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domingo, 29 de julho de 2018

Declamação de Poema - A Casa da Mulher



A Casa da Mulher



Poema declamado pela atriz Jaci Garcia de Ponta de Pedras, Marajó, em nome da luta por justiça das mulheres que tiveram suas casas derrubadas por causa da ganância dos homens.

Do texto original A Casa da Mulher de Pantoja Ramos.

Fundo Musical: Choro Moreno de Mônica Salmaso e Orquestra Popular de Câmara.



A Amazônia é uma Mulher!

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Crônicas, Passageiro: Eu queria ter asas...

Belém, 23 de julho de 2018.


No ônibus. Minha esposa e eu circulando para o centro da cidade, mês de julho de trânsito em bom fluxo. Poucos carros, pouca gente no coletivo e ao som de canções que embalaram as serestas dos anos 1970, 1980 e os saudosos das tertúlias. Um senhor de mais ou menos setenta anos senta no banco da frente ao nosso, nos olhando sorridente. Parece que testava a nossa receptividade de sorrir também.

Troca a música.


♪♫
"...Eu queria ter asas/ pra voar pra bem longe daqui/ você me chamar de bandido/ são coisas que não vou resistir...". 



♪♫


- Quem diria que eu conheci o Marcelo Cleyton, que canta essa música. Assim é a vida, às vezes a gente tá por cima, às vezes nem tanto. Tem que saber dosar.

Viramos nossa atenção ao homem. Ele virava o corpo para nos explicar. Do nada.

- Tempo bom, que eu ia da Marambaia para a Sacramenta a pé pra festa. Não tinha esse negócio de violência. Ia e voltava.

 Reparei que ele tinha uma tatuagem no braço esquerdo. Um coração flechado. Um olhar sempre voltado para o longe... distante mesmo.

- Além do Marcelo Cleyton, conheci um outro bom tocador, esse de sanfona, Adeládio, chamado uma vez pra tocar com o Luiz Gonzaga quando este veio pra Belém. Mas a cachaça não deixou vingar a carreira. Se acabou cedo. Veio do interior, assim como eu vim, só que eu vim do Bom Jesus do Tocantins. 

- O senhor é trabalhador rural?

- Sou sim, da roça. Tu viste a menina que tá cantando na televisão que veio do Tocantins? Do interior?

- Não vi não senhor.

- Ela veio mesmo os outros dizendo que não dava certo essa história de cantar. É isso que eu falo pra todos eles, ó, tem que acreditar no teu sonho rapá! Pára de ir só na base do que os outros falam! Acredita em ti! Tenha fé em ti! Tenha fé na tua força que tu vai avançar! Porque a pior coisa é o sedentarismo! Ficar parado? Acomodado? Sedentário? Te mexe! Pega teu amor, leva pra uma churrascaria! Vai passear! Não fica parado! 

Era o discurso de uma vida. Com emoção. Com a soma de todos os anos de vida na pupila.

Desceu do palanque do discurso. Aterrissou. Minha esposa perguntou carinhosa:

- Como é seu nome?

- Miguel. Desculpe se atrapalhei.

- Nunca seu Miguel. Aprendemos muito com o senhor.

Uma senhora ocupou a cadeira ao lado dele. Acho que ele se intimidou. Virou-se para frente e em silêncio ficou enquanto o ônibus passava pela paisagem esverdeada da Praça Brasil.

Reparei nos cabelos brancos. Na boca tremendo. Tenho certeza que queria discursar até acabar o mundo. Nos despedimos quando descemos.

- Vão em paz meus jovens.

Ali tinha uma crônica. Tinha que fazê-lo em agradecimento ao seu Miguel pelos conselhos. Que título daria?

Marcelo Cleyton sugeriu na minha cabeça:

- Eu queria ter asas...

quarta-feira, 18 de julho de 2018

BERTA VENCEU! FECHAMENTO DO PROJETO HIDRELÉTRICO "AGUA ZARCA" EM HONDURAS

 
 
O Banco de Desenvolvimento da Holanda (FMO) e o Fundo Finlandês de Cooperação Industrial (FINNFUND) retiraram definitivamente seu apoio ao projeto hidrelétrico de Agua Zarca, em Honduras, promovido pela empresa Desarrollo Energéticos Sociedad Anónima (DESA).

