segunda-feira, 30 de abril de 2018

Mais Valia

Abaetetuba, comunidade Laranjituba, 28 de abril de 2017.




Sou um pobre catador de latinha
Do meu esforço o feijão e farinha
Te alimento
Do meu suor eu sustento
Só não vale dizer que não tento


Sou homem que trabalha no mangue
Caranguejo meu parceiro de sangue
Se duvidas
Repares as marcas da vida
Só não digas que minha luta é perdida


Sou um pobre catador de esperança
Trago um fardo que a ideia me lança
Espalhar
Para modo de você ir juntar
Meu trabalho e o seu misturar


Sou o porteiro daquela escola
Cumprimento o seu dia na hora
Com sorriso
Mesmo em casa sem lajota no piso
Não ajeitei pois ando bem liso


Latinha
Caranguejo
Esperança
Sorriso


Por que protestar?
Meu trabalho valorizar


Sou uma pobre a vender um biscoito
Faço isso desde cedo aos dezoito
Sobe e desce
Cada ônibus faço uma prece
Um bombom pro cobrador que merece


Sou uma pobre que corrige uma prova
Eu semeio e colho geração nova
Novas mentes
Pedacinhos de anjos emergentes
E pensar que agora uso lentes


Sou assim de lutar na cozinha
Nesta quentura e com esta touquinha
Meu tempero
Cuidado com muito esmero
Que esteja bom de sal eu espero


Biscoito
Caderno
Esperança
Tempero


O que vou exigir?
O que é justo pra mim e pra ti


Nós somos lutadores de fé
A igualdade nutre o homem e a mulher
Tão bonita
A dívida que a gente então quita
A Casa Comum nos habita


Nós somos despertadores do dia
E travesseiros no final de uma lida
E o cansaço
Se alimenta do passo
Que não recebe um abraço


Então me dê um abraço
Pra acabar o cansaço
Dia primeiro eu quero um abraço
Quem trabalha sabe bem o que eu faço



Pantoja Ramos
do Recanto das Letras

domingo, 22 de abril de 2018

Caverna do Dragão


Ponta de Pedras, 22 de abril de 2017.


Certo Cabral chegou no Monte Pascoal
Ao Panamá, crachá, riqueza e um canal
Solano Lopes um tirano animal

Duarte Pacheco de fininho pelo Rio
"Os Miseráveis" panamenho ninguém viu
um contrabando na fronteira do Brasil

um busto estátua
embuste solta

meia Verdade
meia História
uma coisa é a Verdade
a outra é a História

decorar pra não errar
Memória curta vem a calhar

um holandês queria ser um recifense
um militar da roubalheira descontente
um banco-estado que apóia toda gente

o holandês Mariocay de Gurupá
o general, o Jari-ouro e  o garimpar
a castanheira solitária a pagar

e quem te salva?
a torre alta?


meia Verdade
meia História
uma coisa é a vista
a outra é a Memória


decorar pra não errar
a minha História apagar


telejornal e o recorde de audiência
o empresário um exemplo de decência
o Evangelho narrado com eloquência

a emissora, os recursos e o fisco
um pobre jovem quando sabe é um risco
a verdadeira missão de Jesus Cristo

lá vem a onda
lá vem a ronda

meia memória
meia História
uma coisa é a Verdade
a outra é História 
 
 
Pantoja Ramos
 
Publicado na página Recanto das Letras.

sábado, 21 de abril de 2018

Mibaraiós: Memória Musical


Iphan e Museu Goeldi entregam Fortaleza de Santo Antônio de Gurupá recuperada


Foto: Sérgio Alberto

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Museu Paraense Emílio Goeldi realizaram a recuperação da Fortaleza de Santo Antônio, que a partir do dia 20 de abril de 2018 passa a ser conhecido pelo grande público. A exposição Gurupá na Encruzilhada da História apresenta os achados arqueológicos realizados durante as ações de recuperação que iniciaram em 2014[1]. A ideia é que após o período de inauguração, a Fortaleza seja também sede da Secretaria Municipal de Cultura e um Museu Arqueológico aberto à visitação.

Foto: IPHAN


Os pesquisadores do IPHAN e Museu Goeldi encontraram na região mais de 50 sítios arqueológicos na região, o que leva a uma estratégia do projeto para além dos muros do Forte, pois considera-se que a cidade de Gurupá está quase toda assentada em um grande sítio arqueológico. Portanto, há muito trabalho para os jovens historiadores e arqueólogos, riqueza desta ciência para nos empoderar. Para isso, é fundamental a mobilização da sociedade gurupaense para a proteção deste patrimônio, ligada à nossa formação enquanto amazônidas.


