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quarta-feira, 16 de maio de 2012

Sobre a estagnação econômica no Marajó


Caríssimos,

Nos dias 11 e 18 de março de 2012 o Marajó foi matéria nos principais jornais do Estado. Textos que abordaram duas questões cruciais para o desenvolvimento da região: novas iniciativas econômicas e regularização fundiária. Andarilho do Marajó, mais curioso do que estudioso, fiquei pensando no quanto tais aspectos estão decisivamente ligados e quanto, nos dois casos, deixou-se de se olhar a história marajoara para perceber as causas e efeitos de uma estagnação econômica citada ou de uma suposta expulsão de ribeirinhos feita por órgãos fundiários. Vou tomar por base de reflexão a primeira matéria, a do economista Armando Soares que defende o agronegócio como uma das salvações marajoaras, em exercício apenas, pois para comentar o todo da problemática, não seria uma nota que realmente faria alguma diferença. Entretanto, representante de uma geração que avistou ao longe, no horizonte do Rio Pará, um grande destino para a sua região, não poderia deixar de opinar pela coincidência escrita de um domingo após o outro.

Como é de conhecimento, tenho coordenado um programa chamado Viva Marajó, onde a equipe foi agraciada por um instrumento poderoso de informação: o Diagnóstico Socioeconômico, Ambiental e Cultural do Marajó. Não sei precisar o que foi mais rico, se as entrevistas ou os debates nas devoluções em 10 municípios marajoaras percorridos. De certo, tive a sensação após as devolutórias que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) pode estar abaixo da média em comparação do país (0,63 do Marajó contra 0,69 do Brasil) por conta de alguns motivos a seguir descritos que se em algum momento do tempo fossem objeto de preocupação dos governantes, talvez não estariam tão estruturalmente nos incomodando:

