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quarta-feira, 29 de maio de 2019

LETRAS VISAGENTAS - Homenagem de Agenor Sarraf a WALCYR MONTEIRO


"O que torna a existência imortal? 

Pergunta aparentemente simples, mas que, dependendo do ser/sendo humano e do húmus cultural de onde emergiu, permite múltiplas respostas. Os povos ágrafos, por exemplo, imortalizam-se na transmissão oral e visual de sentimentos, pensamentos e saberes práticos tatuados em corpos, lugares e objetos que, ao serem escavados, remontam milênios de vivências ali imortalizadas. Perde-se a aparência, mas se acredita encontrar um pouco da essência de rituais, símbolos e objetos. 

Os povos das letras, via de regras, imortalizam-se nas escritas deixadas para a posteridade. Mas como esses mundos do oral e do escrito nascem cruzados, com a oralidade, puxando som, imagem e escritura, a grande maioria dos escritores tornaram-se tradutores de mundos. Walcyr Monteiro, 79 anos, grande amigo paraense, sociólogo, humanista e contista das visagens, fez de sua vida uma conexão entre os pluriversos do oral e da narrativa escrita para continuar, desde a Amazônia, nas batalhas da memória contra o tempo do esquecimento de vivências e crenças ancestrais de uma região e suas populações atravessadas pelo fantástico imaginário poético e político a nos ensinar que outras cosmogonias e cosmologias existem. 

Hoje, ele encantou-se. 

Portanto, parte o homem-matéria, fica o homem-texto, assombração de memória oral, escrita e visual. Partem as fragilidades e efemeridades da vida, fica o homem-sábio, educador de gerações e artista de outros mundos. Walcyr é memória viva de sabedoria amazônica, compositor de letras visagentas e assombradas, dessas que fascinam, metem medo e nos desafiam a escavar labirintos de matintas, mapinguaris, cobras grandes, curupiras, entidades rurais e urbanas e/ou seres-metamorfoses a desmontar nossas referências de existência, tempo e lugar. Seu modo comunicativo e generoso de ser, fazia o mundo um lugar de afeto. Sua obra vasta, porque talhada nas entranhas da Amazônia, fez-se na contação de mil e uma noites. 

Em uma das vezes que retornamos de um evento no Campus da UFPA/Breves em partilha do irmão marajoara de Afuá, Juraci Siqueira, O Boto Sacânico, a noite foi curta para as marés de aprendizagem feitas de histórias morbidas, risíveis e imprevisíveis, além dos causos das lutas políticas que o constituíram, exilaram e o libertaram de crises de si e da sociedade. Quanta experiência, visão política e criativa habitavam um único ser! Hoje, o mundo está menos alegre, mas se renovará na eterna lembrança e na continuidade da existência e do patrimônio narrativo forjado por uma grande Águia das Letras Amazônicas que, por muitos pares de ano, sobrevoou, alimentou e se alimentou de néctares de humanos e não-humanos para se contar e nos contar na boniteza das qualidades e  contradições da vida. 

Vai, meu amigo, ser narrativa, conto e poesia em outros dimensões do espaço sideral".

Prof. Agenor Sarraf.


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