Confesso. Estava chateado com o Natal. Sequer um enfeite em casa quase chegando dezembro. Não teria motivos.
É tanta carestia que impedi até então a própria mente de desenhar uma árvore de natal, plastificada ainda por cima, como artificial se tornou a vida. De uma cultura colonizadora que esmagou a ideia indígena do que seria um final de ano (que obviamente não coincide com o Ocidente) ou de dias festivos de convite ao Amor, à Solidariedade, ao Respeito. De cultura hegemônica que insiste em não nos apresentar a belíssima espiritualidade dos povos malês, sudaneses, angolanos, moçambicanos, senegaleses em louvar a bem-aventurança.
São tantas mortes causadas pela Covid-19 pelo hediondo governo que se apossou deste país que embrulha-me o estômago a ter que aceitar na mesma mesa aquele parente fascista convicto que votou na perversidade e também aquela parente que flerta com o ex-juiz ladrão, como se o número 17 fosse apagado de sua testa infame.
Minhas dívidas me perturbam.
Minha rua alaga toda vez que chove, num inverno amazônico esticado perigosamente este ano a mostrar que as consequências ambientais de nossos atos nos forçam a prestar contas.
E a praga de um banqueiro continua a parasitar o Orçamento Geral da União, junto com seu bando comer 40% daquilo que deveria servir ao povo.
E a praga do fazendeiro-gafanhoto permanece a derrubar milhares de árvores, antecedido pelos madeireiros criminosos. Que garimpeiros furiosamente agridem o Rio Madeira em estocadas fatais em nome da ganância.
E o preço do açaí tá aumentando para desespero de nosso sagrado hábito de beber o santo vinho de Iaçá.
Respiro fundo e lembro Paulo Freire: "Indignação sim, raiva não... Indignação sim, raiva não...". Mantra.
E eis que surge a foto: a foto do jornalista João Paulo Guimarães, aquele que se importou com a cena anestesiada para muitos de nós. Do menino que no lixão de nossa civilização, achou uma árvore de natal usada, arrepiada, maltrapilha. Limpa, limpa, brilha seus olhos para o Natal. Percebam a íris, o olhar esperançoso para arvoreta que enfeitará sua modesta moradia. O sonho é que faz o Lar.
Estou desconcertado.
Céus! O Menino sonhou com um Natal Digno!
Céus! O Jornalista sentiu que era seu dever mostrar ao Mundo este erro da Humanidade!
Céus! A Foto rodou o país.
Céus, Padre Júlio Lancellotti elogiou, abençoou e divulgou!
Céus, que pessoas estão a ajudar o menino e sua família!
Um ato de Comunhão! Daquilo que a Santa Ceia avisava.
Como eu sou estúpido! Como poderia deixar a Esperança me escapar? Corre não, me espera Esperança!
Alcancei-a.
Ufa! Você anda rápido, hein?
Podemos caminhar? Faz tempo que a gente não conversa.
A propósito, eu já desejei para você um Feliz Natal?
Feliz Natal.
:)