Belém, pensando em Bogotá, na Bahia, no meu bairro e em toda a Terra, 26 de março de 2020.
Em 2019, no março mais frio que já passei na vida, estava eu ainda percebendo a Colômbia, cujos trabalhos de consultoria voltados para o açaí me proporcionaram conhecer este magnífico país da América Latina. Num portunhol improvisado, conversava com as pessoas, prestava atenção aos lugares, adaptava-me nas ruas de Bogotá, 18 graus para este marajoara que tremia enquanto procurava um lugar para almoçar que tivesse preços mais populares.
Encontrei um pequeno restaurante onde estava à porta um elegante senhor de terno, gravata e sapatos sociais, de aparência calma e idade que eu chutaria entre 70 e 75 anos. Lembrei-me do professor Manoel Tourinho. Só que era uma versão de quase 2 metros de altura.
Quando avistei a placa das comidas, vi que os preços estavam ótimos. Entrei. O alto ancião chegou-se a mim e balbuciou palavras que não pude entender a não ser as palavras "la sopa". Ele perguntou novamente:
- Não senhor, eu não quero sopa.
- Por favor, la sopa, caballero?
- Não, não, eu quero comer carne.
A senhora dona do estabelecimento se aproximou, captou que eu era um estrangeiro naquela dificuldade de tentar explicar o que eu queria para aquele grande homem, que calmamente sorria para mim.
- Caballero, buenos días, este caballero quiere que le compres sopa.
- Ele quer que eu compre uma sopa? Ele tá pedindo uma sopa para mim?
- Sí.
Eu estava espantado por conta daquele homem bem vestido me pedir comida. Que preconceituoso fui.
- Está Bien, le compraré la sopa.
Ele se curvou para me agradecer, apertou minhas duas mãos e assim foi para uma mesa no canto do pequeno restaurante comer com toda calma aquela sopa que julguei ser tão quentinha, tão quentinha, que aqueceu em mim continuar saber mais sobre ele.
- Perdon, ¿este hombre no tenía Seguridad Social (Previdência Social)?
- No, no, en Colombia todos pagan su pensión. Eres privado (a Previdência é privada) y el no puede pagarlo.
E agora, enquanto escrevo estas linhas, penso em toda parte da humanidade que passa dos 60 anos, muitos sem ter a quem recorrer nestes difíceis tempos de Covid-19 que nas estatísticas mostra-se implacável com os idosos e frágeis de saúde. Penso naquele cavalheiro que deve estar no frio de Bogotá a enfrentar dois invisíveis assassinos: o Coronavírus e a Mão Invisível do Mercado.
Penso em minha mãe, de 66 anos, que jovem enfrentou e superou um coma causado pela eclâmpsia. Que enfrentou e superou um câncer de útero há 15 anos e que agora em março enfrentou e saiu (hoje, inclusive) da UTI depois de uma infecção generalizada. Agora ronda um Coronavírus espalhando-se pela Bahia, onde ela está.
Penso nos meus amigos e amigas veteranos de luta por direitos, todos eles, todas elas, que espero que a vida de alimentação saudável dos rios e igarapés e brio lhes seja fortaleza.
Penso no senhor que sempre avisto fazendo obras aqui no Bairro e que não se recolheu conforme as recomendações porque precisava trabalhar.
São por eles que não saio de casa e cumpro a quarentena.
Por toda a pobreza e miséria que combato, não tenho dúvidas ao esclarecer para aqueles que dizem: "devemos pensar na renda das pessoas que precisam ir trabalhar".
- Ei! Não jogue o povo de encontro ao vírus! Incentive o Povo contra os Banqueiros!
Renda básica é uma necessidade para todos que pode ser perfeitamente obtida pelos gestores.
Peço uma sopa quentinha para uma Humanidade doente e precisando de carinho.