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sábado, 4 de agosto de 2018

Crônicas, Passageiro: dentro da pele

Belém, 24 de julho de 2018, pensando no rio dos Macacos, Breves. 



- Tio, aqui existem índios? 

Perguntou a curiosa Elayni, de sete anos.  Devia estar na vigésima indagação. Me sentia numa banca de avaliação para doutorado que não sei se farei um dia. 

- Povos indígenas como se conhece por aqui acho que não mais. Um dia sim, muitos viveram aqui.

- Onde eles estão mais perto? Queria conhecer. 

- Hummm, talvez no Amapá.  Tumucumaque. Também em Altamira.

- Minha mãe viaja comigo sempre pra Macapá. Eu posso ir lá com eles? 

- Claro, mas tem que pedir permissão pra eles, por respeito. 

- Lá tem com quem brincar? 

- Sim, tem sim. Tem os da sua idade.

- É como eu tenho que falar com eles? 

- Seria bom aprender como eles falam. 

- Me ensina? 

Lascou. Que vergonha, que vergonha, não sei falar tupi-guarani, nossa língua-mãe, nem jê, nem dialeto que lembrasse o mapuá, daqueles que muito viveram por aqui em Breves, onde se fizeram fortes diante dos portugueses colonizadores, só assinando a Pax de Mapuá depois de muita negociação, fato escanteado nos livros de História. Onde também nasceu minha mãe e que provavelmente me é uma raiz profunda genética. Que vergonha. Como vou defendê-los? Pare, mocinha, você está me trucidando!  Não me torture com essas perguntas!

- Vai,  tio, me ensina! 

- Eu não sei falar muito a língua indígena.  Deixa ver,  você deve fazer o sinal que quer brincar no rio e dizer Pará, Pará, que quer dizer rio. Aponte pro rio.

- Eles dizem Pará pra rio? 

- É uma tentativa. Daí eles vão apontar para o rio também e já vão sair correndo e mergulhando.

- E os daqui? Pra onde eles foram?

- Eles estão por aí.

- Por aí onde?

-Dentro da gente.

- Como assim?

- A gente puxou pra eles.

- Mas quando? Eu sou branca.

- Mas tá sim, estão no seu sangue. No meu.

A pequena dama pôs a mão no queixo.

- Não pode. O senhor tem cabelo que não é liso.

- Mas te digo que todos nós aqui temos uma parte deles.

- Não acredito. 

- Tudo bem, com o tempo verás se estou certo ou não.

- Como é uma casa de índio?

- Ah, é uma casa redonda, feita com palha, cipó, barro às vezes. Com coberta que nem aquela ali.

- Cadê? 

- Aquela ali, casinha coberta de palha de buçu.

- É mesmo. Ali mora índio?

- Talvez há muito tempo atrás morasse alguém que se reconhecia. "Eu sou Mapuá"! 

Me levantei e fiz uma pose altiva.

- Rsrsrsrsrsrsrs. É como eles andavam? De Barco que nem a gente?

- Andavam em canoas que nem daquela senhora que vai com a filha ali ajeitando matapi pra pegar camarão.

- Ahhhhh. Minha avó tem uma canoa. Ela me chama pra remar toda vez que eu vou lá.

- Assim que se deslocam muitos indígenas, nos igarapés. Sabes o que significa igarapé?

- Não.

- Caminho de canoa.

- Viu? Você fala a língua deles.

- Quem odera. Queria falar mais.


A menina com a mão no queixo pensando e olhando em direção à mata, à casinha de palha, à canoa ao longe, ao igarapé.

Coçou a cabeça.

Bom sinal.
 

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