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domingo, 12 de abril de 2015

Lamberto, o Traumatizado: Troca aí

Lamberto, o Traumatizado estava empolgado com o Plano Real aqueles anos 1990. Tudo andava direitinho, o pão permanecia no mesmo preço em relação à semana anterior. Com 1 real, comprava-se muita coisa, a sardinha ou a conserva, quantos ovos então? O dinheiro rendia bem e mesmo sendo adolescente dos espinhentos, podia com pouco recurso manter a pomada de acnase em dia. 

Nesta nova economia brasileira, ia mais vezes às festas. Já dava pra garantir ao menos o do refrigerante para passar a noite e aqui e aqui um cachorro-quente. Torcia para passar férias na capital, gastar seu dinheirinho de rapaz trabalhador jarilense nas primeiras Micaretas importadas da Bahia. 

Os amigos do Jari montaram agenda conjunta para se encontrarem na Av. Presidente Vargas, em Belém, local onde desfilariam os trios elétricos. Lá vai Lamberto procurando seus conterrâneos no meio daquela multidão e lá ao longe reconheceu aquela fila caminhando comportadamente, olha lá, o Narina, o Fofão, o Talco, o Pium, o Frangão, o Mantena, e mais uns tantos em direção à esquina. Lamberto gritou eufórico: "EI GALERA, EU TAMBÉM VOU!!!". Na esquina, estacionados estavam os camburões da Polícia Militar recolhendo os brigões constantes da folia.      

QUÁ-QUÁ-QUÁ... Todos os policiais riram. "Vem moleque, vem também então...". Todos amontoados dentro do carro, canelas, sovacos, barrigas tudo numa mistura fedorenta dentro da viatura. O camburão pára. Um policial pega um adolescente ao caso e o agride com tapas e chutes. Joga-o novamente no carro que segue. Pára mais à frente. O policial puxa para fora Lamberto, e na primeira levantada de braço para a surra, Lamberto sugere: "Ei seu moço, não bate não, libera aí". "O que você pode fazer pela gente então ô molecão??", respondeu a autoridade já pensando na propina que iria pegar. Lamberto abre a carteira velha final de anos 1980 de forte velcro cujo barulho em sua abertura chamou a atenção de todos. 

Craaaaasssshhhh. 

Poxa, ali estava 50 reais. Seus 50 reais suados de jovem padeiro que o traziam rico para Belém a sonhar na farra de garotas e mais garotas a passear com ele pelas noites da cidade grande. Olhou para o Polícia carrancudo e propôs:

"Troca aí 50...".

QUÁ-QUÁ-QUÁ-QUÁ-QUÁ-QUÁ... Os policiais gargalharam. Os amigos gargalharam. Até o rapaz que tinha apanhado  ali amassado no canto da viatura rindo com a boca inchada, lacrimava não somente da dor, mas da proposta. 

Lamberto foi liberado, todo humilhado.


Nos dias de hoje, Lamberto jantava com os filhos Simone e Shana (outros traumatizados, coitados) na orla de Icoaraci, Belém, quando um mendigo pediu uma esmola. "Uma esmola pelamordedeus...". "Não tenho trocado, só de 50 reais". O mendigo folgado chamou a atenção do Garçom e pediu: "troca aí 50...". As cenas de encarnação e humilhação voltaram. Lamberto surtou:

"FILHO DUMA ÉGUA!!!".

Pulou no pescoço do pobre homem. Os filhos a duras penas conseguiram desatracar o pai antes que a polícia chegasse. Correram da cena do crime. O mendigo levantou-se sem entender nada, pegou sua sacolinha e levou consigo o peixe assado na telha abandonado pelos fujões.


Sem traumas.

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