A construção deste projeto provocou perseguição, ameaças e assassinatos, incluindo o crime contra a falecida ambientalista Berta Cáceres, que através do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh) lutou contra a implantação da usina hidrelétrica.

A líder ambiental Berta Cáceres, juntamente com o Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh), se opôs fortemente à implementação deste projeto porque ameaçava o habitat natural, cultural, econômico e funcional do povo Lenca. O conflito entre a comunidade e as barragens piorou depois que indivíduos entraram à meia-noite do dia de 3 de março de 2016 na casa de Berta Cáceres e dispararam vários tiros que tiraram a vida da renomada ambientalista hondurenha.

A família da ambientalista se pronunciou em relação ao fechamento do projeto da hidrelétrica e vê a decisão como um triunfo de Berta Cáceres e do povo Lenca. Uma filha de Berta havia alertado a DESA: "Te vas porque te vas", ao mesmo tempo exigindo o esclarecimento definitivo e a punição para todos os executores do crime que cegou a vida de uma mulher que se destacou como defensora do meio ambiente, por isso a chamam de "Guardião dos Rios".
 

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Crônicas, Passageiro: olha pro cachorro


Breves, 8 de julho de 2018.

Esta pode ter sido a orientação técnica mais Humana e ao mesmo tempo mais Animal que recebi na vida:

- Carlos, quando quiseres saber como anda financeiramente aquela família, olha pro cachorro.
- Por que? 
- Porque se ele é muito magro, quer dizer que não tem sobras. 

Paulo Oliveira, grande mestre, ali me mostrou o sentido da palavra INDICADOR, tão usado por mim no meu dia a dia de projetista ao definir formas de monitoramento de ações. Só que,  repares, ele disse "Olha pro cachorro" e não "Olha o cachorro".  Sutil diferença no ato de olhar o cãozinho como se passasse por mim objeto alheio ao meu ato de direcionar visão. Olhar pro cachorro é culminar interação e possivelmente trocar empatia com aquele ser tão esquálido e ao mesmo tempo tão alegre e puro; relembrar a cadela Baleia de Graciliano Ramos; rever na mente o fiapo de cãozinho faminto naquele rio Camarapi, hoje nem tanto (graças a Deus); pensar na piada que o cachorrinho provoca, pobrezinho a  escostar o rabinho na parede pra poder latir. Tá pegando, hein? Toma uma bolacha pra ti. Pega! Quer mais? Mais?  Isso! Rapá, até cachopa de urucum tu comes?  Foi o tempo.

Cachorro passou a ser pra mim um indicador dos processos e comportamentos. Do soldadesco homem a passear com um pitbull. Do cão frufru da madame. Do chow-chow caríssimo de se ter e manter. Do pit barulhento de uma tia solitária. Do cachorro esguio na proa da rabeta do senhor que vai pro tapiri: vai que topem com uma cutia? 

Arrisco a dizer, e na verdade é o que motivou a escrever esse texto, é a possibilidade do cachorro ser indicador de saneamento básico, da saúde pública e do nosso negligente cuidado com a vida urbana. Cocô de cachorro me impede em Belém de dar 5 passos na rua sem atentar pro chão. Eu disse atentar PRO chão. Interagir com o peste  que cagou ali em palavras vulcânicas ao perceber que meu solado não escapara. 

O que preocupa é a quantidade de cães pirentos em certas cidades que visito. Tal lugar é bem cuidado?  Olha pro cachorro.  Ferido, esfomeado, abandonado ou sequer sem ter tido donos, a morrer dolorosamente da pira que o maltrata. Sem orçamento para que veterinários possam cuidá - los ou orientar a sociedade de que é preciso se responsabilizar pelo contingente de cachorros abandonados a espocar os sacos de lixo ou te encarar  cercado de moscas enquanto comes aquele mixto quente no porto. Olha pro cachorro. Ele não tem culpa. Nós temos. 

