Núcleo de Extensão
em Desenvolvimento Territorial
(NEDET/Marajó/CODETEM).
1. INTRODUÇÃO
Os programas de transferência de renda têm influência
direta nas práticas ou hábitos alimentares de grupos ou sociedades. O acesso a um padrão de consumo mais
elevado pelas famílias beneficiárias modifica, de certa forma, as práticas
alimentares locais, positiva ou negativamente, dependendo da situação e das
escolhas dos próprios beneficiários.
Programas de transferência direta de renda
condicionada têm como objetivos o alívio imediato da pobreza e da extrema
pobreza em curto prazo, elevar o investimento no capital humano em longo prazo
e, principalmente, a quebra do ciclo de transmissão da pobreza entre gerações.
O Programa Bolsa Família (PBF), em 2015, beneficiou
quase 14 milhões de famílias, com benefícios médios de R$ 163,57. O valor total
transferido pelo governo federal em benefícios às famílias atendidas
ultrapassou os R$ 2 bilhões de reais, representando cerca de 0,4% do Produto
Interno Bruto – PIB do país. Porém, além dos impactos sociais, o PBF representa
impacto significativo na atividade econômica, uma vez que para cada R$ 1,00
investido no programa, o mesmo representa um aumento de R$ 1,78 no PIB,
possuindo uma relação custo x benefício
amplamente benéfica na economia do país.
No Estado do Pará, segundo o Relatório de Informações
Sociais do Brasil, existem 1.376.705 famílias cadastradas no Cadastro Único
para Programas Sociais do Governo Federal (CADÚnico), famílias que possuem
renda de até meio salário mínimo por pessoa ou renda total de até três salários
mínimos. Desse total, 913.985 famílias recebem o benefício do PBF. No Território
do Marajó são 99.619 famílias cadastradas e 78.573 famílias beneficiárias do
programa, movimentando um montante de R$ 17.617.230,00 em 2015.
2. CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA
Foram realizadas
visitas em cinco municípios do Território do Marajó (Cachoeira do Arari,
Salvaterra, Curralinho, Melgaço e Portel), no período de agosto a novembro de
2015. Foram entrevistadas 50 famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família,
sendo 10 em cada município. Objetivou-se, com esses municípios, alcançar
famílias pertencentes às três microrregiões do Território do Marajó (Figura
01), obtendo maior representatividade territorial nas informações. Os dados
foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, listagem livre e
questionário sobre consumo de diferentes grupos alimentares. O roteiro foi
dividido em três seções: a) dados socioeconômicos e hábitos alimentares; b)
informações sobre (in)segurança alimentar e; c) informações sobre o destino
dado aos recursos recebidos do Programa Bolsa Famílias, com dois focos, geral
(gastos realizados) e específico, gastos com alimentação.
3. A INFLUÊNCIA DO BPF
NA MESA MARAJOARA
A renda, proveniente dos
benefícios do Governo Federal, aparece como a principal fonte de renda fixa das
famílias. Além do benefício do Programa Bolsa Família, a aposentadoria e o
seguro defeso foram citados pelas famílias entrevistadas. Das 50 famílias, 18
(36%) declararam ter alguém da família que recebe a aposentadoria e 13 (26%)
recebiam o seguro-defeso, um benefício financeiro temporário fornecido aos
pescadores durante o período do defeso. A maioria dos entrevistados foi
mulheres (73%) com renda inferior a 01 (um) salário mínimo (36%), idade entre
40 e 50 anos, respectivamente 25% e 21%, e com baixo nível de escolaridade
(Ensino Fundamental incompleto,75%), tendo estudado até a 4ª serie ou 5º ano
(29%). O número de pessoas por unidade familiar ficou na faixa de 2 a 4 pessoas
(52%).
O recurso proveniente dos programas de transferência direta de renda,
como o PBF, apresenta uma importância relevante no que tange às estratégias
desenvolvidas dentro da unidade familiar, principalmente, pelo seu caráter
mensal e fixo e, portanto, confiável. A liberdade na forma de investimento do
recurso, a autonomia na tomada de decisão sobre em que, como, e onde aplicar
esse recurso, acarreta melhoras no bem-estar social das famílias beneficiárias.
De maneira geral, conforme observado na pesquisa, o recurso é
destinado para suprir as necessidades mais imediatas da unidade familiar, mas
principalmente à compra de material escolar e de uniforme para as crianças, à
aquisição de equipamentos eletrônicos e outros bens (geladeira, televisão,
ventilador, bicicleta, entre outros) e, principalmente, à aquisição de
alimentos.
“pra roupa, pra remédio, pro alimento, pra tudo eu
tiro desse dinheiro, pra me manter, eu e meus filhos... (Ribeirinha,
Portel).
“quando chega o tempo do meu benefício, eu venho,
“arrecebo” [recebo] compro meu pirão, né, arroz, feijão, carne, frango... (Pescador, Melgaço).
