ÁGAPE Para a Mãe Terra[1]
Belém,
pensando em Portel e Melgaço, 14 de maio de 2017.
Para expressarmos Amor à Mãe Terra, não podemos ser
platônicos. Sentir o Amor definido por Platão como EROS, o Desejo, do querer aquilo que se não possui. O filósofo
Clóvis de Barros Filho descreve este sentimento: “...amamos enquanto desejamos.
A má notícia é que quando o desejo acaba é porque o amor acabou também, porque
amor (de EROS) é desejo, é falta. ”[2]. Com isso, não podemos ser
EROS perante a Terra, pois este, segundo os antigos gregos, é filho da deusa Penuria, uma senhora sempre faminta,
sedenta, desejante, insatisfeita e filho de Astuto, engenhoso, cheio de
recursos materiais[3].
EROS tem a característica de seus
pais e por tal, é sempre conflitante diante da Natureza, sinônimo da Vida. Ele
(EROS) a quer, a deseja, a cobiça, a
maltrata, monta mil estratégias para consegui-la com o aparato que dispõe,
porém, ao tê-la (a Terra), cai em melancolia. Mãe Terra é destruída, seja no
momento do Desejo, seja no abandono causado pelo desinteresse. Um brinquedo que
já perdeu a graça como por exemplo, a floresta empobrecida pelas madeireiras.
Será a nova frente de especuladores com seus megaprojetos
e grilagem de terra possuírem o sentimento erótico pela Mãe Terra? Talvez a
desejem, a queiram, mesmo que sem a devida importância para o significado da
Vida, no afã de atender seus caprichos de consumismo que no final consomem o
próprio desejoso e destrói tudo ao redor. Tal amor platônico não traz
felicidade para nenhuma parte.
Mariana, ó, Mariana!!
Que a Justiça chegue ao teu Rio Doce
assassinado!
Um Ecocídio é um Crime Contra a
Humanidade!
Tudo por causa da Cobiça pela Terra!
Para expressarmos Amor à Mãe Terra, também não
podemos ser tão apegados, pois a Mãe Terra não é pertencente somente a ti, mas
ela é para mim, para nós, para a andirobeira, para a jandaíra, para a dourada,
para o gato-maracajá, para o uirapuru. Aliás, tudo é dela. Tudo bem que o Amor
de Aristóteles, chamado PHILIA, “é o
amor pelo mundo, quando o mundo faz bem. Não é desejo, é alegria, ganho de
potência e de energia vital diante de um mundo que já é o nosso”1,
mas não podemos exagerar neste sentimento. Pois aí fica apenas a alegria de
quem possui, a alegria de quem ama. A que custo? Sua alegria proporciona também
alegria aos outros? A cerca de sua fazenda impede que uma mulher colete cocos
do babaçu e assim possa manter seus filhos? Sua fazenda de tantos mil hectares
(alegria de seus olhos) retira a chance de centenas de quilombolas para que
estes possam ter o seu sustento? Tuas centenas de búfalos pisoteiam os rios que
dariam água potável e agora só chega a lama às famílias agroextrativistas? Teu
timbó novo que dá peixe fácil mata os filhotinhos de peixe que se espalhariam
igarapés afora? Tua empresa assim rentável que ajuda a represar o Rio Xingu
colabora com a destruição do meio de vida de povos indígenas? Tua alegria (PHILIA) é a deles? Tua lata de cerveja
deliciosa para a tua mente jogada no rio não é uma violência à Mãe Terra? Tua
alegria é a dela? A Mãe Terra é só sua?
Menino, pobre menino!
Morreu de um tiro dado por um dono de
um terreno!
Por causa de uma manga!!
Manga que era a merenda naquela tarde
vinda da escola!
Qual, afinal, o Amor que devemos expressar à Mãe
Terra? O que ensina Jesus sobre o Amor, centenas de anos após Platão e
Aristóteles? O que o ensinamento do Amor de Cristo, “Amai-vos Uns aos Outros
como Eu Vos Amei”, denominado ÁGAPE[4], nos orientaria para uma
Nova Era de uso dos recursos naturais?
Diz o filósofo Clóvis de Barros Filho: “... Por
alguma estranha razão, no amor Ágape, você que ama recua para que o amado
avance. No amor Ágape, o outro comanda o espetáculo, o amado é o centro de
gravidade do afeto...”1. Ora, se o igarapé corre por entre as
posses, se alimenta e nutre plantas e animais desde à sua cabeceira até a foz,
não é possível ter-lhe o amor EROS de
Platão (do desejo caprichoso), não é possível o amor PHILIA de Aristóteles (da alegria apenas para quem ama). São duas fórmulas
de tratamento da Mãe Terra que não geraram sucesso ao longo dos séculos. Talvez
por ser o igarapé um Bem Comum, uma parte da Grande Casa Comum, como diz a
encíclica Laudato Si[5],
seja necessário um Amor Maior, um Amor incondicional à Vida. Se a Terra é a
nossa próxima por nos ofertar tudo de bom, comer, vestir, contemplar e religar
ao que é Supremo, amá-la primeiramente seria uma forma de amor a nós mesmos,
pobres humanos ainda em evolução. Jesus ao dizer: “Ninguém chega ao Pai senão
por Mim”, dá a chance de entender que o Amor ÁGAPE pela Terra, nunca erótico,
nunca apegado demais, nos eleva e nos justifica. Se eu amo minha filha ou meu
filho mais do que a mim mesmo, se por eles sinto o Amor de Cristo, sinto Ágape,
então é imperativo ter Ágape para a Mãe Terra que irá cuidá-los. Netos.
Bisnetos. Trinetos.
Trineto agora te escrevo
"era uma vez um mundo feliz
quase morreu por culpa de alguns
mas o amor dos bons
me deu a chance de dizer: era uma
vez..."[6].
Se eu pratico o Amor de Cristo certamente cuidarei
da Terra. Se eu sinto este AMOR zelarei pela Humanidade e ambas, fortalecidas,
terão carinho pela minha Memória quando eu me misturar à Terra, lugar para onde
eu vou fisicamente, enquanto ÁGAPE procura meu espírito que tentou ao longo de
minha passagem se aproximar. Será?
Só tenho uma certeza: é preciso ter ÁGAPE para a
Mãe Terra.
Pantoja Ramos
[1]
Texto elaborado para o Seminário Laudato
Si, de 19 a 21 de maio de 2017, em Castanhal-Pa, da Rede Eclesial
Pan-Amazônica (REPAM).
[5]
CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI’DO SANTO PADRE FRANCISCO SOBRE O CUIDADO DA CASA
COMUM – “Louvado sejas, meu Senhor», cantava São Francisco de Assis. Neste
gracioso cântico, recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar ora a
uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe
nos seus braços: ‘ Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que
nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e
verduras’. Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso
irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou...”.
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