- Tio, aqui existem índios? 
Perguntou a curiosa Elayni, de sete anos.  Devia estar na vigésima indagação. Me sentia numa banca de avaliação para doutorado que não sei se farei um dia. 
- Povos indígenas como se conhece por aqui acho que não mais. Um dia sim, muitos viveram aqui.
- Onde eles estão mais perto? Queria conhecer. 
- Hummm, talvez no Amapá.  Tumucumaque. Também em Altamira.
- Minha mãe viaja comigo sempre pra Macapá. Eu posso ir lá com eles? 
- Claro, mas tem que pedir permissão pra eles, por respeito. 
- Lá tem com quem brincar? 
- Sim, tem sim. Tem os da sua idade.
- É como eu tenho que falar com eles? 
- Seria bom aprender como eles falam. 
- Me ensina? 
Lascou. Que vergonha, que vergonha, não sei falar tupi-guarani, nossa língua-mãe, nem jê, nem dialeto que lembrasse o mapuá, daqueles que muito viveram por aqui em Breves, onde se fizeram fortes diante dos portugueses colonizadores, só assinando a Pax de Mapuá depois de muita negociação, fato escanteado nos livros de História. Onde também nasceu minha mãe e que provavelmente me é uma raiz profunda genética. Que vergonha. Como vou defendê-los? Pare, mocinha, você está me trucidando!  Não me torture com essas perguntas!
- Vai,  tio, me ensina! 
- Eu não sei falar muito a língua indígena.  Deixa ver,  você deve fazer o sinal que quer brincar no rio e dizer Pará, Pará, que quer dizer rio. Aponte pro rio.
- Eles dizem Pará pra rio? 
- É uma tentativa. Daí eles vão apontar para o rio também e já vão sair correndo e mergulhando.
- E os daqui? Pra onde eles foram?
- Eles estão por aí.
- Por aí onde?
-Dentro da gente.
- Como assim?
- A gente puxou pra eles. 
- Mas quando? Eu sou branca.
- Mas tá sim, estão no seu sangue. No meu.
A pequena dama pôs a mão no queixo.
- Não pode. O senhor tem cabelo que não é liso.
- Mas te digo que todos nós aqui temos uma parte deles.
- Não acredito. 
- Tudo bem, com o tempo verás se estou certo ou não.
- Como é uma casa de índio?
- Ah, é uma casa redonda, feita com palha, cipó, barro às vezes. Com coberta que nem aquela ali.
- Cadê? 
- Aquela ali, casinha coberta de palha de buçu.
- É mesmo. Ali mora índio?
- Talvez há muito tempo atrás morasse alguém que se reconhecia. "Eu sou Mapuá"! 
Me levantei e fiz uma pose altiva.
- Rsrsrsrsrsrsrs. É como eles andavam? De Barco que nem a gente?
- Andavam em canoas que nem daquela senhora que vai com a filha ali ajeitando matapi pra pegar camarão.
- Ahhhhh. Minha avó tem uma canoa. Ela me chama pra remar toda vez que eu vou lá.
- Assim que se deslocam muitos indígenas, nos igarapés. Sabes o que significa igarapé?
- Não.
- Caminho de canoa.
- Viu? Você fala a língua deles.
- Quem odera. Queria falar mais.
A menina com a mão no queixo pensando e olhando em direção à mata, à casinha de palha, à canoa ao longe, ao igarapé.
Coçou a cabeça.
Bom sinal.
 
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