Fonte: rede social de Gurupá


A Fortaleza de Santo Antônio, tombada pelo Iphan em 1963 foi construída em meados do século XVII, após a fundação de Belém, em 1616. Naquele momento histórico, as forças lusitanas direcionaram-se a Corupá[2], na calha do rio Amazonas, para expulsar os holandeses instalados em uma construção fortificada armada num lugar conhecido como Mariocay[3], que dava nome à nação indígena local, a quem se tem poucos registros[4].
 
“A história escrita de Gurupá começa com uma guerra”, afirma o Bispo Erwin Klauter[5] sobre a origem da localidade, marcada de batalhas travadas entre holandeses, portugueses e nativos mariocay. Com a vitória portuguesa, restaurou-se as paliçadas e o forte provisório, com nome agora em homenagem ao santo católico Santo Antônio de Corupá, em vigilância apontada para o estuário amazônico. Ao longo dos séculos, o local passou por diversas modificações, momentos de abandono e promessas de restauração, concretizada em 2018 pela mobilização das entidades responsáveis e habitantes de Gurupá.

Foto: Carlos Ramos


Ou Corupá?

Ou Mariocay?
 
Senhora Memória, como és gentil e capaz de amedrontar os opressores...


 


[1] Sobre a recuperação da Fortaleza, acessar o link do IPHAN para mais informações - http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/4613/exposicao-arqueologica-marca-entrega-da-fortaleza-de-santo-antonio-do-gurupa-pa
[2] Corupá chamado pelos portugueses, depois derivando para Gurupá pode ter origem na associação de palavras Iguaru = canoa e pába= porto, iguarupaba.
[3]  Os holandeses chamavam de Mariocay o grupo de índios que viviam no local onde atualmente é a cidade de Gurupá. Segundo Gilvandro Torres (http://gilvandro-gilvandrotorres.blogspot.com.br/2015/09/um-pouco-da-historia-dos-mariocay-em.html), acredita-se que os holandeses fizeram amizade com os índios e até comercializavam produtos, num sistema produtivo indígena que envolvia o que vinha das roças, pesca de tartaruga e seus derivados como o óleo, caça de animais silvestre (pele de onça) em troca de espelhos, roupas e utensílios para agricultura.
[4] Girolamo Treccani e Paulo Oliveira estudaram a região e descrevem que única informação disponível  sobre  a presença destes povos  está   esculpida  no  obelisco  do  forte onde se fala da: “aldeia dos Mariocae” e se afirma terem eles pertencido: “a Nação dos  Tupinambá”. Recomendo baixar a Tese de Doutorado de Girolamo Treccani sobre a Regularização Fundiária em Gurupá em http://www.ppgdstu.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses/TESES/2006/GIROLAMO%20DOMENICO%20TRECCANI.pdf
[5] KRAUTLER, Erwin, Celebrando a Caminhada, Gurupá, dezembro de 1997, mimeo. 


terça-feira, 10 de abril de 2018

Dois Dedos de Revolução



Carlos Augusto Ramos[1]


Caríssim@s Manos, Mãe, Tios, Primos, Guerrilheiros,

Meu pai, senhor Waldir Coelho Ramos, foi um operário, trabalhador de fábricas, principalmente de Indústrias de Celulose, se especializando e passando boa parte de sua vida neste setor. Era um técnico mecânico muito talentoso segundo os que o conheceram no trampo. Aliás tenho família com tradição na geração de bons profissionais na arte de lidar com equipamento industrial. Eu, longe disso, segui torto.

Seu Waldir e eu não conversávamos muito sobre a vida, a não ser que ele estivesse “animado” pela cerveja de fim de semana. O “Ué?” era o sinal, assim eu já sabia que ele iria abrir o verbo alegremente. Acabei me aperfeiçoando na arte de conversar com ébrios. O segredo é não falar muito e prosear com os olhos, mostrando expressões de concordância, discordância e ponderação, mas de respeito acima de tudo. Neste último domingo, no retorno de Curralinho a Belém no Navio Baluarte, um senhor que lembrava seu Waldir, da mesma idade aparentemente, mesma fisionomia e mesma galhofada embriagada se aproximou e puxou conversa comigo. Me surpreendi com a semelhança, o que me fez buscar o velho método para prosear longamente. Ele falando sem parar no seu linguajar de língua atropelada, eu calado, sentenciando cada frase com gestos e pequenas mímicas. A saudade que despertou e o contexto atual me levaram a aqui escrever uma passagem familiar e política.

Eu respeitava meu pai, não somente porque se deve respeitar um pai, mas porque ele tinha uma mão pesada (risos), principalmente naquela mão direita que tinha o dedo indicador a faltar um pedaço, perdido em uma máquina quando ainda era jovem aprendiz. Pobrezinho.

