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domingo, 24 de maio de 2020

Crônicas do Corte: Tatu Vasco de Caminha



Belém, 24 de maio de 2020.


Nesta quarentena já muito me brigaram para arrumar algo pra fazer e não ficar tão ligado nas redes sociais.

Então deixa ver...

Lavei o banheiro. Podei o pezinho de maracujá. Ajeitei a telha. Colhi as duas batatinhas, as últimas do pequeno pé de ariá lá do quintal.

Sentei na cadeira. Passei a vista na tela do computador.

Entristeci. Como não ficar nestes tempos? Pela janela percebi: lá vem a chuva! Está na hora certa dela. Algo me observava. Virei a vista para a estante, vi o tatu de madeira.

O tatu de madeira. Produzido na Oficinas Caboclas de Gurupá, uma versão mais simples das famosas Oficinas Caboclas de Santarém, da Flona Tapajós, do mestre Antônio José.

Procurei a foto deste encontro no meu banco de dados. Imagens da ONG FASE. Dezembro de 2004. Comunidade do Carrazedo, nos Quilombolas gurupaenses. Olha lá o Seu Mocinho! Olha só a galera! Pedaços de madeira caída na roça que apodreceriam na certa, mas que viraram arte. Uma mesa. Um remo. Um banco. Um tatu.

Um tatu?

"Eu achei melhor fazer um tatu, seu moço".

Achei graça. Todos acharam graça. Cabeça, pés e rabo de macacaúba. Pés de maçaranduba. De tanto rir do bicho misturado na terra e na grama, resolvi comprar do menino criador (tomara que ele leia este texto).

Nunca concordei quando engenheiros florestais falavam em Manejo de Madeira Morta. Soava estranho. Já Manejo de Pau Caído ninguém levava a sério. Manejo de Madeira Caída? Não tenho certeza. Só sei que o Reaproveitamento de Madeira de Áreas de Roçado me presenteou com um ser inanimado que me faz recordar da vida estampada no rosto de cada dos participantes daquela oficina a despontar arte das mãos marceneiras, sem eletricidade, no calo obtido do esforço. Do ensinar que deveríamos aproveitar o máximo que nos chega da natureza, sem desperdício, pois tudo é vivo quando se vê com atenção.

Agora está a cá comigo, enquanto digito, o dito tatu olhando pelo meu ombro esta crônica. Dei-lhe o nome de Tatu Vasco de Caminha, o literário cintado das terras segredadas aos homens não sapiens.


"Agora que já me apresentaste, Pantoja, levanta da cadeira e vai fazer exercícios! Escuta seu daimon!".

"Tá bom, tá bom, eu vou".


Ele sabe quando estou enrolando.








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