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terça-feira, 29 de março de 2016

Lamberto, o Traumatizado: Cor da Camisa

Lamberto, o Traumatizado, assistiu atônito a notícia de pessoas intimidando uma mulher e seu bebê por este estar vestindo uma roupinha vermelha. Lembrou dos tempos de estudantes, quando ali no começo da abertura democrática (com velhos coronéis na continuidade do comando) foi chamado de comunista por usar camisa de tal cor, hostilizado por três senhores bem vestidos que saiam de um clube. Eram tempos malucos.

Saiu para espairecer, aproveitou e foi à feira, trajando sua camisa da seleção brasileira, da copa de 1962, sem o brasão da CBF. Na rua, chamaram-no de coxinha. Voltou pra casa encucado.

No outro dia, saiu com uma camisa cor laranja, gostava dela por lembrar a boa e velha seleção holandesa. Um homem resmungou ao seu lado: "Nem vermelho, nem amarelo, eu te vomito seu cabra que fica em cima do muro...". Que coisa. Lamberto voltou pro seu lar ainda mais pensativo.

Conforme as coisas no Brasil iam se acirrando, foi piorando a intolerância, a irracionalidade nas ruas.

Outro dia saiu com uma camisa branca. "Opa, é dos nossos!", escutou de um grupo de jovens carecas com alvos trajes e botas militares que cruzaram por seu caminho.

Trocou por uma camisa colorida, na tentativa de não mostrar preferência. O mesmo grupo de jovens que retornavam o olharam com desdém e até rosnaram. "Bicha!".

Sem muita opção e desgostoso, saiu com uma camisa preta, aquilo que significaria a ausência de cor. Universitários, que estavam dentro de uma BMW, jogaram nele uma bola de papel. "Seu Cotista!!".

"Chega!", disse Lamberto. Cortou uns sacos plásticos transparentes, pediu pra sua filha Shana (outra traumatizada) costurar as partes para entrar braços e cabeça, enfim uma camiseta. Queria mostrar ao mundo sua raiva, sua opinião, seu ódio de ser um homem sem camisa, desfilar sua vestimenta, hostilizar os de camisa verde, vermelha, laranja, preta, branca, colorida. Cheio de raiva, bate a porta, pronto pra guerra. "Seu bando de idiotas, o certo sou eu!!". Quando dobrou a esquina, deparou-se com uma jovem mãe trazendo ao colo um bebê, duas sacolas de compras e uma sombrinha, num suor que demonstrava o sacrifício daquela jornada em pleno sol da tarde.

Lamberto se ofereceu para prestar-lhe ajuda, carregou as compras e o bebê sorridente até a casa da jovem senhora, que levara a sombrinha para proteger a criança. Na porta de sua casa, a mulher agradeceu e não pode evitar a curiosidade sobre a camisa de seu próximo. "Obrigado, moço, Deus lhe pague, mas olha, que camisa é esta?"

Lamberto respirou fundo e disse-lhe:

"É uma cor de camisa para que enxerguem o meu coração e minha alma...".




Sem traumas.


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