Sobre nossa semvergonhice de entender tudo isso e assim mesmo fazer de conta que tá tudo bem, aquele ser de quatro patas nos fita e lá de baixo sentencia:

- Seus cachorros! 








sexta-feira, 6 de julho de 2018

Postagem sobre um dos sambas mais bonitos que ouvi: Zaquia Jorge, Estrela de Madureira

Caríssim@s,

Ao ouvir o samba Zaquia Jorge, Estrela de Madureira, vedete do Subúrbio, veio-me a curiosidade de saber de quem se tratava. Assim, achei a publicação do Blog Raiz do Samba, transcrito a seguir:




"

Zaquia Jorge, Vedete do Subúrbio, Estrela de Madureira


Publicado em 06/01/2014 no Blog Raiz do Samba

Quando fiz o artigo enumerando sambas-enredo campeões no gosto popular, mas que não foram campeões na avenida, citei Zaquia Jorge (foto à esquerda), por protagonizar um dos sambas mais famosos e queridos do mundo, e, na ocasião, prometi falar mais sobre ela futuramente. Pois o futuro chegou (pam paam PAAAM!!!). O samba que ganhou o direito de defender o Império Serrano na disputa oficial não foi o que Roberto Ribeiro gravou. Acontece que o concurso para escolha do samba de 1975 teve Zaquia Jorge, Estrela de Madureira, vedete do Subúrbio, de Avarese, como campeão. O que Acyr Pimentel e Cardoso compuseram, não fora aproveitado na escola, assim, o imperiano Roberto Ribeiro gravou com o sucinto título de Estrela de Madureira. Na apuração, o Império Serrano ficou com um honroso terceiro lugar, já a canção gravada por Ribeiro, tornou-se uma campeã de público, tocada até hoje em diversos shows e rodas de samba. Mas quem foi Zaquia Jorge afinal?

Antes, precisamos falar uma coisa, Zaquia Jorge  (1924-1957) foi um ícone cultural, mas em nada teve a ver com Samba, não diretamente. Ela nasceu em 6 de janeiro de 1924 e morreu a 22 de abril de 1957, teria hoje 90 anos. Ela revolucionou algumas frentes que, hoje em dia, ainda encontram preconceito da sociedade, naqueles tempos, deve ter sido um exemplo e tanto e uma figura admirável de se ver em ação. Bem, já que se eu ficar imaginando, eu paro de escrever, vamos falar da vedete principal do subúrbio da central. Zaquia foi uma vedete do Teatro de Revista (peças de teatro onde se fazia paródias de fatos e eventos de conhecimento público num misto de humor e – mais tarde – nudez… talvez uma espécie de embrião das pornochanchadas e essa mania ‘zorratotalizada’ de associar mulheres nuas e humor que não sei de onde vem, mas estou divagando…).

Zaquia fez sucesso em diversas companhias teatrais até que decidiu levar o teatro de revista para o subúrbio, lugar pouco agraciado com espetáculos culturais, e que Zaquia achava que precisava desse tipo de manifestação artística. Isso para não deixar na mão, diversos profissionais que poderiam amargar o desemprego da arte, com o fim da companhia da qual fazia parte. Sendo assim, ela conseguiu angariar subsídios para criar o Teatro de Revista Madureira, com direito a ações de ‘marketing’, anunciando, promovendo abate no valor de ingressos e outras medidas para atrair aquele público pouco habituado com essa forma de entretenimento. O espetáculo de estreia, adivinha? Trem de luxo (aquele que parte para exaltar a sua arte, que encantou Madureira).

O ‘’Madureira” só encontrou seu fim por causa da morte de Zaquia, por afogamento, na praia da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro-RJ, 5 anos após sua inauguração. Mas, mesmo com o palco apagado, a apoteose é o infinito, continua a estrela brilhando no céu, como diria o samba imortalizado por Roberto Ribeiro, do mesmo Império Serrano que mandou uma coroa de flores para o velório da vedete, atriz e empresária, às vésperas do dia de São Jorge, santo cuja uma imagem se localizava sobre o palco do Madureira, santo padroeiro do Império Serrano. Pensando bem, não é à toa que Zaquia e Império tenham tanta ligação, a ponto de muitos nem saberem quem foi a estrela e adorarem o samba assim mesmo.

