“…É tempo de caminhar em
fingido silêncio, e buscar o momento certo do grito…”
Conceição Evaristo/ “Tempo de
nos aquilombar”.
Carlos Augusto Ramos[1]
Santarém, 18 de fevereiro de 2020.
Caríssimas
e Caríssimos,
A
Resistência é inevitável!
O ano de 2019 foi marcado pela
prática de beócios teorizada por seus líderes infames. Atitudes que mataram,
violentaram, ameaçaram, intimidaram. Um laboratório de bizarrices
institucionais que somente uma Democracia muito adoentada seria capaz de
permitir. Da decisão de pessoas sem preparo e perversos que possuem hoje a decisão
na caneta de quem deve viver ou morrer.
E nesta carta, cujo tema tenho
escrito desde 2016, mantenho a ideia de analisar quanto o Marajó tem
recebido em investimentos do Governo Federal, cifras que confirmam que o Brasil
possui tantas pendências que sua demanda maior é reconhecer-se realmente, nesta
redenção que envolve a justiça em relação os povos originários e quem foi sequestrado para a
escravidão. Se permanece a teima em não fazer o melhor para a sua população, uma nação não
se justifica e cada vez mais se capsula em um clube, a elite reacionária que nos é cancro. Se não corrigimos nossa História, nada mais somos que um clube em que 99% de seus sócios pagam, porém não podem entrar.
Nesta continuidade de informação dos
Repasses Federais ou Investimentos Federais aos Marajoaras (IFM), eis que em
2019 foram transferidos segundo Portal da Transparência do Governo Federal[2] o
total de R$ R$ 883.285.332,05 (oitocentos e oitenta e três milhões, duzentos e
oitenta e cinco reais e cinco centavos) para os 16 municípios do Marajó[3], onde
vive uma população estimada em 564.149 (quinhentos e sessenta e quatro mil,
cento e quarenta e nove) habitantes, de acordo com estimativas do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatísticas[4] para o
ano de 2019.
Comparando com o desempenho dos anos
anteriores, entendo que se começa a perceber o efeito da Emenda
Constitucional 95[5],
conhecida como Lei do Teto de Gastos Públicos. Ora, para um país que tem
reduzido a sua capacidade de enfrentar a pobreza, os valores de investimento
em 2019 de R$1.537,04 para cada habitante no Marajó – o equivalente a R$128,08/habitante.mês
– certamente não fazem frente de nenhuma maneira aos processos de
empobrecimento das pessoas hoje avistados. Ridiculamente estamos em patamares de investimento governamental inferiores aos valores limites de renda consideradas de extrema-pobreza, de R$140,00 mensais, hoje parâmetro do Banco Mundial.
Temo pelas crianças.
O interessante é notar que cerca de
62 milhões de reais entraram a mais no orçamento dos 16 municípios do Marajó em
comparação a 2018, ano de aprovação deste orçamento executado em 2019. Ressalto que na comparação 2017-2018, houve uma queda de 41 milhões nos recursos destinados a tais localidades.
Quando analiso o gráfico dos repasses
absolutos, um “quase” me vem à cabeça. Quase 1 bilhão de reais foram investidos
no Marajó em 2015. Um crescimento que foi abatido pelo Golpe de 2016,
transformado em lei na Emenda Constitucional 95. Enquanto isso, bancos
privados continuam a devorar o Orçamento Geral da União na promiscuidade entre
eles e o Banco Central, com pistas incríveis de lucratividade imoral que chegou a 68
bilhões de reais envolvendo Itaú Unibanco, Santander Brasil e Bradesco[6] em um só
ano. Os Marajoaras em seus cerca de 560 mil habitantes mal sabem que poderiam
seus municípios chegarem a 1 bilhão em investimentos da União. Contudo,
esse valor está escondido lá nos bilhões captados do Tesouro
Nacional pelos credores provavelmente de maneira irregular para ser gentil[7].
Em 2020 se realizará mais um Censo da
População, cuja análise pode tirar Melgaço da condição de pior Índice de
Desenvolvimento Humano do país. Ou se repetirá essa posição? Ou a União não logrou
retirar os melgacenses de sua dificuldade em acessar políticas públicas? Em 2021
saberemos. Só o que posso afirmar é que fechamos a década com este município em
2019 tendo o valor de R$1.825,48 (R$152/habitante.mês) investidos para cada um
de seus moradores, onde paira em mim a grande dúvida do quanto seria o VALOR
MÍNIMO DA DIGNIDADE (VMD) que tal população mereceria, em um país que ainda
sonha em ser uma Nação.
Enquanto isso, ver o céu como um
sonho de brandura, seja por chuva, seja por sol ainda é maior em seu significado do que descer os
olhos para os nefastos seres que cultuam a morte lá de seus podres poderes.
E não pensem que desistiremos. Haveremos de vencer.
[1]
Engenheiro Florestal, Consultor Socioambiental, nascido em Portel, registrado
em Belém, criado no Jari.
[2]
Disponível no sítio da internet http://www.portaltransparencia.gov.br/localidades/busca/lista?termo=&letraInicial=&pagina=1&tamanhoPagina=10.
[3] A
saber: Afuá, Anajás, Bagre, Breves, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho,
Gurupá, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Salvaterra, Santa Cruz do
Arari, São Sebastião da Boa Vista e Soure.
[5] A
política do “teto dos gastos” foi aprovada em 2016 por meio da Emenda
Constitucional (EC) nº 95. Tal lei prevê que, durante 20 anos, as despesas
primárias do orçamento público ficarão limitadas à variação da inflação. Para
Grazielle David, assessora política do Inesc - Instituto de Estudos
Socioeconômicos; conselheira do Cebes - Centro Brasileiro de Estudos em Saúde
em artigo publicado pelo sítio OUTRAS PALAVRAS, o “Tripé macroeconômico”
neoliberal e teto de gastos adotado pelo Governo Temer devastaram o
investimento público e levaram o Estado a desrespeitar sistematicamente os
direitos sociais. Disponível na íntegra no sítio https://outraspalavras.net/sem-categoria/por-que-revogar-a-emenda-constitucional-95-2/.
[7]
Uma das práticas ilegais, segundo Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da
Organização Não Governamental Auditoria Cidadã da Dívida, é o Anatocismo.
Esse ato se caracteriza pela cobrança de juros sobre juros envolvendo dinheiro
público quando do pagamento dos credores destinado pelo Orçamento Geral da União,
incrivelmente permitido pelo Banco Central e julgado ilegal inclusive pelo
Supremo Tribunal Federal. Ler mais sobre a dívida pública em http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/32656-divida-publica-e-juros-quem-paga-a-conta-entrevista-especial-com-maria-lucia-fattorelli.