A seguir transcrevo a carta que considero minha primeira epístola de fato como um incomodado além da minha engenharia.
Como me fizeram acreditar que os sonhos se realizam, essas pessoas do rio Acuti-pereira.
“Morcegos, comunidades e esquecimento
Belém, 12 de Julho de 2004.
Caríssimos:
Estive recentemente no município de Portel, mais propriamente nas
comunidades do rio Acoti-pereira a convite de um líder comunitário. O intuito da
visita era passar informações à associação anfitriã (localizada na comunidade
Santo Ezequiel) sobre o valor da ação coletiva e do manejo florestal para a
conservação dos recursos naturais da região do Estuário Amazônico.
Nas discussões que se seguiram com alguns membros da diretoria,
resolvemos adentrar no rio, visitando localidades como Nossa Senhora de
Aparecida, São Benedito e São Bento. Nesses logradouros, aconteceram os
ataques de morcegos hematófagos aos habitantes locais, cujo problema foi
divulgado nacionalmente pela incidência da raiva humana ou hidrofobia – se
não me falha a memória – nos meses de Março e Abril do corrente ano.
A enfermidade foi detectada em 15 pessoas, fato que acarretou uma
verdadeira operação de guerra para evitar novos casos da doença. Dessa
forma, agrônomos, veterinários, secretários de saúde de outras cidades,
enfermeiros e médicos passaram vários dias vacinando moradores, estudando
e prendendo animais, coletando sangue, enfim, atuando como uma tropa de
choque, sempre chamadas em ocasiões extremas como esta que vos digo.
Vice-governadora do estado do Pará e poder público municipal apareceram,
executaram, prometeram.
Passou-se o ápice da tragédia. Os habitantes da região foram
imunizados
(com “validação” da vacina de 06 meses a 01 ano, dependendo de cada
indivíduo), 15 mortes foram registradas (uma vez que os sintomas
aparecem, a mortalidade é altíssima) e decorreram-se 120 dias sem
grandes mudanças. Em
conversa com pessoas atingidas pelo problema, cujas famílias foram
esfaceladas pela fatalidade, foram apontadas promessas não cumpridas e
feitas durante discursos naquele momento de agonia pelas autoridades:
- A instalação de 01 posto de saúde na região do rio Acoti-pereira;
- Recursos para a construção de casas populares e outras obras
sociais; uns falam em R$38.000,00, outros em R$100.000,00. Independente
do
valor divulgado, o importante é mencionar que a obtenção de moradias
bem forradas é imprescindível para evitar novos ataques;
- Uma estrada ligando a sede municipal de Portel à região.
Senhoras e senhores, além desses compromissos não honrados até agora,
que por si só levantam dúvidas sobre a seriedade da condução do processo,
constatei ainda algumas situações que deixariam qualquer um preocupado com
o futuro daqueles lugarejos.
Não existe trabalho de agentes de saúde de maneira estratégica e contínua,
monitorando os residentes para possíveis surtos de raiva humana que possam
surgir novamente. Como argumento, ressalto a informação dada a mim que 04
trabalhadores rurais tinham sido mordidos por morcegos recentemente.
A higiene e a saúde das crianças são sofríveis. Do ocorrido dever-se-ia
aproveitar a ocasião para debater e agir para melhorar a qualidade de vida
infanto-juvenil, com acompanhamento e sensibilização para o uso de hipoclorito
na água dos rios para consumo, construção de sanitários mais apropriados
(muitas casas não tem) e tratamento dos males dermatológicos que são
verificados. Uma pena! Vi meninos e meninas de feições bonitas, porém,
precisando de cuidados corporais essenciais.
Outro ponto negativo é o não retorno dos estudos realizados com o sangue
coletado das famílias para análise e com os animais transmissores da
enfermidade à população do Acoti-pereira. Peço sinceramente que os
resultados (mesmo que preliminares) sejam socializados com o público
interessado, pois é seu direito ser sabedor do que está acontecendo. Se os
comunitários não possuem a base científica para entenderem, que os
intelectuais revolucionem a si mesmos para serem os mais didáticos que
consigam. Para se ter uma idéia, escutei de 03 moradores a noção (errônea, é
verdade) de que a vacina é que está matando, não a hidrofobia. Esclarecer é
necessário. Ensinar é fundamental. Perdoem-me a franqueza, mas não
podemos admitir que teses ou dissertações sejam feitas para elevarem o nível
de vida de uns poucos. É antiético.
Aos políticos do município: pensem antes nos portelenses do que em
partidos, eleições ou manobras eleitoreiras. Trata-se de uma questão
humanitária e não meramente de conjuntura política. Alerto a vocês que cada
vez menos daqueles eleitores “cinco reais” (aquele que vale uma camiseta de
campanha) estão a permanecer. Construir e não iludir, eis o caminho.
Às associações comunitárias de Portel digo que procurem não depender
tanto de outros mais endinheirados. Façam parcerias com aqueles que
desejam um bem mais duradouro para convosco. Torneios, camisas de time,
quartos de boi e outros brindes são apenas elementos de momento: seus filhos
são aqueles que irão ficar. Pensem nisso. Desculpem qualquer coisa.
Carlos Augusto Ramos.”