Carlos Augusto Pantoja
Ramos[1]
Deste ano de 2023, saio com a impressão de estar um "realista
esperançoso" como diria Ariano Suassuna em relação ao debate climático ao
refletir que:
- Precisamos realmente colocar as pessoas
     que mais sentirão os efeitos das mudanças climáticas no centro do debate. Contribui
     neste ano juntamente com as engenheiras florestais Alynne Maciel e Taiane
     Sousa em estudos para a OXFAM Brasil sobre a participação da sociedade nas
     NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas)[1].
     Aprendi com os entrevistados que a construção da
     primeira NDC (2015/2016) teve a atuação decisiva do Fórum Brasileiro de
     Mudanças Climáticas e de instituições ambientalistas que fomentam pesquisas
     sobre mudanças climáticas, mas que não contou com a participação de
     organizações de base advindas de comunidades tradicionais e de periferias grandes
     cidades. A segunda atualização em 2020, e a terceira de 2022 foram feitas
     de forma unilateral por parte do governo federal, na gestão dos execráveis
     Salles e Bolsopeste. Eis um desafio para o Brasil para os anos que antecedem
     a COP 30 que acontecerá em Belém;
- No ano mais quente da
     história[2], as
     pessoas mais empobrecidas[3],
     as mulheres[4] e
     as meninas[5]
     tornaram-se as mais vulneráveis pelas mudanças do clima e num cinismo que
     gritou nas nossas caras, nos nossos rios e igarapés, uma horda de empresários do ramo petrolífero[6]
     ocupou os espaços de negociação da COP28 de Dubai, presidida inclusive pelo
     chefe da empresa petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos, o sultão
     Al Jaber[7].
     Felizmente, a sociedade civil organizada apresentou ao mundo essa
     desfaçatez e a própria ONU reconheceu que o interesse dos 1% mais ricos do
     planeta é uma das principais barreiras para a humanidade conseguir limitar
     a emissão de gases de efeito estufa nas próximas décadas[8]. Celebridades mundiais começam a ser questionadas por cada voo de jatinho, cuja
     emissões de gases de efeito estufa equivalem a um ano de uso de um carro
     convencional[9].
- A COP30 precisa resolver pendências que
     foram criadas na COP28. Uma delas é saber o quanto será efetiva, daqui
     dois anos, a execução do fundo de perdas e danos dos países vulneráveis,
     isto é, aqueles que mais sofrem pelas mudanças climáticas, que foi
     aprovado em Dubai. A COP29 deverá produzir alguns ajustes, mas será na
     COP30 que teremos o amadurecimento dessa discussão. Em um País como o
     Brasil, que tem municípios muito pobres e que deve receber recursos nessa
     reparação histórica, será visto como um tira-teima em 2025[10].
- Preocupa-me a criação da Companhia de
     Ativos Ambientais e Participações do Pará S.A. (CAAPP), aprovada pela
     Alepa por meio da Lei 10.258 em 11 de dezembro de 2023, sem um amplo
     debate com a sociedade paraense. Por ser uma empresa de capital misto a
     tratar de um tema muito valioso para nós Amazônidas que são os bens e
     serviços florestais, poderemos ter um perigoso passo para o rentismo a
     partir de florestas em terras públicas e a financeirização da própria
     natureza. Trata-se de uma estratégia que usa o próprio sistema poluidor para tentar
     resolver os problemas ambientais do nosso tempo sem revê-lo
     substancialmente, onde as empresas são aquelas que mais ganham com o
     negócio[11]. Estaríamos falando
     com a criação da CAAPP de um “processo híbrido” de privatização do bem
     público? Apesar do Estado do Pará poder deter o controle acionário da
     sociedade da companhia (artigo 9º da lei 10.258), em um estado
     capitalista, para quem penderá o rumo das decisões? Como ex-diretor de
     gestão de florestas públicas nos anos de 2009 e 2010 do Instituto de
     Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará, hoje IDEFLOR-BIO, pergunto se
     não estaria esse órgão sendo esvaziado de suas funções, inclusive substituindo
     o serviço público do IDEFLOR-BIO pela contratação sob regime CLT de
     colaboradores (artigo 13º) à mercê de rotatividade e interesses da recém criada agora na
     nova companhia criada para tratar do valor público da floresta? A crítica
     aos chamados “ativos ambientais” que fiz em 2020 ao texto-base da ideia de
     Amazônia 4.0 publicada na revista Futuribles da neoliberal Fundação
     Fernando Henrique Cardoso[12]
     alerta-me que é preciso continuar comunicando às pessoas sobre o que
     realmente nos trouxe até aqui em matéria de sofrimentos causados pelas
     mudanças do clima: o capitaloceno.
