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quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Crônicas do Corte: Certificação Florestal



Acampamento do protesto contra exploração de madeira
na comunidade Repartimento dos Pilões, em Almeirim.



Belém, 11 de setembro de 2015.


A certificação FSC (que significa em inglês Forest Stewardship Council e em português Conselho de Manejo Florestal) é uma garantia de mercado internacionalmente reconhecida, que identifica, através de sua logomarca, produtos madeireiros e não-madeireiros originados do manejo florestal responsável[1]. Todo empreendimento ligado às operações de manejo comprometido com a natureza e/ou à cadeia produtiva de produtos florestais, dentro dos princípios e critérios do FSC, pode ser certificado.

Criada em 1993, a certificação florestal FSC promove em seus princípios e indicadores o manejo florestal socialmente justo, ambientalmente responsável e economicamente viável, com acompanhamentos de câmaras e sub-câmaras relacionadas a estes aspectos. Em tese, tais esferas tem o mesmo peso nas tomadas de decisões[2].

A maior parte dos empreendimentos trabalhados pelo FSC no Brasil tem sido aqueles voltados para as florestas plantadas, sobretudo para os plantios de eucalipto. No que se refere à exploração de madeira nativa na Amazônia, hoje se produz 600 mil metros cúbicos (m3) de madeira certificada por ano[3], apenas 4% da produção brasileira total[4].

Apesar da tentativa do mercado em garantir madeira com origem sustentável, passados 22 anos de sua criação, os números de empresas que buscam esta modalidade de certificação, as relações entre empresas certificadas e comunidades tradicionais e a qualidade das agências certificadoras dão mostra que é necessário uma grande repactuação deste processo para o bem do manejo florestal na Amazônia. Como argumentos, delinearemos os comentários nos aspectos apontados neste parágrafo.

Sobre o número de empresas certificadas, poderia elencar dois principais motivos para a não procura pelo Selo FSC em grande contingente: a incerteza fundiária das terras da Amazônia e a grande ilegalidade de extração madeireira que dificulta a valorização de preços para aqueles que praticam o manejo florestal com certificação. No entanto, em minha própria contradição neste ato de escrever, muitas terras foram regularizadas nos últimos 10 anos, predominantemente em favor de comunidades agroextrativistas no formato de Projetos de Assentamentos e Reservas Extrativas no propósito de proteger os territórios coletivamente utilizados por populações tradicionais. Além disso, os Governos federal e estaduais implantaram suas primeiras áreas de concessão florestal, também definindo onde empresas podem manejar a floresta quando atendido o artigo 6º da Lei de Gestão de Florestas Públicas[5]. Nos grandes processos em curso de ordenamento fundiário, deveria ser a incerteza fundiária não mais um problema. Mas em 2 casos que acompanho, nos municípios de Almeirim e Portel, a certificação florestal premiou empresas com processos de regularização fundiária questionados pelo Ministério Público. Sendo assim, como certificar áreas duvidosas? Em se tratando de legalidade do processo de comercialização, recentemente uma empresa certificada recebeu autuação do IBAMA por irregularidade na gestão de créditos de madeira. Apesar de não ser na área certificada, como manter um selo para quem promove uma coisa em um lugar e adota operações duvidosas em outro?

Coincidentemente, nas regiões apontadas acima onde ocorre dúvida fundiária, existem também conflitos envolvendo comunidades locais e empresa certificada. Como se obedece o Princípio 2 de Direitos e Responsabilidades de Posse e Uso e de Direitos dos Povos? Com as organizações governamentais e não governamentais envolvidas diretamente na resolução destas dissensões, percebe-se pouca percepção até o momento do FSC nas de exploração madeireira em florestas nativas.

A problemática aponta por sua vez para a qualificação das agências certificadoras e do próprio FSC, pois vários relatos de comunitários de Almeirim descrevem falhas de abordagem e não isenção nas auditorias feitas na empresa certificada. O mesmo ocorre em Portel. Lembro que são os casos que conhecemos. E os demais?
Em movimento contrário, de um novo entendimento sobre o uso responsável dos recursos naturais, vários produtos da floresta vêm ganhando espaço e mostrando o valor da sociobiodiversidade. Falamos de castanha-do-brasil, de óleo de palmeiras (murumuru, babaçu, etc), frutos e derivados de frutos de açaí (que representam bilhões de reais negociados anualmente no Marajó e Baixo Tocantins, no Pará). Produtos que são Bens e Serviços da Floresta (BSF)[6] para o país por tudo que envolvem no lema de socialmente justo, ambientalmente responsável e economicamente viáveis. São Bens e Serviços voltados para o bem estar das comunidades amazônicas (e também da população urbana) que da floresta dependem. BSFs que deveriam estar na pauta principal da certificação FSC, pois caso contrário, em mantendo o predomínio atual para a madeira nativa e eucalipto, mostra-se o selo FSC como uma ferramenta estática diante das estratégias de desenvolvimento local, de ações econômicas menos invasivas e mais justas tendo o princípio da valorização da floresta em pé. A floresta é mais que “produtos madeireiros ou não madeireiros”. A floresta é um patrimônio público, um bem, nos oferece serviços.

Existe vontade de uma repactuação da Certificação Florestal? Há um novo olhar sobre a floresta? As câmaras setoriais (social, ambiental e econômica) mantêm-se equilibradas em sua participação e podem intervir em situações graves?  Como envolver mais associações comunitárias e empreendedores sociais no debate FSC? O selo FSC terá a confiabilidade dos consumidores quanto à origem daquilo que marca? 


Normalmente não gosto de fazer textos com tantos pontos de interrogação, mas no caso do FSC, é o que o contexto pede.







[2]Dam, Cris van. La Economía de la Certificación Forestal:
¿desarrollo sostenible para quien?   - Chris van Dam Profesor de Política Ambiental y Desarrollo Sostenible Universidad Nacional de Salta, Argentina Miembro del FSC. 2001.
[4] O IMAZON estima que se produz anualmente 14 milhões de metros cúbicos ano em toras no país, com grande participação dos estados do Pará e Amazonas (86%).
[5] Segundo o sexto artigo da Lei 11.284, “...Antes da realização das concessões florestais, as florestas públicas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais serão identificadas para a destinação, pelos órgãos competentes, por meio de: I - criação de reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, observados os requisitos previstos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000; II - concessão de uso, por meio de projetos de assentamento florestal, de desenvolvimento sustentável, agroextrativistas ou outros similares, nos termos do art. 189 da Constituição Federal e das diretrizes do Programa Nacional de Reforma Agrária; III - outras formas previstas em lei.
[6] Começo em 2016 a escrever sobre essa tese: não posso admitir no século XXI o termo “Produto Madeireiro” ou “Produto Não Madeireiro”. Para a nova engenharia florestal, há de reconhecer o papel prestado pelas florestas em seus Bens e Serviços.  Assim, castanha-do-brasil é um BSF, açaí é um BSF, abelha sem ferrão, mais do quem bem, é um serviço de polinização. Ganha a mata, ganha você, ganhamos todos.

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