era uma brincadeira que assim topei.


“Seu Carlos, é preciso 30 peças destas para dar 1 metro cúbico. Faz aí se tu acerta”. Calculei então. “Seu Ardósio, acho que errei, pois achei 20 peças dessa bitola aí pra dar 1 metro cúbico, como o senhor fez a conta?”. “Fiz assim, seu Carlos, eu peguei pé, multipliquei por polegada, multipliquei por pé de novo...”.


Com jeito, disse àquele senhor: “Seu Ardósio, eu não sei se é certo multiplicar pé por polegada, sei lá, parece que tô multiplicando uma cebolinha por um tomate, um caderno por uma canoa, não sei se deve misturar essas coisas...”. “E como o senhor faz?”, indagou Ardósio. “Eu coloco tudo numa só língua, metro, metro, metro, por isso transformo centímetro pra metro cada medida da peça na sua espessura, largura e comprimento. Mudo tudo pra metro pra cumprir aquele desenho do metro cúbico, a letra m com um 3 em cima dele, metro, metro, metro (m3)”.


“Fiuuuuuuu”. Os presentes da oficina assobiaram. 


“Seu Ardósio, quem te ensinou a calcular dessa forma?”.


“O homem que compra a madeira de mim”.


“Pois seu Ardósio, para cada metro cúbico, você dá de graça 10 peças para ele...”.


“Fiuuuuuuu”.


Ah este ensino que não educa a realidade do Ribeiro.


Até tentamos ajudar no esclarecimento, nesta tabela que fizemos Raoni Nascimento, Nilza Miranda e eu.



Tudo isto para chegar mais próximo da verdade para os Ribeiros.


(Continua...).

CRÔNICAS DO CORTE - Matemática Ribeira/ Parte 1

Belém, 15 de setembro de 2015.


Em agosto fui ao município de Chaves, no Marajó, por conta de trabalhos relacionados à elaboração de planos de uso dos recursos naturais para comunidades locais. Um instrumento de bom uso da mata, dos rios e de convivência entre vizinhos, que ensina muito àqueles que assessoram as famílias neste debate. Afinal, não se pode opinar tecnicamente sem vivenciar o dia a dia do agroextrativista. No caso de meu aprendizado, tive que admitir que nossa  educação é excludente, errada em sua estratégia em consolidar a figura de cidadãos de fato, de Ribeiros, não mais ribeirinhos, pois diminutivos não somos, nem nunca fomos, só nos apelidam na grande maioria das vezes os de fora. Sei que não é nada de novo, mas incomodou-me o estático da ciência. Deparei-me com o não conhecimento de um trabalhador rural de Chaves em como calcular madeira em metragem cúbica ali de sua serraria, tal qual verificava em Gurupá, no início dos anos 2000. Como deveria saber este senhor sobre a forma de comercialização de madeira processada mundo afora! Como fica este à margem em relação aos que muito ganham!  Na soma de argumentos sobre tal estado, resolvi lançar três historietas matemáticas para avaliar nossa formação escolar, no afunilamento de questões florestais madeireiras como estudo de caso.


O primeiro caso que aqui exponho foi a compra durante muitos anos de madeira da espécie ucuúba (ou virola) por uma empresa japonesa em região gurupaense. Um dia me foi perguntado por uma liderança, seu Codó: “Carlos, o que é o volume Francão??”. “Volume Francon”. “É, este mesmo.”. “porque a firma que compra madeira da gente só paga desse jeito, no Francão”. Na tentativa besta de ser o mais didático que pudesse ser, expliquei que: “imagine uma tora de madeira, roliça. Quando medido seu volume, digo que é volume real de uma tora, considerando o que de fato ela é”.


Volume Real


Codó concordou com a lógica e assim continuei: “imagine agora que esta tora de madeira, roliça, seja cortada onde se aproveitasse a grande parte quadrada (na intenção minha de fazer-me entender), retirando as costaneiras, assim ó...”:


Volume Francon


“Este é o Volume Francon”. Codó passou a mão na barba branca e pediu que eu repetisse tal explicação após o culto de domingo. Apresentei o raciocínio à comunidade, e na expressão de seus olhares, captei o incômodo geral. “Vocês vendem virola pra quem?”. “Para a firma japonesa que vem lá de Breves”, responderam. “Pra quê ela precisa de virola??”. “Pra fazer compensado, né?!!”. “Como a máquina que faz compensado trabalha??”. “Laminando!”. “A Máquina corta??”. “Não, a máquina desfia!”. Foi assim que definiram a laminação de madeira para compensado.

“Fiuuuuuu”.

O assobio solitário de um dos presentes ressoando no salão foi o sinal de mentes trabalhando. Desenhei com o dedo no ar para bater de carrão de sena. “Como a firma compra de vocês?”. Fiz a misura:


  


  
“Como a máquina desfia?”. Continuei na misura:


  
“Como a firma paga vocês??”. Uma das lideranças desenhou no ar:







   
“Égua! Tão roubando a gente faz tempo!!!!”.


A partir de então exigiram que o japonês que visitava a vila pagasse o volume real e não mais o tal volume “Francão”, pra surpresa do comprador após tantos anos. Mas o que a educação básica tem a ver com isso? Simples. Geometria. Básica geometria que poderia ser bem ensinada na escola. Ah, ia esquecendo, Codó e sua comunidade passaram a calcular volume de toras assim:

VOLUME REAL DA TORA = CIRCUNFERÊNCIA (metros) X CIRCUNFERÊNCIA (metros) X COMPRIMENTO (metros) ÷ 12,56.

