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terça-feira, 28 de junho de 2016

A INFLUÊNCIA DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NAS PRÁTICAS ALIMENTARES DAS FAMÍLIAS DO TERRITÓRIO DO MARAJÓ, PARÁ, BRASIL *

Rio Piriá, Curralinho, Marajó, Pará.

Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial
(NEDET/Marajó/CODETEM).

 1. INTRODUÇÃO

Os programas de transferência de renda têm influência direta nas práticas ou hábitos alimentares de grupos ou sociedades. O acesso a um padrão de consumo mais elevado pelas famílias beneficiárias modifica, de certa forma, as práticas alimentares locais, positiva ou negativamente, dependendo da situação e das escolhas dos próprios beneficiários.

Programas de transferência direta de renda condicionada têm como objetivos o alívio imediato da pobreza e da extrema pobreza em curto prazo, elevar o investimento no capital humano em longo prazo e, principalmente, a quebra do ciclo de transmissão da pobreza entre gerações.

O Programa Bolsa Família (PBF), em 2015, beneficiou quase 14 milhões de famílias, com benefícios médios de R$ 163,57. O valor total transferido pelo governo federal em benefícios às famílias atendidas ultrapassou os R$ 2 bilhões de reais, representando cerca de 0,4% do Produto Interno Bruto – PIB do país. Porém, além dos impactos sociais, o PBF representa impacto significativo na atividade econômica, uma vez que para cada R$ 1,00 investido no programa, o mesmo representa um aumento de R$ 1,78 no PIB, possuindo uma relação custo x benefício amplamente benéfica na economia do país.

No Estado do Pará, segundo o Relatório de Informações Sociais do Brasil, existem 1.376.705 famílias cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CADÚnico), famílias que possuem renda de até meio salário mínimo por pessoa ou renda total de até três salários mínimos. Desse total, 913.985 famílias recebem o benefício do PBF. No Território do Marajó são 99.619 famílias cadastradas e 78.573 famílias beneficiárias do programa, movimentando um montante de R$ 17.617.230,00 em 2015.

2. CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

Foram realizadas visitas em cinco municípios do Território do Marajó (Cachoeira do Arari, Salvaterra, Curralinho, Melgaço e Portel), no período de agosto a novembro de 2015. Foram entrevistadas 50 famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, sendo 10 em cada município. Objetivou-se, com esses municípios, alcançar famílias pertencentes às três microrregiões do Território do Marajó (Figura 01), obtendo maior representatividade territorial nas informações. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, listagem livre e questionário sobre consumo de diferentes grupos alimentares. O roteiro foi dividido em três seções: a) dados socioeconômicos e hábitos alimentares; b) informações sobre (in)segurança alimentar e; c) informações sobre o destino dado aos recursos recebidos do Programa Bolsa Famílias, com dois focos, geral (gastos realizados) e específico, gastos com alimentação.




3. A INFLUÊNCIA DO BPF NA MESA MARAJOARA

A renda, proveniente dos benefícios do Governo Federal, aparece como a principal fonte de renda fixa das famílias. Além do benefício do Programa Bolsa Família, a aposentadoria e o seguro defeso foram citados pelas famílias entrevistadas. Das 50 famílias, 18 (36%) declararam ter alguém da família que recebe a aposentadoria e 13 (26%) recebiam o seguro-defeso, um benefício financeiro temporário fornecido aos pescadores durante o período do defeso. A maioria dos entrevistados foi mulheres (73%) com renda inferior a 01 (um) salário mínimo (36%), idade entre 40 e 50 anos, respectivamente 25% e 21%, e com baixo nível de escolaridade (Ensino Fundamental incompleto,75%), tendo estudado até a 4ª serie ou 5º ano (29%). O número de pessoas por unidade familiar ficou na faixa de 2 a 4 pessoas (52%).

O recurso proveniente dos programas de transferência direta de renda, como o PBF, apresenta uma importância relevante no que tange às estratégias desenvolvidas dentro da unidade familiar, principalmente, pelo seu caráter mensal e fixo e, portanto, confiável. A liberdade na forma de investimento do recurso, a autonomia na tomada de decisão sobre em que, como, e onde aplicar esse recurso, acarreta melhoras no bem-estar social das famílias beneficiárias.

De maneira geral, conforme observado na pesquisa, o recurso é destinado para suprir as necessidades mais imediatas da unidade familiar, mas principalmente à compra de material escolar e de uniforme para as crianças, à aquisição de equipamentos eletrônicos e outros bens (geladeira, televisão, ventilador, bicicleta, entre outros) e, principalmente, à aquisição de alimentos.


“pra roupa, pra remédio, pro alimento, pra tudo eu tiro desse dinheiro, pra me manter, eu e meus filhos... (Ribeirinha, Portel).

“quando chega o tempo do meu benefício, eu venho, “arrecebo” [recebo] compro meu pirão, né, arroz, feijão, carne, frango... (Pescador, Melgaço).


A renda proveniente do PBF possibilita o acesso a um padrão de consumo mais elevado pelas famílias beneficiárias, possibilitando a compra de bens, anteriormente, não acessíveis devido à falta de uma renda fixa. Essa realidade, segundo os entrevistados, reflete na qualidade de vida das famílias, tendo em vista que após o recebimento do benefício “ficou mais fácil pra conseguir as coisas”, “o benefício ajudou na compra de outros alimentos”, “ajuda na complementação da alimentação”.

