segunda-feira, 29 de julho de 2019

Comunitarista



Baía de Melgaço, 11 de junho de 2019.


Pessoas que se equilibram nesta imensa corda bamba que é o século XXI. Percebam-me na voz que apresento ou nas letras que registro. Urge dar consistência ao movimento do COMUM! De entender a firme sentença da menina de tranças e sardas daquele país frio que eu juraria ser menina dos povos originários desta Terra, um enredo do arco e da flecha!

É tempo de erguer a cabeça e envergonhar-se com altivez (eis o paradoxo) de nossas atitudes sem responsabilidade com as próximas gerações, vergonha esta imperativa de ser reconhecida mas sem subterfúgios, sem arrodeio, diretamente no ponto certeiro que além de não estarmos evoluindo, não estamos permitindo a evolução de outros seres vivos, tão tóxicos que caminhamos! Olhar para o passado refletido no homem que pesca no rio de que nem sempre fomos assim nefastos, enganados fomos por nossa  petulância ao descobrir o átomo, construir o rádio, voar em máquinas, desenhar e até imitar o DNA, escanteado o socrático ditado de que tudo que sei é que nada sei. Nossa vaidade cegou-nos.

No fetiche destas tecnologias e materialismo, fechou-se nossa mente para a repartição e não venha me dizer que é um direito infalível a propriedade privada mal orientada por John Locke (acorda!) pois a água da ribanceira que lá está ou estaria é um bem para matar a sede de muitos, da sua família e da minha, por quê só a sua merece viver? Se pensas neste exagero da Phillia, não és da mesma espécie que sou, qual espécie luta pelo suicídio?

Se ao contrário, se tocam seu coração tais linhas, são pelas centelhas de Empatia que nos une, apesar de todas as teorias que desagregam, fruto de ilustres de ciência destacada (que pensavam) mas sem consciência (que sabiam que pensavam e indagavam por sua origem). Evolução que não passa pela lei do macho Alfa, forte nos chipanzés e seu patriarcalismo, porém pelo feminino dos bonobos onde o compartilhar é verbo quase como respirar. Um rio e uma montanha os separam, exemplo para visualizarmos, aprendermos e exercitarmos o bendito Livre-Arbítrio: qual trilha seguiremos?

Agora vejo uma baía, que junta obviamente cursos d'água por sua definição e que também traz para junto de si o Sol, o Peixe, A Ave, a Canoa, a Rede, a Pessoa e o Amanhã, pois presume-se que haverá outro dia de alimento e disso deveríamos estar certos em nossas projeções. Mas na lógica anti-comunitarista, a própria Esperança se vê ameaçada e deturpada, logo ela que julgávamos indestrutível! Esperança não é se não seguimos, não é se não fazemos. EsperaFaz seria um termo mais incomodante para essa sua preguiça de existir, ó criatura! Para proteger a Esperança, há de ser ESPERAFAZ!

Vivemos em busca de nossa sobrevivência, percebes? Sobrevivência cada vez mais conectada com a obrigação de revolucionar nossas relações interpessoais, filosóficas, sociais, econômicas. Tudo com o esmero e a provocativa de sermos parte da natureza, não como um vírus que desgraçadamente mataria o planeta, mas como algo simbionte que nos alimentou enquanto éramos povos migrantes coletores e caçadores. Que ingratos! Agora que nos estruturamos, assassinamos nossa mãe? Quem nos levou pra este mal? Nós mesmos? Somos de índole autodestrutiva? Entendo que mostramos esse caráter de autodestruição frequentemente, contudo, mais frequente é o ato de amor aqui e ali e acolá, vês nas religiões? Atos de bem-querer que ocorrem mais COMUMENTE do que se imagina.

O sábio da América Latina, aquele que passou 7 anos na prisão, avisa que no fundo somos em um mesmo ser pensante individualistas (a marca do capitalismo enquanto institucionalidade) e empáticos (marca do socialismo enquanto institucionalidade), numa briga feroz tal qual tensiona o Yin e o Yang, na ironia que um não vive sem o outro, na saúde dessas energias quando ocorre o equilíbrio. Mas não, Humanidade! Pendeste a balança para o capitalismo, para deixar a heresia de uma pessoa não ter o direito sagrado de alimentar-se pelo menos 2 vezes ao dia, como já diziam os hebreus há milhares de anos. Caímos no conto do capital, onde seu objetivo tão claro e desnudo e chegar ao cúmulo de si mesmo, não importando a consequência das espécies que mataremos, inclusive a nossa. 