Enfim, atriz, cantora, empresária, escritora e, sendo mulher, na década de 1950, ela poderia ser considerada uma mulher à frente do seu tempo ainda hoje, quando mulheres ativas e independentes são motivo de desprezo da sociedade conservadora, pelo ‘atrevimento’ de lutar pela arte e cultura brasileiras e no interesse em leva-las a um público carente desse tipo de intento. A moça, falecida aos 32 anos, hoje em dia, quase não é lembrada pelo grande público, mas para quem conhece sua história só por alto, tem uma boa noção de porque sua partida mereceu uma homenagem de Carvalhinho e Júlio Monteiro, Madureira Chorou: “Madureira chorou / Madureira chorou de dor / Quando a voz do destino / Obedecendo ao divino / A sua estrela chamou”.

Mais de 4 mil pessoas compareceram ao velório da estrela de Madureira no teatro que levou o nome do bairro. Até o então presidente Juscelino Kubitscheck teria ido se despedir se não fossem “tarefas imprevistas, no Palácio do Catete”, conforme noticiou O Globo. A inegável importância de Zaquia Jorge para Madureira e o teatro brasileiro é evocada a cada roda de samba onde se canta um desses sambas em homenagem a ela, principalmente Estrela de Madureira, mesmo que não se lembrem dela, o subconsciente popular, tão bombardeado de regrinhas preconceituosas e inúteis, também é espaço a ser permeado com boas referências.

Agora que você já sabe um pouco mais sobre essa figura tão marcante para a cultura e para o subúrbio carioca, só podemos terminar com o clássico mais conhecido em homenagem à musa do teatro e do cinema que foi a visionária Záquia Jorge".
Como a verdadeira morte é a não lembrança, aqui revivo Zaquia Jorge.
Presente!
 

terça-feira, 3 de julho de 2018

Marichuy, aquela que uniu os povos indígenas no México



Conheça Marichuy: uma mulher indígena que perdeu a corrida para candidato presidencial no México, mas reacendeu o movimento indígena.

O Processo de consulta popular para saber quem seria a indicada começou em maio de 2016. Em maio de 2017, concluiu-se pelo nome de Marichuy.

Desta convergência, vem o real fortalecimento do movimento social indígena no México.


Para saber mais sobre ela, clicar em:

https://www.youtube.com/watch?v=LYBQYe1W7Dc




domingo, 1 de julho de 2018

Crônicas, Passageiro: Tempo Teu

Belém, 28 de junho de 2018.
 
