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quarta-feira, 16 de maio de 2012

Madeira que a lei não vê


A bordo do Rainbow Warrior, tora de madeira coletada pelo Greenpeace em área quilombola de Gurupá (PA), é entregue a procurador federal em Belém.

Diretor da Campanha Amazônia do Greenpeace, Paulo Adario (à dir.), entrega ao procurador do MPF/PA, Ubiratan Cazetta, amostra proveniente do plano de manejo da Associação dos Remanescentes de Quilombo de Gurupá (PA), atualmente sob concessão de uma madeireira (©Greenpeace/Marizilda Cruppe/EVE)
A bordo do navio Rainbow Warrior, atracado em Belém (PA), uma amostra de tora coletada em uma área quilombola no município de Gurupá foi entregue ao Procurador Federal da República, Ubiratan Cazzetta, que se comprometeu a abrir uma auditoria para analisar as condições em que o plano de manejo está sendo explorado. Há cerca de um mês, o Greenpeace foi até a área e encontrou indícios de que a retirada de madeira estaria sendo feita de maneira predatória.
Num encontro inédito, o Greenpeace conseguiu reunir representantes dos Ministérios Públicos Estadual e Federal, e de instituições não-governamentais, além do presidente da Unifloresta, associação que defende os interesses de diversas madeireiras no Pará, Luiz Alberto Silva, no debate Vozes da Floresta: o atual papel da exploração madeireira no desmatamento e na degradação ambiental.
Durante o evento, pôde-se constatar que a situação das áreas quilombolas no Estado é mais crítica do que se imaginava. Por possuírem a titulação das terras, casos valiosos em se tratando do Pará, os quilombolas têm seus territórios ameaçados constantemente por madeireiras. As populações que habitam essas áreas, por sua vez, acabam cedendo às tentações por conta da falta de opções de renda. Elas põem suas áreas à disposição para planos de manejo predatórios, muitas vezes por preços irrisórios.
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“O madeireiro é o primeiro a bater na porta depois que a terra é titulada, e muitas vezes essa relação não é boa. Os quilombolas assumem uma responsabilidade de um projeto que eles não dominam plenamente. Áreas destinadas ao plano de manejo são muitas vezes maiores do que as tituladas. Nas áreas onde há esse tipo de exploração, as comunidades não estão satisfeitas. Promessas de benefícios não são cumpridas, o que gera divisão dentro da própria comunidade. Não há conhecimento pleno dos acordos, e eles não contam com assessoria jurídica ou técnica por parte do governo”, explica Lúcia Andrade, coordenadora da Comissão Pró-Índio de São Paulo.
Já o representante das madeireiras, Luiz Alberto, expôs a verdadeira face do problema: “O processo legal demora três anos, o ilegal demora três dias. Mas é impossível se discutir desenvolvimento na Amazônia sem discutir floresta”, concordou.
Para Tarcísio Feitosa, assessor técnico do MPE (Ministério Público Estadual), falta uma política florestal clara. “Precisamos construir um pacto florestal na Amazônia, com participação das comunidades, das empresas e do governo. Floresta dá acesso a crédito, dá emprego, e isso é claro. Se não fizermos um pacto para e pela floresta, essa história não se transformará nunca. Há 15 anos eu venho fazendo o mesmo apelo.”
Planos não-sustentáveis
Com o debate, ficou claro que não basta ser legal para ser sustentável. Segundo Paulo Adario, diretor da Campanha da Amazônia do Greenpeace, os planos de manejo são tudo, menos sustentáveis. “A retirada de madeira legal é tão predatória e destrutiva quanto a de madeira ilegal, mas o Estado não se apropria dos recursos que ela proporciona.”
Apesar de delicado, o cenário parece não ser um caso perdido. De acordo com o procurador Ubiratan Cazetta, ainda há madeireiras bem intencionadas. Mas para o processo funcionar e ser proveitoso para ambos os lados, são necessários programas de governo, investimento e incentivo, além de fiscalização. “Para atender à demanda do mercado por madeira, são necessárias 28 milhões de hectares de floresta explorada. Hoje, o Estado só disponibiliza 3 milhões de hectares”, afirmou Cazetta.
Justiniano Neto, secretário do Programa Municípios Verdes, do governo do Estado, confirma que há muitas empresas de boa índole, mas que são inibidas pelo mercado da ilegalidade. “O que vivemos hoje no processo florestal é uma seleção natural às avessas. As empresas que têm potencial de induzir um bom manejo estão fechando, enquanto as outras prosperam e dominam. O ambiente legislativo institucional estimula a ilegalidade. Se não atacarmos na mudança desse modelo, para que um bom empreendedor consiga se firmar na Amazônia, não conseguiremos avançar. A sociedade precisa se opor ao desmatamento.”

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