Nesta correlação de forças, há de sermos COMUNITARISTAS! É mais do que mais-valia, é mais do que a luta de classes (porém seu entendimento muito nos ajuda perceber as injustiças). É uma reflexão-ação que deve incluir cada esfera deste planeta, biosfera, ionosfera, estratosfera. 

Por outro lado, a Fera Humana precisa ser subjugada.

Quando do devir dos passos até o final do ciclo de nossa caminhada na Terra, que estejamos de mãos dadas, comuns de coração, felizes, apesar de concluirmos que nada é para sempre, com exceção da energia cósmica do amor.

Que possamos irradiar esse sentimento pelo universo para que os viajantes curiosos digam sobre nós: A HUMANIDADE SE JUSTIFICOU!

COMUNITARISTAS (vem você também, Marx)! Uni-vos!




domingo, 28 de julho de 2019

Crianças Nascidas de Mães Adolescentes no Marajó

Caríssimas e caríssimos,

Compartilho abaixo os dados que este Blog sistematizou da página do DATASUS na internet sobre o percentual de crianças nascidas no Marajó de mães com até 19 anos de idade no período de 2009 a 2017, último ano de levantamento.

Na outra tabela, o número absoluto de crianças nascidas de meninas com até 14 anos de idade.

A seguir, os gráficos que acompanham a média no Marajó e os municípios com maior número de crianças com até 14 anos.














Se é verdade que a sociedade é maior que qualquer governo, temos aí um problema antes de tudo de sociedade para enfrentarmos.

Para vossa reflexão e ação.


quinta-feira, 11 de julho de 2019

Crônicas do Corte: o legítimo ocupante de áreas rurais segundo o Estado do Pará, a balbúrdia que me deixa grilado...




Carlos Augusto Ramos[1]

“Esta terra é desmedida
e devia ser comum,
Devia ser repartida
um toco pra cada um,
mode morar sossegado.
Eu já tenho imaginado
Que a baixa, o sertão e a serra,
Devia sê coisa nossa;
Quem não trabalha na roça,
Que diabo é que quer com a terra?”
A Terra dos Posseiros de Deus – Patativa do Assaré

Hábito que tenho ao ler normas e leis é focar nas regras, nos parágrafos, nos imperativos, proibições, autorizações, deveres e direitos, no limite de minhas capacidades por não ser da área do Direito. Normal, pois é o que interessa na maioria das pessoas, na objetividade de ver quem ganha e quem perde nos marcos legais que se estabelecem. Nesse sentido, entendo que é um marco a nova lei de terras do Estado do Pará, lei n° 8.878, de 8 de julho de 2019, que dispõe sobre a regularização fundiária de ocupações rurais e não rurais em terras públicas do Estado Pará e que revoga a lei n°7.289, de 24 de julho de 2009; e o Decreto-Lei n°57, de 22 de agosto de 1969.

Para fugir do trivial e diante do nosso quadro político desde 2016, passei a prestar mais atenção nos conceitos das leis. Observo que ganham espaço nos últimos anos entrelinhas, tons, subtons e eufemismos que delicadamente entretecem perversidades no Estado de Direito, minando-o e legitimando violações na Constituição, ferindo-a, num passo posterior de violência física, muitas vezes sem o agredido saber de onde veio a justificativa da retirada de seus antes entendidos direitos. Assim é o congelamento dos gastos públicos por 20 anos (agora 19 anos, ufa!) pelo Governo Federal[2]; assim é o subjetivo termo “sob forte emoção” para um policial atirar em alguém, de acordo com a proposta de pacote anti-crime do Ministro da Justiça (?); assim é a prisão de uma pessoa por “atos indeterminados”. A cobra aprendeu a não ser objetiva: subjetivamente ela se arrasta em direção às suas presas.

E seguindo essa reflexão de definições e conceitos, reparei no artigo n° 5, da Lei 8.878, no seu entendimento sobre legítimo ocupante de áreas rurais:

“... pessoa física ou jurídica com ocupação consolidada (em exercício de atividade agrária) ou que pretendam exercer atividade agrária em terras do Estado...”.