         Fui a Paragominas. Voltei no mesmo dia. Naquelas sete da noite subira no ônibus uma senhora cheia das sacolas, em cada dedo sofrido um saco com frutas. Sentou-se no meu lado, uma das primeiras poltronas.
         - O senhor quer maracujá? – Ofereceu talvez porque fosse generosa, talvez porque queria se livrar de uma daquelas sacolas, talvez porque tenha ido com a minha cara. Pode ter sido a soma destes motivos.
         - Eu quero sim, agradeço. Quero pegar as sementes pra plantar.
         - Tenho mamão, quer?
         - Sim, sim, muito obrigado.
         - Vou visitar a minha avó, tenho que visitá-la a cada quinze dias. É minha única parente por aqui.
         - Onde moram seus parentes?
        - Em Goiânia. Lá meu filho mora com minha mãe. Com esta minha luta, falta de tempo, minha mãe percebeu e pediu pra cuidar dele. Olha, ela que não tinha muito mais motivação na vida, ganhou no meu filho a razão da vida dela. E ele dela. Pediu pra mim veja só o menino de quatro anos: “mãe, deixa sempre eu morar com minha avó? ”. Esse menino é uma benção...
         A senhora falou que de seu ordenado, vindo do emprego em uma loja de roupas em Paragominas, repassava a maior parte para o sustento do filho na capital goiana. Tinha muita saudade do filho, aliás como deve ser doído uma mãe ficar longe de seu rebento. Não se pode medir essa lacuna.
         - Tenho que ganhar dinheiro. Não dá tempo nem de estudar. O senhor estudou?
         - Um pouco... me formei em engenharia florestal.
         - Que legal, seu moço. Eu queria fazer faculdade. Nem sei se consigo.
         Comentei sobre o trabalho e sua relação sufocante com o tempo em nossos dias atuais, o que até encurta o ano. Repeti o que ouvi de Pepe Mujica outro dia, “o que te motivas? ”. Lá vai o chato filosofar. Na maioria das vezes, quando me empolgo a falar aforismos, as pessoas fingem se interessar no começo, porém, quando olham pro lado, me dão a pista que desejariam mesmo era que surgisse um conhecido do nada pra salvá-lo daquela viajada conversa maçante.  No entanto, a senhora das sacolas manteve-se atenta. Soltei opinião de que era hora da Humanidade superar a frase famosa de Benjamin Franklin no qual “Tempo é Dinheiro”. Seguimos tal máxima? Chance alta de nos tornarmos escravos. Quando achei que o tema iria terminar, surpreendeu-me o comentário simples, mas certeiro da minha interlocutora:
         - Ahh, é por isso que minha mãe é mais feliz agora com o neto dela. Ela pensa naquilo que a faz feliz e não mais no dinheiro... Dá todo o tempo dela, coisa que não me veio até agora. Já eu, filha, mas tendo que ganhar dinheiro. Tempo meu é pra ganhar dinheiro. Tempo dela é mais pra dar amor. Não admira meu filhinho querer ficar lá.
         Desconcertei. Que análise rica! A senhora desandou a falar dos projetos que tinha. Só lembro de alguns.
         - Meu marido e eu vamos voltar a estudar. Eu quero aprender a falar coreano. Sabia que eu assisto filme coreano pra entender a língua deles? Eu tento ver legenda em português pra aprender... Quer saber, vou começar a caminhar pra emagrecer... Tenho que arrumar uma brecha de tempo, mas tô tão cansada no final do dia... Hidroginástica? Taí, boa ideia, vou me inscrever na hidroginástica.... Dá pra fazer depois do trampo, aí aproveito e relaxo. Tem uma piscina que faz isso lá em Paragominas, sabia? Custa acho que setenta reais por mês, acho que dá pra pagar, dá sim. Vou fazer até janeiro, vou passar férias lá em Goiânia com meu filho, minha mãe e meus irmãos. Não vejo a hora de matar a saudade.
         Desceu em Aurora do Pará.
         Eu segui com a mochila cheia de maracujás, mamões e mais concepções sobre o tempo e a esperança.
   
 
        
 
Pantoja Ramos.
 
 
 

FAO apresenta as primeiras diretrizes voluntárias para concessões florestais nos trópicos

 
 
Caríssimas e Caríssimos,


Abaixo transcrevemos a notícia da FAO sobre seu recém publicado documento para orientar os países quanto ao uso das florestas tropicais para o aproveitamento de madeira, no regime de concessões florestais.


FAO, Roma/Nova Iorque, 10 de maio de 2018, notícia disponível na página da internet http://www.fao.org/sao-tome-e-principe/noticias/detail-events/en/c/1129549/.

