Jatobá. Imagem: G. Ferreira
Crônicas do Corte: Mata-calado[1]
Belém, 09 de novembro de 2017.
Gracialda Ferreira[2]
Carlos Augusto Ramos[3]
Eis que na tarde do dia 9 de novembro de 2017, Gracialda Ferreira contou-me a história do Mata-calado:
“Em uma floresta no meio da Amazônia, um grupo de
identificadores de plantas vindos de outra região do Brasil passaram a semana
toda trabalhando em um inventário florestal. Aproveitaram para colher seiva de
jatobá (Hymenaea courbaril L.) que seria usada em um momento de lazer, vejam só: como cachaça (a
seiva do jatobá após a fermentação tem teor alcoólico). Após sete dias, a seiva armazenada já estava fermentada e logo o grupo
de trabalhadores, conhecedores das plantas, se organizaram para um churrasco,
com este aperitivo. Enquanto três deles se arrumavam, o quarto preparou o fogo
e colocou a carne para assar. Quando este foi tomar seu banho, os demais iniciaram
a degustação da seiva, mas quando o rapaz que foi tomar banho retornou estavam seus
companheiros ali mortos. Tinham se enganado e colhido a seiva de MATA-CALADO (Stryphnodendron paniculatum Poepp. &
Endl.), árvore da Amazônia com as características do tronco muito parecidas com
o jatobá, com seiva altamente tóxica que acabou por vitimar fatalmente aqueles
que ironicamente eram pessoas conhecedoras das árvores”.
Trágico.
Depois desta história, professora
Gracialda continuou me alertando da importância de aprofundar-se o aprendizado
da Botânica em sua teoria e prática. Na aula que tive, percebi que as
instituições que tratam do manejo florestal na Amazônia esqueceram (ou
negligenciaram?) de conhecer de fato as espécies florestais trabalhadas,
principalmente no setor madeireiro.
Carapanãs me zunam no ouvido! Quer
dizer que existem vários planos de manejo florestal madeireiros por aí afora
que não fazem a mínima avaliação taxonômica (taxonomia – na biologia é o ramo
responsável pela identificação e classificação de todos os animais e plantas
que habitam a Terra, com base nas diferentes características que possuem[4])!
Imagino processos de certificação florestal que também falham neste aspecto,
concessões florestais, etc.
Para entender a confusão acima, basta
perguntar no mato para um conhecedor de plantas ou mateiro: “qual árvore é esta? ”.
O outro responderia: “Louro”.
“Qual Louro? ”.
Se ele conhecer bem a região vai
apontar “Louro-vermelho”. Beleza, segue o inventário. Comumente segue-se sem
coletar-se folhas, cascas, etc., para saber se é mesmo Ocotea rubra Mez. Pode existir naquela mata uma espécie de louro ou
outra planta parecida a enganar até mesmo os mais experientes, como no caso do
Mata-calado.
O problema é que o setor florestal
madeireiro tratou as riquezas que trabalham como garimpo. E todo garimpo junta
o que há de mais danoso numa região, ambientalmente falando, no cúmulo do
capitalismo. Ganância. É um problema tão complexo que não basta acusar
técnicos e mateiros, o que não resolve, mas sobretudo educar, dar condições às
instituições de ensino e pesquisa de estarem juntos nesse aperfeiçoamento das
pessoas, luta diária mesmo. O acadêmico respeitando o conhecimento tradicional.
O conhecimento tradicional agregando outras formas de conhecimento. Entretanto,
difícil é este país que sequer olha o ensino médio, o que diria da
especialização e qualificação dos identificadores botânicos e engenheiros
florestais neste quesito. Momento de refletir e assumir a posição de
transformar a maneira como manejamos a floresta para fins madeireiros, com zelo
a cada espécie utilizada. Flávio Santos, da UNICAMP, que estuda os efeitos do
manejo florestal madeireiro atualmente praticado em estados como o Pará
comenta: “Manejo sustentável é, sem dúvida, muito melhor do que a terra arrasada
pelo desmatamento generalizado... Só que dizer que isso é sustentável, não dá
para afirmar.[5] ”.
Na medida que buscamos conhecimento e
saímos de nossos muros universitários, vamos de encontro à verdade que a mata
sempre nos falou, mas que surdos, negligenciamos enquanto sociedade.
Professora Gracialda alerta: “...E
dessa forma estamos nós a cada dia matando a biodiversidade, trocando, algumas
vezes ingenuamente e outras (a maioria das vezes) espertamente mata-calado por
jatobá, mogno por andiroba, gato por lebre ... parece que é uma ação sem
consequências, mas dessa forma vamos matando a cada dia nossa cultura, nossos
recursos florestais, nossa Amazônia. O que é sustentabilidade se achamos que
não é importante conhecer as espécies antes de determinar seu uso?”.
Boa pergunta, professora.
Boa pergunta.
Mata-calado a floresta.
[1]
Texto “bolado” numa rodada de conversa após reunião no IEB sobre o Plano de
Manejo Florestal Comunitário da Associação dos Moradores da Gleba
Acuti-pereira, ASMOGA.
[2]
Engenheira florestal, Doutora em Botânica pelo Instituto Jardim Botânico do Rio
de Janeiro - JBRJ.
[3]
Engenheiro Florestal, consultor socioambiental