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quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

A luta da Comunidade Repartimento pelo uso de seus recursos naturais - PARTE 1

Nos últimos anos a comunidade Repartimento dos Pilões passou a se mobilizar para defender seus recursos naturais. A contenda envolve a comunidade e as atividades da Jari Florestal em plantios de eucaliptos e exploração de madeira nativa. Neste primeiro relato, Dilva Araújo, liderança comunitária descreve a comunidade e o conflito existente sobre a terra na região:


"A história da Comunidade Repartimento

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Foto: Dilva Araújo


Quero contar uma história que muito me chama atenção de uma comunidade chamada Repartimento do Pilão. Em 5 de janeiro de 1960, montados em uns burrinhos por caminho de mata fechada, chegamos neste lugar. Acompanhados de nossos pais –  Sr. Osvaldo Antônio de Araújo e D. Isaurina Almeida de Araújo – e de outras famílias que vinham somente para a colheita de castanha, neste belo lugar que só existiam duas famílias (o Sr. Paraíba e D. Gita, Sr. Raimundo Lopes e D. Joana).

As famílias tinham roças, só tinham algumas plantas de raiz em seus quintais e não havia luz elétrica, era somente lamparina a querosene. Existiam duas estruturas, sendo um galpão de colocar a castanha e a cantina onde os castanheiros ficavam até irem para seus castanhais. Essas estruturas pertenciam ao comprador de castanha, o Sr. Otavio Simplício dos Santos, que morava na comunidade de Paga Divida.

 No final da safra de castanha meu pai e o sr. Jose Santana, resolveram não ir mais embora, aí que começou a agricultura na comunidade. em 1961, já tinham roças com plantios de mandioca, meu pai fazia farinha em um forno feito com duas latas de querosene, enquanto minha mãe moía milho em moinho para fazer cuscuz, complemento de nossa alimentação.

Foto: Dilva Araújo


Em 1962 já havia um morador, porém, ainda continuava ruim, não tinha estrada para irmos para a Comunidade Bandeira, tínhamos que ir montado em burros. No dia 24 de dezembro de 1962, meu pai faleceu... A coisa mais triste que aconteceu, mas mesmo assim, minha mãe e nós continuamos aqui. Em 1963 chegou um Sr. chamado Raimundo Coutinho, juntamente com o Sr. Feliz Matias de Sousa. Eles reuniram os homens que aqui já estavam e abriram uma estrada para que o carro chegasse até aqui. Não existia motosserra, só existia machado e facão, e esse cidadão tinha na época um trator pequeno, que ajudou a fazer a estrada e esse campo que hoje existe aqui na comunidade.

E assim foram se passando os anos e a comunidade foi desenvolvendo os trabalhos de agricultura e extrativismo.  Ai, chegou a vez de uma empresa chamada Jari, que mesmo trazendo alguns benefícios para a comunidade, junto veio muito sofrimento. Tudo era difícil: não podíamos fazer casa, só se fosse com ordem da empresa, pois os seguranças não deixavam e assim por diante.

A comunidade só deu passo melhor com a entrada dos prefeitos. Em 1985, um sr. Alfredo Hage, doou um motor de luz para nossa comunidade, isso foi uma alegria. Logo depois veio a Sra. Marta Feitosa e o Sr. Jaime Boi na Brasa, que presenteou a comunidade com a primeira televisão e antena parabólica.

Hoje graças ao nosso Deus, a comunidade já se encontra com escola, duas igrejas, uma evangélica e a outra católica, cada morador tem seu plantio. Os conflitos nunca deixam de existir, mas também temos uma associação que com muita luta esta organizada. Ah! Quero tirar uma dúvida a respeito deste nome de Repartimento do Pilão: primeiro, Repartimento, por existir um igarapé que se divide em três partes, segundo, Pilão, por ser o lugar de referência para chegar a comunidade.  

E, continuando a historia, quero lhes dizer que hoje, já tem pessoas que se deslocam de seus lugares para habitar aqui, no caso de algumas famílias que vieram de Altamira/Xingu para conseguir a sua sobrevivência neste lugar. Não tinham nada como quando chegamos, mas encontraram uma comunidade com muito mais. Uns vieram com vontade de trabalhar e ajudar a comunidade a crescer, como é o caso do Sr. Eugenio e sua família. Outros vieram somente para gozar do que já tinha e melhorar suas vidas, colocando bar na comunidade, fazendo roçado nas áreas de tradição dos moradores (em castanhais) que somente as pessoas que já moravam aqui utilizavam.

Em nossa comunidade cultivamos: mandioca, milho, arroz, feijão, banana, mamão papaia, também plantamos aqui plantas de raiz como: laranja, pupunha, manga, caju, abacate, acerola, cupuaçu, biriba, açai, cajá, jaca, graviola, noni, coco e jambo, também temos hortaliças: pepino, alface, couve, maxixe, cebolinha, cheiro-verde (coentro), salsa, pimentão, tomate, etc. Temos também criação de animais: pato, galinha, porco, gado, burro, carneiro e picote (galinha da angola).

Então, meus amigos, eu escrevo esta carta para que vocês saibam o que já passamos para chegar até aqui, para que outros venham se aproveitar de nossa luta, gostaríamos que os órgãos públicos entendessem o por que nós pedimos o documento (coletivo) para a nossa comunidade e nos ajudasse a melhorar a nossa tradição, porque somos tradicionais, temos 35 pessoa que trabalham na agricultura e na castanha e outros que só trabalham com a agricultura."
Dilva Araújo, liderança comunitária

Foto: Dilva Araújo


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