"A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) apresentou hoje as primeiras diretrizes voluntárias para concessões florestais nos trópicos, com o objetivo de torná-las mais transparentes, controláveis, responsáveis e inclusivas, tudo em benefício de algumas das comunidades mais pobres e isoladas do mundo.
Mais de 70% das florestas tropicais usadas para a recolecção de madeira e outros produtos florestais são propriedade pública ou estadual; a maioria dessas florestas públicas é gerida através de concessões que os governos concedem a entidades privadas ou comunidades locais.
As concessões florestais existem em muitas das nações mais pobres do mundo há décadas, mas suas contrapartidas nem sempre foram positivas. Embora tenham gerado empregos e rendimentos mais elevados para a população nas áreas remotas, eles também deixaram em muitos casos uma trilha de florestas degradadas e conflitos sobre a sua posse, afirma o documento Fazer com que as concessões florestais nos trópicos ajudem a alcançar a Agenda 2030: Directrizes voluntárias.
As concessões florestais podem ser geridas de forma inadequada devido à falta de habilidades adequadas para a gestão de florestas tropicais; governança fraca; regras e expectativas demasiado complexas ou foco nos benefícios de curto prazo, o que leva à sobreexploração; a distribuição inadequada de benefícios, a violação e falta de reconhecimento dos direitos das populações locais e a falta de rentabilidade económica.
A maior parte da perda de florestas nas duas últimas décadas teve lugar nos países em desenvolvimento da África subsaariana, do sudeste da Ásia e América Latina, o que destaca a necessidade de uma melhor gestão das florestas de produção pública nos trópicos.
As novas diretrizes voluntárias baseiam-se nas lições aprendidas para fornecer orientação prática para uma gestão mais sustentável dessas florestas tropicais públicas por meio de concessões.
'As diretrizes são um lembrete para todas as partes de que juntamente com os direitos, vêm as responsabilidades. Eles ressaltam a necessidade de um compromisso político fortalecido nos níveis nacional e local, estruturas jurídicas e institucionais claras e transparentes', afirmou Eva Muller, Diretora da Divisão de Políticas Florestais e Recursos da FAO, no Fórum das Nações Unidas sobre Florestas que estão sendo realizado em Nova Iorque, onde as diretrizes foram apresentadas.
'Se bem administradas, as concessões florestais podem ter múltiplos benefícios socioeconómicos e ambientais e aumentar o valor das florestas com vida para as gerações presentes e futuras. Em suma, podem melhorar as vidas das comunidades rurais em algumas das zonas mais pobres e isoladas do mundo', acrescentou Muller.

Como as concessões florestais podem ser úteis?
Concessões florestais são instrumentos jurídicos através dos quais o Estado confere direitos a uma entidade privada ou comunidade local a recolher madeira ou outros produtos florestais a curto prazo ou gerir os recursos florestais a longo prazo em troca de remuneração ou prestação de serviços.
Se bem gerida, as concessões florestais podem:
- Interromper o desmatamento e reduzir a degradação florestal;
- Melhorar a prestação de serviços ecossistémicos e reduzir a pegada de carbono para combater as alterações climáticas;
- Garantir a produção florestal sustentável e reforçar as cadeias de valor da floresta;
- Criar oportunidades de emprego e serviços;
- Gerar rendimentos em nível local e nacional que possa ser investido na conservação de florestas e melhores serviços sociais e de saúde
e contribuir de maneira geral e importante para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Diretrizes práticas para todos
'Repletas recomendações práticas, as directrizes voluntárias fornecem o enquadramento para o planeamento, implementação e monitoramento das concessões florestais que suporta a gestão florestal sustentável', disse Thais Linhares Juvenal, Oficial Senhor das Florestas na FAO e coordenadora das directrizes.
As diretrizes fornecem um conjunto de princípios que devem ser respeitados por todas as partes interessadas durante todo o ciclo completo de concessões e recomendações adaptadas às partes específicas implicadas: governos, concessionários, comunidades locais, doadores e organizações não-governamentais.
As diretrizes também incluem uma ferramenta de autoavaliação para que todas as partes possam verificar se há condições favoráveis para concessões florestais sustentáveis.

Novas perspectivas
As diretrizes voluntárias oferecem sugestões sobre como passar dos objectivos de aproveitamento a curto prazo - que podem levar à degradação florestal ou mesmo à desflorestação – a uma gestão florestal de longo prazo, criando as bases para uma gestão florestal verdadeiramente sustentável nos trópicos.
Para uma utilização mais abrangente e de longo prazo da floresta, as recomendações incluem: cultivar e colectar produtos agroflorestais (ervas, árvores de fruto e arbustos) e culturas agrícolas, juntamente com a colheita de madeira e outros produtos madeireiros; fazer a reposição de árvores de valor comercial para evitar a sua extinção no futuro; e, mais investimento na silvicultura: uma gestão activa da vegetação florestal para tornar as florestas sustentáveis.