Interessante é jogo de significados das palavras legítimo (fundado, amparado na lei, legal; ditado, justificado pelo bom senso, pela razão, justo, razoável), ocupante (que ocupa neste caso a área pública) e pretendam (que não está na área pública, porém intenciona estar ou possuir). Instigador é pensar nisso a partir do monitoramento que as entidades do movimento social do Marajó (principalmente FETAGRI[3] e CPT[4]) fazem do Cadastro Ambiental Rural – CAR, um registro eletrônico ambiental que não dá direito à posse, contudo, tem gerado muita balbúrdia (situação confusa; trapalhada, complicação). Para Moreira (2017), na natureza jurídica do CAR, a lei prevê claramente que “o cadastramento não será considerado título para fins de reconhecimento do direito de propriedade ou posse...”[5]. Porém, denúncias do Grupo Carta de Belém (2018)[6] apontam para o uso do CAR de má fé como um instrumento de grilagem e promoção de conflitos:

“Os erros de inscrição e validação no sistema de cadastramento não foram corrigidos, agravando-se conflitos fundiários devido à confusão realizada pelo CAR entre a análise ambiental e de posse e propriedade de terra... a situação é ainda mais grave para os casos em que os povos e comunidades tradicionais não tem oportunidade de inscrever-se no CAR e de manter a sua inscrição válida no sistema”.

Na própria página da internet, o Serviço Florestal Brasileiro admite que existem na Região Norte do Brasil, 97 milhões de hectares de áreas cadastráveis para o CAR, porém, com 145 milhões de hectares cadastrados[7]. No Marajó, por exemplo, o monitoramento até 2018 apontava para 61,3% da mesorregião marajoara cadastrada no sistema CAR, maior que a área destinada, hoje em 41,9% (Ramos, 2018[8]), com casos conflituosos envolvendo este registro eletrônico. Já estou acostumado com a frase “CAR não legitima posse”, mas na dura realidade da desinformação e truculência nos interiores do Pará, garimpa-se legitimidade não por meio de bom senso ou justiça. É a mentira, “mentirando, mentirando”, como diz um sábio que conheci, numa situação que não é, dizendo-se que não é, mas nos fatos, gente e empresas pretendentes da terra pública cadastrando, cadastrando, expulsando até[9]. Algo que instrumentalmente me recorda a Pós-Verdade[10].
São pontos como os anteriormente referidos que me deixam grilado. Um incômodo... aquela palavrinha, pretendam... No conceito, no entendimento pelo Governo Estadual. A brecha que periga romper a barragem das más intenções de especular sobre a terra (o fundiário), a água (os aquíferos de água doce, maiores do mundo na Amazônia) e o ar (créditos de carbono nas bolsas de valores sem o conhecimento das comunidades). Tudo executado na surdina por aprovar na Assembleia Legislativa Paraense em primeiro e segundo turno de um único dia tal lei, mesmo com todas as ponderações dos perigos de agravar os conflitos no campo e aumentar ainda mais os índices de desmatamento.

Um grilo me sonda a mente.

Um gafanhoto voa para a mata.

Baratas Kafkianas da Pós-Verdade.





[1] Engenheiro Florestal, consultor socioambiental, ganhador da Medalha Qualidade de Vida Ambiental no Pará, outorgado pela Assembleia Legislativa do Estado do Pará em 2017, a mesma ALEPA que aprovou a Lei de Terras do Pará em 2019 sem escutar os clamores da sociedade sobre seus riscos ambientais e de geração de violência. Menciono pela ironia que passou a ser este prêmio para mim.
[2] Ler a Emenda Institucional 95 de 2016.
[3] Federação dos Trabalhadores Agricultores e Agricultoras no Estado do Pará.
[4] Comissão Pastoral da Terra, regional Marajó.
[5] MOREIRA, Eliane. 2016. “Cadastro Ambiental Rural: a nova face da grilagem na Amazônia?” Sítio da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente. Belo Horizonte, 7 jul. Disponível em: http://www.abrampa.org.br/site/?ct=noticia&id=230 . Acesso em: 10 de julho de 2019.
[6] Grupo Carta de Belém. 2018. Denúncia: Invisibilização dos Povos e Comunidades Tradicionais no CAR. Disponível em https://www.cartadebelem.org.br/site/denuncia-invisibilizacao-dos-povos-e-comunidades-tradicionais-no-car/ . Acessado em 10 de julho de 2019.
[10] Pós-verdade é um neologismo que descreve a situação na qual, na hora de criar e modelar a opinião pública, os fatos objetivos têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais.