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domingo, 16 de dezembro de 2018

Lamberto, o Traumarizado: A Culpa não é do Amém

Lamberto, o Traumatizado estava em Macapá. Dia de chuva, deste inverno tão esticado que já emendara com o do outro ano. Frieza e frialdade se aproximando nas terras do Amapá.

No ônibus em que circulava, Lamberto percebeu levantar-se de sua cadeira um homem alto, camiseta de cor camuflada, no qual deu bom dia e perguntava quem amava Jesus.

Todos no coletivo levantaram a mão e seguiram nova indicação do dito homem, que pediu que aplaudissem Jesus.

Clap, Clap, Clap, Clap.


O Homem falou de Deus para os presentes naquele veículo trepidante, falou do pecado, da fé que precisamos ter para a salvação da alma. Lamberto avistava a rua pela janela, concordando no seu íntimo com aquelas palavras, enquanto analisava o lixão amontoado de caroços de açaí misturados às fraldas descartáveis usadas, garrafas pet, copos de plásticos. Crianças davam carambelas e corriam com seus carrinhos de bebê de brinquedo naquele monte de lixo, sobrevoadas por urubus.

Numa linha de raciocínio que mudou de rumo, Lamberto redirecionou sua atenção para as  palavras que se afastavam do contexto da fé, quando o desconhecido homem assim se pronunciou: "Nosso Brasil agora vai para melhor, pois um homem temente a Deus irá comandar a nação. Parabéns aos amapaenses como nós que decidiram em sua maioria pelo nosso capitão. Triste ver que o pessoal do Pará escolher na maioria um cara que tinha tudo pra incentivar a pedofilia!! Nós não! Nós sabemos escolher e proteger a família! Deus acima de todos, Brasil acima de tudo!"

Alguns Clap, Clap, Clap.

"Quem tem fé diga Amém!".

"Amém!", responderam a maioria das pessoas, até meio intimidadas. Mas na ordem expressa pela fé, disseram amém.

"Eu não digo amém disso!", respondeu de sua cadeira, Lamberto.

"Por que não, amado?", o homem tentou ser cortês, mas o subtom de sua voz, como diria Saramago, o traía.

"Porque paraenses e amapaenses são e sempre foram irmãos. E é muito feio jogar irmão contra irmão!".

"Bom, irmão, cada um tem a sua opinião, não é? Vivemos numa democracia, não é?".

"Eu espero que sim, sei lá, tenho dúvidas agora. Amém, irmãos?", Lamberto ironizou, numa pesquisa relâmpago se haveriam distintas opiniões sobre o assunto.

Saiu só um amém, tímido, de um menino, máximo dez anos de idade, roupinhas simples, sandálias gastas, tão leve que conseguia sentar na cuba de chopp que trazia para seu ganha-pão. 

Quando Lamberto puxou a cordinha e se dirigiu para descer, o menino com a cuba de chopp o cutucou.

"Sabes que horas são, tio?"

"São 17 horas".

"Muito agradecido. Moço, faça uma oração daqui a uma hora. Pelos amapaenses e pelos paraenses. Pela paz. Por mim".

"Tá bom". 

Lamberto desceu, viu o ônibus ganhando distância e no janelão de trás estava o menino aplaudindo em sua direção.

Lamberto, por via das dúvidas, agradeceu o menino e sussurrou:


"Amém". 







Sem traumas.









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