- Tenho acompanhado desde 2018 a execução
     de mercados de carbono no estuário amazônico e todo desrespeito à convenção
     169 da Organização Internacional do Trabalho, temerário às gerações de
     comunidades tradicionais[13],
     o que me faz desconfiar da criação de uma companhia de ativos ambientais em
     pleno desenrolar de grandes projetos de logística de soja, de
     possibilidade de extração de petróleo na foz do rio Amazonas e da teima
     dos grandes produtores de petróleo em não retroceder em seus planos de
     expansão no uso de combustíveis fosseis e acumulação de capital, inclusive
     indicando o Brasil como última fronteira do petróleo para grandes empresas[14].
     Junto com o colapso ambiental, o modelo industrial dependentes de combustíveis
     fosseis costuma alimentar e mesmo criar guerras[15].
- Entender nosso protagonismo é assumir a
     importância de criticar e responsabilizar por erros metodológicos e mesmo
     de letramento das injustiças globais aqueles que influenciam as políticas
     climáticas como no caso do tema carbono em que a ONG estadunidense Verra, a
     maior certificadora de créditos de carbono no mundo, não possui sistema de
     governança sobre a origem do dinheiro que compra os créditos[16].
     
- Começamos a entender que nosso
     protagonismo na COP30 será determinante sobre o futuro das próximas
     gerações e patinamos muito sobre isso. Não fomos aprovados enquanto
     formuladores de políticas públicas ao seguir metodologias como da ONG TNC
     que assessora o estado do Pará na construção do Plano Estadual de
     Bioeconomia, que a meu ver não aprofundou o conceito de (socio)bioeconomia
     que deveria ser tratada no estado, diluiu o real debate ambiental e de
     ordenamento territorial e que não deveria ser a relatora do referido plano[17].
- A esperança é saber que estamos vivos e
     lutando contra os grandes desequilíbrios sociais, econômicos e ambientais
     no mundo e que necessitamos no Pará voltar a "politizar a
     política" como assim reflete Guilherme Carvalho em https://macareuamazonico.blogspot.com/2023/12/e-logo-ali.html
     , saindo do incômodo institucional e partidário de criticar o governo do
     estado.
- Finalmente, ao fechar os olhos para escutar
     com atenção a entrevista do “global” Luciano Huck a Yuval Harari, autor do
     bestseller Sapiens, que trataram do cerco israelense a Gaza em
     busca de terroristas do Hamas[18],
     pude perceber as retóricas para não admitir o próprio estado de Israel também
     como agente terrorista a massacrar milhares de crianças palestinas[19].
     Yuval Harari reconhece o extremismo do governo de Benjamin Netanyahu,
     porém entende que é primeiramente necessário estabelecer tratado de paz,
     tangenciando sobre toda injustiça de 70 anos que o povo palestino sofre,
     parecendo-me até certo constrangimento em se posicionar sobre o tormento dos
     povos da região causado pelo Ocidente. Percebi com essa entrevista que
     justiça é algo inegociável e primordial e que vale para qualquer setor da
     vida. Assim, ouso dizer que a Paz também será filha da Justiça Climática.
