Páginas

domingo, 14 de junho de 2020

Crônicas, Passageiro: O Botão


Belém, pensando sobre o passeio das pessoas na Batista Campos,
em plena pandemia, 14 de junho de 2020.


            
As notícias vieram-me como bananas mofadas.

Tanta gente passeando na capital paraense neste domingo, assim, assim, a dar de ombros para a situação que estamos. E implacável veio-me a memória, ahh, essa memória tão boa de longa data, mas sempre falha para as coisas corriqueiras do dia a dia. E hoje, o dia a dia caminha de morte em morte. Contudo, nisso não falharei. A causticidade é necessária. Que tempos!

Aí olhei pro nada. Na minha cabeça viajante para os anos 1980 anunciaram a programação:

“ALÉM DA IMAGINAÇÃO... Episódio de Hoje: O BOTÃO. Versão Brasileira: Herbert Richert...”.

Recordo deste pequeno filme. Uma mulher de cabelos ruivos estava na sua casa. Morava com seu marido e filhos e viviam com dificuldades financeiras. Seu marido frequentemente tinha problemas no emprego. A mulher de cabelos ruivos sempre estava a reclamar da vida e num dia de fúria diante de tantas dívidas, desejou ter muito dinheiro e bradou tal desejo para todo o bairro saber.

Toco-Toc-Toc.

Bateram à sua porta.

Ela atendeu.

Um homem de paletó, sério, magro, alto e misterioso que carregava 2 maletas diz seco e sem qualquer cerimônia:

“Eu vim fazer uma proposta para você”.

“Você vai me vender o quê? Vieste em péssimo momento”.

“Não vim lhe vender nada. Simplesmente vim fazer uma proposta”.

Já impaciente, a mulher de cabelos ruivos aceita ouvir a tal proposta mais para se livrar daquela visita na sua porta e continuar sua lida.

“Minha proposta envolve 1 milhão de dólares para que vocês superem suas dificuldades financeiras”.

“Como sabes?”.

Ele continuou geladamente.

“Ofereço a você 1 milhão em troca de uma simples ação. Posso entrar para lhe mostrar?”.

A mulher surpresa e já vencida pela curiosidade, deixa o estranho homem entrar no seu lar. Depositou a primeira maleta na mesa da sala de jantar. Pediu para que ela abrisse. A mulher de cabelos ruivos abriu. Que surpreendente! Notas a perder de vista estavam ali, certamente 1 milhão de dólares. Ele fechou a maleta e disse:

“A maleta com 1 milhão de reais pode ser sua. Só tem uma condição...”.

“Roubar?? Traficar?? Sei não...”.

O homem misterioso abriu a segunda maleta. Tinha simplesmente uma pequena plataforma, com uma elevação que claramente mostrava ser um botão de cor vermelha e um dizer “Aperte aqui”. Apenas isso.

“Mas é um botão!”.

“Sim... é um botão... e basta você apertar para ganhar 1 milhão de dólares, porém...”.

“Porém??”.

“Se apertares o botão, uma pessoa no mundo que você não conhece morrerá no mesmo instante”.

A mulher ficou boquiaberta.

O enigmático ser pegou a maleta com dinheiro e partiu, não sem antes avisar: “daqui a 3 dias eu voltarei para pegar a maleta com o botão vermelho. Decida”.

Foram dias de profunda agonia para aquela mulher. De princípio não levara a sério. Contou ao marido que sem pestanejar opinou:

“Pessoas morrem todos os dias. Aperta ué?”.

“Não, não. Não farei isso. Nem por todo o dinheiro do mundo”.

As horas se passaram e o marido que antes falava de maneira galhofada, começou a pressionar a esposa, tentá-la mesmo, esgueirando argumentos que iriam das contas da casa, da hipoteca, da faculdade dos filhos. Cenas que me pareciam uma nova versão da entrega da maçã, não por Eva, porém por Adão, pois ali a disputa era pela árvore do conhecimento sobre a vida das pessoas.

Pressão dele.

Pressão dela mesma.

A frase que martelava, sibilava: “todos os dias morrem pessoas mesmo...”.

A mulher de cabelos ruivos abriu a maleta. Suava. Tremia. “Mas o dinheiro... O dinheiro iria resolver tudo... As contas... Roupas... Uma casa nova... Um carro... não! Dois carros!”.

Apertou o botão.

Segundos depois, ouviu-se um barulho à porta.

Toc-toc-toc.

Era o sombrio homem alto, magro, de paletó.

“Olá, senhora. Vim trazer seu dinheiro”.

Entrou pela casa, foi à sala de jantar, trocou a maleta do botão vermelho por aquela milionária.

A mulher ficou eufórica, o marido ficou eufórico e quando o estranho já seguia seu caminho, a mulher de cabelos ruivos perguntou:

“E agora? Para onde vais?”.

“Sigo para mais uma casa, para mais uma proposta”.

“É na casa de algum vizinho aqui?”.

“Não. É UMA PESSOA QUE VOCÊ NÃO CONHECE...”.

O episódio de ALÉM DA IMAGINAÇÃO termina com o olhar espantado da mulher de cabelos ruivos.


E sobre a quarentena que vivemos?

“A pandemia democratizou poder de matar” -  Achille Mbembe/ Filósofo camaronês.

Pessoas que conhecemos e pessoas que não conhecemos...

É um tipo de Botão Vermelho...




Pantoja Ramos.




Nenhum comentário:

Postar um comentário