  • Ciclos – do gado, da borracha, da madeira, do palmito, do açaí – a não ser por este último, do açaí, talvez iniciado no início dos anos 1990, todos os outros não apresentaram a população dos igarapés e rios como reais protagonistas de sua economia. Pior do que isso, foram quase sempre impedidos de estarem à frente dos negócios, seja por um patrão, seja por um coronel. Assim se fizeram empregados que deviam até a alma, assim uma moça saía de sua comunidade para trabalhar como empregada doméstica de alguém mais abastado na capital, assim uma família inteira ficava a dar metade de sua produção ao senhor das terras. Isto se estendeu para a borracha, para a madeira (e assim a ucuúba sofreu sérios riscos), para o palmito. O açaí em tempos mais recentes tem ficado na mão de quem produz. Até os atravessadores têm feito concessões de preços;
  • Insegurança fundiária – cujos documentos cartoriais dos patrões faziam-se mais fortes que o reconhecimento governamental, quase sempre acompanhadas pela ameaça física ou psicológica às famílias locais. “Saia daqui senão tu corre risco”, eu ouvi várias vezes dos mais velhos tais relatos e uma insistência era o pior dos desacatos ao status estabelecido, pago pela vida ou expulsão. Não tenho dúvidas que a segurança da terra é fator primordial para quem quer avançar economicamente. Felizmente, no caso marajoara, de seus 10 milhões de hectares abrangendo 16 municípios, 24% das terras já foram destinadas, seja por meio de assentamentos agroextrativistas, de territórios quilombolas ou de unidades de conservação, beneficiando mais de 20 mil famílias.  Em Afuá, por exemplo, quase cem por cento de seu território regularizado, é notório o borbulhar  da atividade florestal das comunidades a partir de uma terra concedida a elas. O mesmo acontece em Gurupá, palco de grandes lutas pela organização social e de intensa intelectualidade territorial. Metade do município de Breves já está regularizado. Curralinho se prepara para grandes saltos. São Sebastião é grande produtor de açaí. Melgaço, Muaná e Bagre se movimentam. É açaí, é murumuru, é a boa farinha, é camarão, é madeira daqueles e para aqueles que vivem da terra. Reforçando como ferramenta importante, as Autorizações de Uso emitidas pela SPU também lançam um olhar da União sobre as milhares de moradores do Marajó, reconhecendo-as;
  • Carência de educação e informação -  enganados, surrupiados, lesados no valor de quanto vale sua produção, gerações não tiveram informações básicas para melhor levarem a vida. Dez reais a árvore de Angelim em pé; pago preço Francon para madeira de laminação; centavos a cabeça de palmito; meninas escalpeladas pela desinformação de se proteger-se dos eixos dos barcos; jogos de camisa de time de futebol em troca de votos; doses contra malária paradas nos primeiros dias de sumiço das febres, mal curando e repassando a moléstia; da menina muito menina parindo outra menina pequena menina. Contudo, a educação vai chegando aos poucos como algo inevitável pela vontade dos homens e mulheres, professores de boa vontade. De incentivar que haja um novo mestre, de ver a menina dizendo que deseja ser enfermeira quando crescer. De ser reverenciado o grande escritor dos campos de Cachoeira por mais gente. Como é bom ouvir que a caloura marajoara da universidade escolheu a profissão admirando seu trabalho, simples trabalho. Então porque esse novo batalhão de gente mais informada e educada não pode indicar o futuro de seu município e região, recuperar o que foi estragado, manejar o que não cuidado, construir o que precisa ser erguido? Porque o que vem em implacável escala global é o melhor pra nossa gente? Não colunistas, a estagnação foi fruto da não valorização do homem e da mulher marajoara e da falta de uma ciência local e regional estimuladas, o que reforçaria o marajoara no seu pensar sempre três vezes no mesmo instante: na lua, se está enchendo ou está vazando e se está chovendo muito ou chovendo mais ou menos. Em outras palavras, alguém aí fora perguntou o que queremos? Olha, por sorte, daqui a alguns anos após a consolidação de uma educação fundamental, média e universitária, saberemos;
  • Não valorização do ser humano do Marajó – fomos motivos de curiosidade, de pesquisa, de livros didáticos, tipos humanos, mas não tratados no nível que deveria ser merecido como população que se identifica marajoara acima de tudo. Somos belos como Soure e Salvaterra para os outros verem, mais ricos também nas florestas de várzea de Chaves e terra-firme de Portel e campos do Lago Arari que torna eternos os sertões. Da Gloriosa fé em São Sebastião, São Benedito, Santa Ana e todos os santos. Da Oração bem-aventurada das igrejas evangélicas. Das urnas ancestrais. Do latim que vai sumindo pouco a pouco com seus rezadores experientes. Ainda bem que existem pessoas na luta para preservar uma cultura tão diversa e preciosa;
  • Dos projetos de cima para baixo – e não foram poucos os gênios que disseram “vou mudar esta região”, lá de suas cabines.  Não porque queriam a melhoria da população, e sim desejavam uma não disfarçável vontade de ganhar dinheiro, não importa a forma, os rios, os bichos, as pessoas, os processos, o tempo certo. Quando não era este o motivo, simplesmente era a pura vaidade intelectual de saber tudo, sem conhecer muita coisa. Ser contra um projeto como o do arroz em Cachoeira do Arari por ser contra é falta de lógica. Porém, ninguém é mais bobo, ingênuo. Tem uma pá de gente mais esclarecida, antenada. Não dá mais para enfiar goela abaixo um projeto sem discutir vantagens e desvantagens, impactos e compensações. Com debate, existe desenvolvimento. O Marajó está na foz do maior dos rios do planeta e por isso tem o seu valor para a humanidade. Para esta nova geração, tudo mais bem medido, mais calculado, mais planejado.

No Marajó, as coisas já são possíveis e serão mais ainda.

É só valorizar o marajoara que o resto ele dá conta...

Abs

Foto: Monte Dawn Hendrickson

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