Ele não falava muito sobre isso e eu nunca toquei também no assunto. Tinha a impressão que ele tinha nascido daquele jeito, quando minha mãe e tios me contaram do fato. De minha parte, nunca me dirigi à esta amputação até o ano de 2002.

Eram tempos de eleições. De um lado José Serra, o candidato para substituir Fernando Henrique Cardoso mantendo a mesma linha governante. Do outro, Luís Inácio Lula da Silva, “Lulinha Paz e Amor”, naquela chance que tínhamos dele finalmente ser eleito e mudar o país em favor dos pobres, apesar da Globo[2], apesar da Regina Duarte[3].

Certo dia:

“Pai, tudo bem? ”, começo de ligação Belém – Dias D´Ávila, Bahia.

“Tudo, filho”.

Seu Waldir de meio de semana era sério. Sisudo. Depois de indagar como ele estava, tentei a novidade de puxar conversa de algo sei lá, amplo, político.

“Pai, em quem o senhor vai votar pra presidente? ”.

“No Serra”.

“Por que? ”

“Porque o Serra é melhor, mais preparado”.

“Mas pai, o senhor devia votar no Lula”.

“Que Lula que nada! ”.

Pronto. O tom de voz era familiar. No subtom dizia “Eu sei o que tô falando e tu não sabe! ”.

Pronto. Aí baixou o rapazote encrenqueiro que resolve responder ao pai. Há anos eu tinha superado a fase rebelde (não sei, será?). No calor do quase-debate, disse a frase mais cruel da minha vida a alguém, logo para uma pessoa tão amada.

“Pai, respeita o seu dedo torado!!”

“Quê??? Seu Muleque!”.

Bateu o telefone na minha cara. Toda razão. Não julgo. Uma coisa é certa, se eu tivesse falado na sua frente, aquela mão pesada iria me acertar entre o pescoço e a nuca. Aquela do dedo torado.

Semanas se passaram. Não falava comigo.

De repente, trocando falas com minhas irmãs, contaram-me que estranhamente meu pai começou a deixar a barba crescer naqueles tempos, coisa que não fazia. Um dia me ligou. Tratava-se do outro Waldir, o alegre.

“E aí filho? ”.

“Tudo bem pai? ”.

“Eu tô aqui pra dizer que nós vamos ganhar! ”.

“Quem pai? ”

“Ué? Nós! Vai dar Lula na cabeça!!”.

“Ahhhhh, tá, tá bom, pai...”.

Não consegui entender a mudança. Porém, fiquei matutando, matutando, acho que meu pai olhou pro dedo do Lula. Pode ter pensado: “Esse cara foi um lascado que nem eu fui. Perdeu o dedo no trabalho de fábrica que nem eu perdi, pode ser que ele queira realmente mudar as coisas pro trabalhador. Eu quero”.

Lula venceu e o resto da história nós sabemos. Dos erros de Lula, dos acertos de Lula. Da esperança que foi Lula, do medo que Lula venceu. Da cortina afastada pra mostrar que cada um de nós, mesmo de origem pobre, pode ser presidente de uma nação se antes de tudo houver comprometimento com a melhoria das condições de vida do povo.

Esse episódio amenizou em mim a imagem que meu pai era um operário que não questionava seus patrões. Enquanto isso eu seguia com meus amigos na bandeira de luta pelos que vivem sem justiça social, no sofrimento diante de tanta violência institucional nas bandas do Marajó da floresta.

Meu pai partiu deste plano terrestre em maio de 2016, de complicações advindas do alcoolismo. Uma luta sofrida entre o Waldir sisudo e o Waldir alegre. Ao encontrar no final do ano passado meu tio Walter, irmão de meu pai que ainda mora em Portel, conversamos muito sobre quem foi o Waldir. Meu tio no seu descrever esbravejou, o criticou, contou que muitas vezes não se davam bem, mas também riu à beça das memórias, o admirava. Certa hora, quando contei que eu tinha me tornado uma pessoa muito diferente dele, meu tio corrigiu-me.

“Carlinhos, tu não sabe? Ele nunca te contou quem ele queria ser? Ele me disse”.

“Não tio, não sei, quem ele queria ser? ”.

“Fidel Castro”.

Quando cheguei na praia do Arucará, em Portel, agora sozinho, me toquei dos livros que ele sempre me presenteava, mais do que brinquedos. Contemplei minha mão, encolhi parte do meu dedo indicador, sorri e perguntei:

“Ué? ”.









Belém, num dia “discunforme” chuvoso, 10 de abril de 2018.





[1] Engenheiro Florestal, consultor socioambiental.
[3] Veja a Regina Duarte com medo do Lula - https://www.youtube.com/watch?v=DEeNSkXn5mY