Tirar proveito das melhores práticas que existem no mundo
As diretrizes têm por base as melhores práticas de concessão florestal em todo o mundo e procedem de consultas com mais de 300 especialistas técnicos dos setores público e privado, juntamente com representantes da sociedade civil na África, Ásia e Pacífico e América Latina.
Foram apresentadas como parte da 13ª sessão do Fórum das Nações Unidas sobre as Florestas, como parte da Madeira Sustentável para um Mundo Sustentável: uma nova iniciativa da Parceria Colaborativa sobre Florestas liderada pela FAO e desenvolvida juntamente com o Centro de Pesquisas Florestais Internacionais (CIFOR), a Organização Internacional de Madeira Tropical (ITTO), o Banco Mundial (BM) e o Fundo Mundial para a Natureza (WWF).

As concessões no mundo
Reduzir a desflorestação no Brasil
O Brasil apenas começou a introduzir concessões florestais a partir de 2006, mas já alcançou resultados significativos, demonstrando que as concessões baseadas na transparência e que incluem a devida monitorização podem conservar as florestas naturais, desenvolvendo mercados para produtos e serviços a partir de florestas geridas sustentavelmente, o que levou a um maior bem-estar social.
Melhores modos de subsistência para as comunidades rurais na Guatemala
As concessões das florestas públicas na Guatemala são concedidas a comunidades e empresas para a exploração de produtos madeireiros e não-lenhosos.
Os 340 membros de uma concessão comunitária beneficiaram diretamente dos lucros, que chegaram a cerca de US $ 410.000 por ano - mais de US $ 1.200 por família. As concessões criaram 16.000 empregos, proporcionando benefícios adicionais aos membros da comunidade.

Aumento da área florestal: a Iniciativa de Bornéu
A Borneo Initiative é uma fundação criada em 2008 que promove a gestão sustentável de florestas na Indonésia.
A fundação presta assistência financeira e técnica aos concessionários, aos quais se vincula a uma rede profissional de especialistas para acompanhá-los e orientá-los durante todo o processo. Já alcançou um aumento de mais de 2 milhões de hectares de área de floresta natural.

O observador independente - protegendo as florestas dos Camarões
Em 2001, o governo dos Camarões nomeou o primeiro observador independente para monitorar as violações da legislação florestal - como a extração ilegal de madeira-  e garantir o seu cumprimento.
Esta decisão melhorou a governança florestal - tanto em termos de transparência quanto de divulgação de informação pública -  o que, por sua vez, aumentou a conscientização da responsabilidade por parte das autoridades".




Abaixo, apresenta-se os princípios que devem nortear as concessões (tradução do Blog Meio Ambiente, Açaí e Farinha)

•Princípio 1: Coerência com as políticas florestais para paisagens sustentáveis;
• Princípio 2: Marcos legais e institucionais claros, credíveis e eficazes;
•Princípio 3: Planejamento transparente, inclusivo e responsável, alocação, implementação e monitoramento de concessões florestais;
• Princípio 4: Capacidade técnica e humana para a gestão e operação de regimes de concessão em todos os níveis;
• Princípio 5: Sustentabilidade econômica e financeira de longo prazo;
• Princípio 6: Clareza e segurança dos direitos de posse;
• Princípio 7: Participação da comunidade e benefícios sociais para todos;
• Princípio 8: Integridade ambiental e uso sustentável dos recursos florestais.


O documento da FAO em inglês pode ser baixado em http://www.fao.org/3/I9487EN/i9487en.pdf.


A iniciativa de postar a notícia acima é relacionar tais princípios do documento da FAO com o atual debate no Estado do Pará sobre a Política de Manejo Florestal Comunitário.

Para conhecimento e reflexão-ação.