Belém, 22 de agosto de 2020.
Se eu não me engano, isso aconteceu em 1995.
Sinal que a memória anda já catando aqui e ali os pedaços do que foi vivido. Mas assim descrevo: estava na Estação Ferreira Pena, na Floresta Nacional de Caxiuanã em curso de férias promovido pela FCAP, hoje UFRA (anos depois um e-mail para Brasília exigiria que eu não entrasse nesta Unidade de Conservação, mas isso é outra história).
Eram tempos em que eu comia muito e dormia na mesma quantidade.
E não é que na Estação Ferreira Pena, apesar de toda estrutura inaugurada pelo príncipe Charles, não tinha escápula para atar as redes? Que engenheiros foram esses? Pra montar a baladeira, era preciso ter uma corda de pelo menos uns 3 metros pra dar a volta lá no alto, na tesoura do centro.
Lascou.
Minha corda era "gita".
"Caramba, vou ter que dormir no chão", pensei. As camas da estação estavam reservadas apenas para os pesquisadores e um ex-calouro como eu dificilmente iria conseguir esse luxo. Fiquei zanzando com a rede e a corda na mão.
Um pesquisador dormia na rede. Era um estadunidense que fazia intercâmbio e sua rede com um mosquiteiro estranho deixava à mostra uma corda imensa, mais de sete metros eu calculo, a ponto de enrolar-se no chão.
"Cara, tanta corda, e eu aqui andando doido pra dormir... Vou torar um pedaço da corda desse gringo".
Fui procurar uma faca na cozinha.
Mexe. Mexe. Mexe.
"Não tem faca aqui... ahhhh, achei essa peixeira! Deve servir".
E naquela 1 hora da manhã, com todos já dormindo, me aproximei da vítima. Cortaria a corda do gringo e amarraria minha rede no outro lado do salão.
Fui sorrateiro como uma osga (até aparentava de tão magro que eu era).
O homem dormia, roncava em inglês.
Comecei a cortar.
Corta. Corta. Corta.
"Vamo, faca!".
Os olhos do gringo se abrem e deparam-se com minha peixeira empunhada.
"HELP!!!!!!!! HELP!!!!!!!!", gritou o infeliz.
Eu disse, "Não, não, eu só quero um pedaço de corda" e gesticulei esticando o braço direito e tocando na altura deste braço com o dedo de minha mão esquerda. Tenta fazer aí, leitor.
Aí é que o senhor gritou:
"HELLLLPPP".
Obviamente todos acordaram.
Uma confusão danada.
"Eu só queria roubar um pedaço da corda dele...".
Resultado: arrumaram-me uma cama.
Dormi como o anjo que sou.
Fiquei ainda mais 3 dias em Caxiuanã.
O pesquisador estrangeiro?
Continuou também por lá na estação.
Quando me enxergava, se esgueirava pelas paredes.
Será que ele lembra de mim?