Observou-se um aumento significativo na quantidade e na variedade dos alimentos adquiridos pelas famílias (Figura 2). Pode-se observar um maior consumo de proteína tanto de origem animal: carnes (58%), ovos (50%) e leites e derivados (50%) quanto de origem vegetal: Feijão (72%). O consumo de Cereais aparece na segunda posição com um aumento de 66% entre os entrevistados, principalmente, de arroz, farinha e macarrão.



Esse consumo foi observado nas principais refeições do dia, principalmente no almoço, considerado a refeição mais importante pelas famílias locais, devido à necessidade de “ser uma refeição mais completa” – completa no sentido de maior quantidade. Durante as entrevistas, o termo quantidade foi muito utilizado para descrever saciedade, pois ocorrendo o almoço em um horário intermediário, meio do dia, é dele que as famílias tiram as energias para o trabalho e para as demais tarefas do dia.

O maior consumo de feijão e arroz nas práticas alimentares das famílias marajoaras pode ser relacionado a “hábitos alimentares compartilhados e socialmente sancionados pela população brasileira”. Neste contexto, existem práticas alimentares que são características comuns ao longo da população brasileira, consequentemente, pode ser observada nas diferentes regiões do país, inclusive no Território do Marajó.


“antes assim, eu não sabia o que era comer um feijão, comer um arroz, um macarrão, uma comida temperada com uma cebola, um óleo, agora, assim, já consigo comprar” (Agricultora, Melgaço).



O consumo de frutas (50%) e hortaliças (46%) apresentou variação menor, uma vez que o consumo desses alimentos não sofre influência direta do benefício, pois, segundo os entrevistados, as frutas são “produzidas” localmente, ou seja, suas aquisições provêm diretamente da unidade familiar, dos quintais e das áreas no entorno das propriedades. Apesar do autoconsumo, poucas famílias afirmaram incluir com frequência frutas, verduras e hortaliças nas refeições diárias, demonstrando a necessidade de atividades educativas junto aos beneficiários, que aborde a importância de uma dieta variada, que incluam esses produtos.


Podemos observar que os cereais (arroz), leguminosas (feijão), grãos (milho), tubérculos e raízes (mandioca, macaxeira) constituem parte importante nas práticas alimentares das famílias marajoaras, sendo a base nas refeições, pois são os alimentos que dão “força” para o trabalho, e sua produção é destinada tanto para o autoconsumo quanto para complementação da renda familiar, assim como, nas relações de vizinhança (trocas).


“macaxeira, eu não gosto de vender, só tiro pra comer [...] quando dá bem esse negócio de jerimum, milho, maxixe e cana, quando dá, assim, mais “avortado”, aí dá pra gente vender um pouco [...] o milho, o feijão a gente sempre tem, troca por ali por um cafezinho, uma fruta, uns trocados [...] assim vamos levando (Agricultora, Portel).

A variação no consumo de açúcar (54%) e óleos e gorduras (58%) foi elevada. Muitas famílias, durante as entrevistas, comentaram o consumo de: sardinhas em conservas, salsichas, carnes enlatadas e de macarrão instantâneo, demonstrando um aparecimento constante desses alimentos nas refeições, embora dissessem que “não houve diferença” no consumo acarretado pelo recebimento do benefício. Esse aumento da inserção desses alimentos nas práticas alimentares das famílias locais ocorre devido ao baixo custo desses produtos em relação aos alimentos naturais (frutas e verduras), da praticidade e da grande aceitação por parte, principalmente, das crianças e dos jovens.

O consumo de doces e biscoitos é elevado e foi, constantemente, relacionado a um passado de dificuldades e de baixo poder aquisitivo. Foi comum, durante as entrevistas, as famílias admitirem comprar determinado produto, pois na infância, seus pais, não tinham condições financeiras de adquirir e, nos dias de hoje, com uma renda melhor, acesso a crédito e maior confiabilidade nos mercados locais, buscam proporcionar um padrão de vida aos seus filhos que não puderem usufruir.


4. CONSIDERAMOS QUE:

Os programas de transferência condicionada de renda influenciam diretamente nas práticas alimentares locais, uma vez que possibilitam uma ascensão social em relação ao aumento do poder aquisitivo dos beneficiários.

No que concerne às mudanças nas práticas alimentares, o recebimento do benefício proporcionou o acesso a uma alimentação mais variada e em maior quantidade, embora, às vezes, não suficiente para durar o mês inteiro.

Os beneficiários tiveram mais acesso a produtos “nos dias de hoje” que “nos tempos anteriores” tinham mais dificuldade com: proteína de origem animal (derivados do leite e, principalmente, carne vermelha e frango); proteína de origem vegetal (feijão) e um maior aporte no consumo de cereais (arroz, macarrão, farinha), fontes de carboidratos, alimentos essenciais no fornecimento da energia necessária para a condução das atividades desenvolvidas na localidade: agricultura, pesca e extrativismo.

A renda, proveniente dos benefícios, proporcionou um aumento no padrão de consumo das famílias, as quais puderem acessar produtos tanto alimentares quanto não alimentares que antes não era possível, devido à renda baixa e instável. Porém o benefício acarretou o aumento no consumo de produtos de baixo teor nutricional (doces, biscoitos, açucares, óleos e gorduras) e pouca relevância no consumo de verduras e hortaliças, indicando a necessidade de atividades educativas juntos às famílias beneficiárias, sobre a importância de dietas mais variadas e ricas em nutrientes, provenientes de produtos naturais como frutas, verduras e vegetais. 



Agradecemos aos parceiros CNPq/MDA; municípios visitados durante a pesquisa; CODETEM, e as famílias que nos receberam com toda paciência.



(*) A versão original deste texto foi publicada na revista Scientia Plena, vol. 12, nº 06/2016, www.scientiaplena.org.br

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