[1]
Relatório Experiências de envolvimento da sociedade civil Brasileira no
plano climático nacional, com foco nas Contribuições Nacionalmente
Determinadas (NDC), em consultoria para a Oxfam Brasil.
[2]
Ver a publicação 2023: o ano mais quente da história em https://jornal.usp.br/radio-usp/2023-o-ano-mais-quente-da-historia/
[3]
A população brasileira inclusive reconhece que os mais pobres são os mais
vulneráveis  - https://www.brasildefato.com.br/2023/10/10/populacao-brasileira-reconhece-que-pobres-sao-mais-afetados-por-efeitos-das-mudancas-climaticas#:~:text=A%20maioria%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20brasileira,feira%20(10)%20pelo%20Greenpeace.
 
[4]
Na COP26 realizada em 2021 em Glasgow, Escócia, foram discutidos o alto
percentual de 80% dos deslocados por desastres e mudanças climáticas no planeta
serem mulheres. Ver em https://brasil.un.org/pt-br/157806-cop26-80-dos-deslocados-por-desastres-e-mudan%C3%A7as-clim%C3%A1ticas-s%C3%A3o-mulheres
.
[5]
Um estudo da Organização Não Governamental (ONG) Plan International em oito
países, entre os quais o Brasil, revelou os efeitos das transformações do clima
na vida de garotas menores de 18 anos de idade. Ver em https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-12/crise-climatica-afeta-mais-meninas-afirma-estudo#:~:text=Crescimento%20dos%20casamentos%20infantis%2C%20abandono,a%20desigualdade%20entre%20os%20g%C3%AAneros.
[8] As
Causas e Efeitos das Mudanças Climáticas segundo a ONU podem ser verificadas em
https://www.un.org/pt/climatechange/science/causes-effects-climate-change#:~:text=Os%20mais%20ricos%20t%C3%AAm%20a,que%20os%2050%25%20mais%20pobres.
[9] Ver
em https://www.rfi.fr/br/podcasts/planeta-verde/20220824-pol%C3%AAmica-sobre-emiss%C3%B5es-de-celebridades-em-jatinhos-pode-levar-a-mais-regula%C3%A7%C3%A3o-do-setor-na-europa
.
[10]
Fiz essa análise para a revista Cenarium disponível em https://revistacenarium.com.br/cop-de-belem-deve-resolver-pendencias-criadas-na-cop-de-dubai/
.
[11] Recomendo
a matéria publicada pela organização Terra de Direitos  - https://terradedireitos.org.br/noticias/noticias/o-ganhaganha-das-empresas-com-a-financeirizacao-da-natureza/23355
.
[12] Publicado
em https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/7261730
.
[13] Compartilho
com o leitor a análise que fiz pra o Movimento Mundial pelas Florestas
Tropicais – WRM sobre contratos de mercado de carbono e as gerações, disponível
em https://www.wrm.org.uy/bulletin-articles/regarding-carbon-projects-in-the-amazon-region-why-contracts-that-last-a-generation
.
[14]
Ver em  https://www.infomoney.com.br/mercados/ultima-gota-de-petroleo-da-shell-no-mundo-saira-do-brasil-diz-presidente-da-empresa-no-brasil/ 
[15] Recomendo
a irretocável análise de conjuntura global do professor Luiz Marques em https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/luiz-marques/guerra-e-colapso-socioambiental
.
[16]
Um exemplo desta falta de governança sobre a origem do dinheiro que compra
créditos é o que ocorreu com a empresa ADPML que possui projetos de carbono em
Portel, Marajó, Pará. Ver em m https://www.mirror.co.uk/news/world-news/amazon-people-had-no-help-31271025
.
[17]
Escrevo sobre isso em https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/7646967
[18] Entrevista
disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Qug0wnRghEU&t=5s
[19]
Recomendo a leitura do texto Apagar a Palestina, de Chris Hedges , disponível
em https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/apagar-a-palestina/

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