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terça-feira, 27 de setembro de 2016

Crônicas do Corte: f (x) = y



Belém, 23 de setembro de 2016.


Tenho acompanhado o manejo florestal comunitário madeireiro desde o ano 2000. Tanto nas áreas de terra-firme quanto (e sobretudo) na várzea, por isso creio que possuo alguma experiência no assunto e até irei me arriscar neste texto, no cuidado de dizer que minhas avaliações tem o limite até o dia de hoje e amanhã nos reserva sim situações melhores, por que não? Quem sabe?

Na luta por protocolar, ver aprovados planos de manejo florestais de várzea e no acompanhar nestes anos todos dos manejadores e de técnicos de entidades de apoio para os licenciamentos ambientais para extrair madeira de forma manejada, percebi que o passo governamental altamente depende sempre dos mercados, das empresas, o que pode ter sido uma das principais causas do travamento da tão esperada democratização do manejo florestal comunitário madeireiro, com a mão protagonista das comunidades. Salvo as exceções de Arimum (Porto de Moz) e COOMFLONA (Santarém) que conheço (ressalto, aquilo que conheço, por favor peço mais casos para assim ficar informado e aprender), muito pouco foi efetivado no Estado do Pará, com dois exemplos citados tendo apoio verdadeiramente do Governo Federal. Do ponto de vista estadual, quase nada de relevante no tema. Porém, que interessante, com o avanço da regularização fundiária dos agroextrativistas, quantos pedidos de relação empresas x comunidades surgiram Pará afora! Protocolados na SEMAS (Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade). Levados a sério no afã que podem ser sustentáveis sem a devida formação comunitária em técnicas florestais e dos possíveis impactos de tais empreendimentos. Quando recordo que um assentamento agroextrativista estadual foi pensado em Portel para servir especificamente a uma empresa, o primeiro assentamento empresarial florestal do Brasil quase a sair, reforçou minhas dúvidas sobre o Pará. Protagonismo comunitário para o manejo florestal comunitário madeireiro fomentado pelo Governo Estadual? Ainda não conheço caso, hum-hum (negação paraense).

Sabe por que dessa situação no Estado do Pará? Talvez porque f(x) = y. Talvez devido às macro tomadas de decisão do Governo Estadual em seus setores agrários/florestais estarem em função das empresas, do agronegócio, do grande capital. Um companheiro de esquerda poderia dizer que escrevo o óbvio, mas é que é ainda me é estranho ver aquilo que é público a serviço do que é particular, em detrimento do que deveria ser da sociedade, na justa chance do acesso. Se não, como explicar como é tão difícil aprovar um plano de manejo florestal comunitário madeireiro sem a influência ou interferência de uma empresa na SEMAS? Como, apesar dos esforços e boas ideias dos técnicos das instituições governamentais como o IDEFLOR-Bio, não termos um processo educacional efetivo de manejo florestal no Estado? A resposta pode estar no gabinete do Governador pra cima , pois muito se aprendeu, muito se reuniu, muito se diagnosticou e pouco consolidou-se neste Estado. Permanece a presença da Unidade Produção Única (UPA Única) na legislação ambiental paraense. Um perigo para as comunidades em seus efeitos socioambientais que precisa ser eliminado enquanto método. Não se trata de vontade política. É a famigerada relação entre governo estadual de alta patente e a classe empresarial, onde o primeiro aparenta sempre depender do segundo.