Tudo isto para chegar mais próximo da verdade para os Ribeiros...



(Continua...).



sábado, 12 de setembro de 2015

Cachimbo da Floresta: alternativa aos tubetes industriais para o reflorestamento

Foto: Kagroti Kayapó

Kagroti Kayapó
Indígena Kayapó da Aldeia Baú/ Kagroti Kayapó/ Liderança Indígena e Técnico Florestal


Milhares de brasileiros estão em busca de desenvolver atividades sustentáveis, iniciativas responsáveis que melhorem a qualidade de vida social ao mesmo tempo garantam sustentabilidade ambiental. 

Entre as diversas formas, é recomendado o uso de algumas matérias orgânicas da própria natureza como adubo para melhorar os cultivos sem poluir o meio ambiente. Em nossa experiência, destacamos o uso da fruta de Tauarir como Tubetes Ecológicos, conhecidos também pelos índios Kayapó como “Cachimbo da Floresta”, essenciais para germinação de sementes e produção de mudas. 

Foto: Kagroti Kayapó



O “Cachimbo da Floresta” é um produto originário da espécie de árvores Tauarir, extremamente rico em matéria orgânica, normalmente encontrada na região Amazônica. O Tauarir é uma espécie de arvore nativo, de porte alto, em bioma Amazônico, que produz frutos uma vez ao ano. O "Cachimbo da Floresta" é utilizado no lugar de saquinhos plásticos e tubetes sintéticos para germinação e produção de mudas de qualquer espécies de plantas, no incentivo ao desenvolvimento de atividades sem agrotóxico. 

O produto apresenta grande sustentabilidade ecológica, tendo em vista que uma vez utilizado, fertiliza o solo e facilita à mão de obra do empreendimento por sua constituição orgânica que se decompõe facilmente ao solo. 

Para saber mais, entre em contato com Kagroti Kayapó;  Tec.Florestal;   Cel:(93)984153532.




terça-feira, 8 de setembro de 2015

Dúvidas das comunidades de Caxiuanã sobre a Concessão Florestal

Caríssimos,

Nos últimos tempos tenho recebido informações referentes ao processo de concessão florestal na Floresta Nacional de Caxiuanã, cujo edital está disponível no site do Serviço Florestal Brasileiro  (http://www.florestal.gov.br/concessoes-florestais/proximas-concessoes/edital-de-licitacao-para-concessao-florestal-na-flona-de-caxiuana) . Particularmente não tenho colaborado nesta discussão, uma vez que prefiro o debate do ordenamento territorial, fase inicial decisiva para que todos tenham paz para trabalhar, concessionários e sobretudo comunidades tradicionais da região de influência da concessão. Com o Plano de Manejo da Flona finalizado, não vi como ajudar naquele instante do pré-edital.

Ainda assim, pensando nos processos de formalização, percebi uma grande lacuna nestes trabalhos pelo não cumprimento na íntegra do artigo 6º da Lei 11.284 de Gestão de Florestas Públicas, “...Antes da realização das concessões florestais, as florestas públicas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais serão identificadas para a destinação, pelos órgãos competentes, por meio de:
I - criação de reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, observados os requisitos previstos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000; II - concessão de uso, por meio de projetos de assentamento florestal, de desenvolvimento sustentável, agroextrativistas ou outros similares, nos termos do art. 189 da Constituição Federal e das diretrizes do Programa Nacional de Reforma Agrária; III - outras formas previstas em lei...”. Neste último quesito, interpreto (e gostaria de ser corrigido se estiver enganado) que as comunidades locais deveriam ter Contratos de Concessão de Direito Real de Uso, o que me leva a indagar: é justo que empresas que chegarão em poucos meses assinem contratos de concessão que assim permitirão suas atividades, quando famílias que estão ali a mais de 3 gerações (a Flona foi criada nos anos 1960) até hoje não possuem reconhecimento documental de sua vida agroextrativista?

Hoje chegou em minhas mãos um documento das comunidades de Caxiuanã referente às dúvidas das famílias em relação à Concessão Florestal da Flona Caxiuanã (ver anexo). Recebi a carta como coordenador dos trabalhos de campo da Tramitty Serviços, empresa contratada pelo Serviço Florestal Brasileiro para capacitação em comercialização de produtos florestais e julgo ser uma questão de cidadania esclarecer àquelas pessoas dos processos em curso, suas vantagens, suas desvantagens, o que Portel e Melgaço (municípios que abrigam a Flona) podem ganhar em termos de arrecadação, o que é de direito.

Diante da singela mensagem vinda de Caxiuanã, é dever do Estado Brasileiro atender o pedido das comunidades para um encontro sobre o tema. Acho que deve inclusive ganhar ares de um grande seminário, de 2 dias pelo menos, explicando-se o antes, durante e depois de implantada a concessão florestal na região. Pelo que vi, as audiências públicas sobre o edital não foram (e nem seriam) suficientes. E obviamente, é fundamental informar como pode-se implantar de maneira eficiente e protagonizada verdadeiramente pelas comunidades locais o manejo florestal comunitário.

Afinal, a Política Florestal deve ser para todos: do navio de exportação à canoa  (ou rabeta) do ribeirinho...


Um forte abraço




Abaixo, a carta das comunidades de Caxiuanã: