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terça-feira, 23 de maio de 2017

Ágape para a Mãe Terra



ÁGAPE Para a Mãe Terra[1]
Belém, pensando em Portel e Melgaço, 14 de maio de 2017.


Para expressarmos Amor à Mãe Terra, não podemos ser platônicos. Sentir o Amor definido por Platão como EROS, o Desejo, do querer aquilo que se não possui. O filósofo Clóvis de Barros Filho descreve este sentimento: “...amamos enquanto desejamos. A má notícia é que quando o desejo acaba é porque o amor acabou também, porque amor (de EROS) é desejo, é falta. ”[2]. Com isso, não podemos ser EROS perante a Terra, pois este, segundo os antigos gregos, é filho da deusa Penuria, uma senhora sempre faminta, sedenta, desejante, insatisfeita e filho de Astuto, engenhoso, cheio de recursos materiais[3]. EROS tem a característica de seus pais e por tal, é sempre conflitante diante da Natureza, sinônimo da Vida. Ele (EROS) a quer, a deseja, a cobiça, a maltrata, monta mil estratégias para consegui-la com o aparato que dispõe, porém, ao tê-la (a Terra), cai em melancolia. Mãe Terra é destruída, seja no momento do Desejo, seja no abandono causado pelo desinteresse. Um brinquedo que já perdeu a graça como por exemplo, a floresta empobrecida pelas madeireiras.

Será a nova frente de especuladores com seus megaprojetos e grilagem de terra possuírem o sentimento erótico pela Mãe Terra? Talvez a desejem, a queiram, mesmo que sem a devida importância para o significado da Vida, no afã de atender seus caprichos de consumismo que no final consomem o próprio desejoso e destrói tudo ao redor. Tal amor platônico não traz felicidade para nenhuma parte.

Mariana, ó, Mariana!!
Que a Justiça chegue ao teu Rio Doce assassinado!
Um Ecocídio é um Crime Contra a Humanidade!
Tudo por causa da Cobiça pela Terra!



Para expressarmos Amor à Mãe Terra, também não podemos ser tão apegados, pois a Mãe Terra não é pertencente somente a ti, mas ela é para mim, para nós, para a andirobeira, para a jandaíra, para a dourada, para o gato-maracajá, para o uirapuru. Aliás, tudo é dela. Tudo bem que o Amor de Aristóteles, chamado PHILIA, “é o amor pelo mundo, quando o mundo faz bem. Não é desejo, é alegria, ganho de potência e de energia vital diante de um mundo que já é o nosso”1, mas não podemos exagerar neste sentimento. Pois aí fica apenas a alegria de quem possui, a alegria de quem ama. A que custo? Sua alegria proporciona também alegria aos outros? A cerca de sua fazenda impede que uma mulher colete cocos do babaçu e assim possa manter seus filhos? Sua fazenda de tantos mil hectares (alegria de seus olhos) retira a chance de centenas de quilombolas para que estes possam ter o seu sustento? Tuas centenas de búfalos pisoteiam os rios que dariam água potável e agora só chega a lama às famílias agroextrativistas? Teu timbó novo que dá peixe fácil mata os filhotinhos de peixe que se espalhariam igarapés afora? Tua empresa assim rentável que ajuda a represar o Rio Xingu colabora com a destruição do meio de vida de povos indígenas? Tua alegria (PHILIA) é a deles? Tua lata de cerveja deliciosa para a tua mente jogada no rio não é uma violência à Mãe Terra? Tua alegria é a dela? A Mãe Terra é só sua?


Menino, pobre menino!
Morreu de um tiro dado por um dono de um terreno!
Por causa de uma manga!!
Manga que era a merenda naquela tarde vinda da escola!



Qual, afinal, o Amor que devemos expressar à Mãe Terra? O que ensina Jesus sobre o Amor, centenas de anos após Platão e Aristóteles? O que o ensinamento do Amor de Cristo, “Amai-vos Uns aos Outros como Eu Vos Amei”, denominado ÁGAPE[4], nos orientaria para uma Nova Era de uso dos recursos naturais?

Diz o filósofo Clóvis de Barros Filho: “... Por alguma estranha razão, no amor Ágape, você que ama recua para que o amado avance. No amor Ágape, o outro comanda o espetáculo, o amado é o centro de gravidade do afeto...”1. Ora, se o igarapé corre por entre as posses, se alimenta e nutre plantas e animais desde à sua cabeceira até a foz, não é possível ter-lhe o amor EROS de Platão (do desejo caprichoso), não é possível o amor PHILIA de Aristóteles (da alegria apenas para quem ama). São duas fórmulas de tratamento da Mãe Terra que não geraram sucesso ao longo dos séculos. Talvez por ser o igarapé um Bem Comum, uma parte da Grande Casa Comum, como diz a encíclica Laudato Si[5], seja necessário um Amor Maior, um Amor incondicional à Vida. Se a Terra é a nossa próxima por nos ofertar tudo de bom, comer, vestir, contemplar e religar ao que é Supremo, amá-la primeiramente seria uma forma de amor a nós mesmos, pobres humanos ainda em evolução. Jesus ao dizer: “Ninguém chega ao Pai senão por Mim”, dá a chance de entender que o Amor ÁGAPE pela Terra, nunca erótico, nunca apegado demais, nos eleva e nos justifica. Se eu amo minha filha ou meu filho mais do que a mim mesmo, se por eles sinto o Amor de Cristo, sinto Ágape, então é imperativo ter Ágape para a Mãe Terra que irá cuidá-los. Netos. Bisnetos. Trinetos.



Trineto agora te escrevo
"era uma vez um mundo feliz
quase morreu por culpa de alguns
mas o amor dos bons
me deu a chance de dizer: era uma vez..."[6].


Se eu pratico o Amor de Cristo certamente cuidarei da Terra. Se eu sinto este AMOR zelarei pela Humanidade e ambas, fortalecidas, terão carinho pela minha Memória quando eu me misturar à Terra, lugar para onde eu vou fisicamente, enquanto ÁGAPE procura meu espírito que tentou ao longo de minha passagem se aproximar. Será?

Só tenho uma certeza: é preciso ter ÁGAPE para a Mãe Terra.



Pantoja Ramos





[1] Texto elaborado para o Seminário Laudato Si, de 19 a 21 de maio de 2017, em Castanhal-Pa, da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM).
[5] CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI’DO SANTO PADRE FRANCISCO SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM – “Louvado sejas, meu Senhor», cantava São Francisco de Assis. Neste gracioso cântico, recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços: ‘ Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras’. Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou...”.

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