Caso contrário, áreas coletivas comunitárias já deveriam estar sendo trabalhadas em seu Cadastro Ambiental Rural, fortalecidas a Emater para esta função. Só que não. Assusto-me ao testemunhar em campo e no mapa do SICAR os incidentes CARs empresariais em comunidades e até em unidades de conservação cujos tamanhos passam de 5.000 hectares brincando. Em outras áreas notoriamente públicas, existem vários casos de CARs tentando justificar posse, em dimensões superiores aos 2.500 hectares ainda que passáveis, somente após aprovação do Congresso Nacional[1] (Congresso Nacional...este congresso nacional temerário...). Até depoimentos de que não se poderia fazer CAR coletivo ouvi[2]. A porteira aberta em todo o Marajó de situações de uso indevido particular para grilar terras[3] e até de oficialmente tentar-se o leilão de terras amazônicas com gente dentro[4], com total desconhecimento da juíza que deliberou este ato, pertencente à Vara de Falências de Curitiba. Diante de tudo isso, a vagarosa resposta governamental federal e estadual em separar o joio do trigo. Em campo, na realidade, o receio das famílias em serem expulsas de suas terras voltou como um pesadelo que jurávamos estar ultrapassado. A intimidação madeireira a partir do CAR e seus eteceteras. Um Pará que não ajuda a reduzir sua fama de estado de injustiça e violento no campo[5].

Poderia comentar também das situações envolvendo o uso de agrotóxicos, com a diminuição da fiscalização estadual em descompasso com a aprovação de receitas de agrotóxicos prescritas[6], do licenciamento de grandes plantios no Marajó sem a devida observância dos impactos ambientais e leis fundiárias, do manejo florestal empresarial que tenta empurrar algumas comunidades de seus castanhais. São elementos que me dão desconfiança que f(empresas)=alto escalão do governo estadual para o manejo florestal madeireiro.

Por outro lado, percebo a elogiável iniciativa da sociedade em comunidades, STTRs, ONGs e mesmo órgãos estaduais técnicos em valorizar a floresta e inovar. Está em suas metas. Além disso, é preciso enfrentar a estrutura do patrão, o sistema, um posicionamento firme a ser declarado, a ser tomado. Não é tempo de coalisão com o Estado do Pará, desculpem até se não tenho mais paciência. É momento de outras alternativas e forte debate, afinal, a quem serve o serviço público paraense?

É necessário também reafirmar-se as instituições de interesse público para questões fundamentais como a segurança ambiental-fundiária. Não vale ficar em gabinetes discutindo formas de transformar o CAR em algo fundiário junto com o Instituto de Terras do Pará, sem passar por uma profunda discussão coletiva, pois a população rural e a floresta sofrem no final das contas. Recado dado, pois é ruim saber que enquanto falamos a uma comunidade que CAR não é documento de terra (correndo os riscos que hoje se passa), um novo instrumento no Estado envolvendo esta ferramenta se constrói à revelia da maioria sem incluir o que ocorre na real, a relação causa-efeito.


Para enfrentar a função matemática hoje preponderante? Educar. Escrever. Ir à campo. Olhar a floresta como um todo e achar nela a resposta pois lá está. Sempre esteve. Continuar a ser um bom servidor público e um engajado técnico ou liderança da sociedade civil no entender do jogo, no esmagamento de direitos que o capitalismo em que nos encontramos proporciona. É verdade, professor Tourinho, o capitalismo vive de derrotas.

Quem "odera" um novo Estado do Pará, mais justo e igualitário no meio rural. 

A plantinha a vencer o trator. Germinando.

Não é à toa que a Esperança é verde.






Pantoja Ramos



[1] Artigo 188, parágrafo 1º da Constituição Federal: “A alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional.” – grifo nosso.
[4] Veja Manifesto das entidades da sociedade civil contra o leilão de terras no Marajó - http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2016/08/nota-de-repudio-leilao-de-terras-nos.html
[5] A respeitável Publicação da Comissão Pastoral da Terra, Conflitos no Campo Brasil 2015, aponta o Pará nas seguintes posições: a) Violência Contra Ocupação e Posse da Terra – 3º Lugar entre os Estados Brasileiros em número de famílias envolvidas; b) 1º em Pistolagem; c)  1º Lugar em Número de Famílias envolvidas em conflitos pelo uso da água; d) 5º em casos de conflitos trabalhistas; e) 2º Lugar em assassinatos no campo; e) 1º Lugar em número de pessoas ameaçadas de morte.
[6] Informações que recebi na apresentação de um técnico do Ministério Público Estadual.

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