A renda proveniente do PBF possibilita o acesso a um padrão de
consumo mais elevado pelas famílias beneficiárias, possibilitando a compra de
bens, anteriormente, não acessíveis devido à falta de uma renda fixa. Essa realidade,
segundo os entrevistados, reflete na qualidade de vida das famílias, tendo em
vista que após o recebimento do benefício “ficou mais fácil pra
conseguir as coisas”, “o benefício ajudou na compra de outros alimentos”,
“ajuda na complementação da alimentação”.
Observou-se um
aumento significativo na quantidade e na variedade dos alimentos adquiridos
pelas famílias (Figura 2). Pode-se observar um maior consumo de proteína tanto
de origem animal: carnes (58%), ovos (50%) e leites e derivados (50%) quanto de
origem vegetal: Feijão (72%). O consumo de Cereais aparece na segunda posição
com um aumento de 66% entre os entrevistados, principalmente, de arroz, farinha
e macarrão.
Esse
consumo foi observado nas principais refeições do dia, principalmente no
almoço, considerado a refeição mais importante pelas famílias locais, devido à
necessidade de “ser uma
refeição mais completa” –
completa no sentido de maior quantidade. Durante as entrevistas, o termo
quantidade foi muito utilizado para descrever saciedade, pois ocorrendo o
almoço em um horário intermediário, meio do dia, é dele que as famílias tiram
as energias para o trabalho e para as demais tarefas do dia.
O maior consumo de feijão e arroz
nas práticas alimentares das famílias marajoaras pode ser relacionado a
“hábitos alimentares compartilhados e socialmente sancionados pela população
brasileira”. Neste contexto, existem práticas alimentares que são
características comuns ao longo da população brasileira, consequentemente, pode
ser observada nas diferentes regiões do país, inclusive no Território do
Marajó.
“antes
assim, eu não sabia o que era comer um feijão, comer um arroz, um macarrão, uma
comida temperada com uma cebola, um óleo, agora, assim, já consigo comprar” (Agricultora, Melgaço).
O consumo de frutas (50%) e hortaliças (46%) apresentou variação menor,
uma vez que o consumo desses alimentos não sofre influência direta do
benefício, pois, segundo os entrevistados, as frutas são “produzidas”
localmente, ou seja, suas aquisições provêm diretamente da unidade familiar,
dos quintais e das áreas no entorno das propriedades. Apesar do autoconsumo,
poucas famílias afirmaram incluir com frequência frutas, verduras e hortaliças
nas refeições diárias, demonstrando a necessidade de atividades educativas
junto aos beneficiários, que aborde a importância de uma dieta variada, que
incluam esses produtos.
Podemos observar que os cereais (arroz), leguminosas (feijão),
grãos (milho), tubérculos e raízes (mandioca, macaxeira) constituem parte
importante nas práticas alimentares das famílias marajoaras, sendo a base nas
refeições, pois são os alimentos que dão “força” para o trabalho, e sua
produção é destinada tanto para o autoconsumo quanto para complementação da
renda familiar, assim como, nas relações de vizinhança (trocas).
“macaxeira, eu não gosto de vender, só tiro pra comer
[...] quando dá bem esse negócio de jerimum, milho, maxixe e cana, quando dá,
assim, mais “avortado”, aí dá pra gente vender um pouco [...] o milho, o feijão
a gente sempre tem, troca por ali por um cafezinho, uma fruta, uns trocados
[...] assim vamos levando (Agricultora, Portel).
A variação no consumo de açúcar (54%) e
óleos e gorduras (58%) foi elevada. Muitas famílias, durante as entrevistas,
comentaram o consumo de: sardinhas em conservas, salsichas, carnes enlatadas e
de macarrão instantâneo, demonstrando um aparecimento constante desses
alimentos nas refeições, embora dissessem que “não houve diferença” no consumo
acarretado pelo recebimento do benefício. Esse aumento da inserção desses
alimentos nas práticas alimentares das famílias locais ocorre devido ao baixo
custo desses produtos em relação aos alimentos naturais (frutas e verduras), da
praticidade e da grande aceitação por parte, principalmente, das crianças e dos
jovens.
O consumo de doces e biscoitos é
elevado e foi, constantemente, relacionado a um passado de dificuldades e de
baixo poder aquisitivo. Foi comum, durante as entrevistas, as famílias
admitirem comprar determinado produto, pois na infância, seus pais, não tinham
condições financeiras de adquirir e, nos dias de hoje, com uma renda melhor,
acesso a crédito e maior confiabilidade nos mercados locais, buscam proporcionar
um padrão de vida aos seus filhos que não puderem usufruir.
4. CONSIDERAMOS
QUE:
Os programas de transferência
condicionada de renda influenciam diretamente nas práticas alimentares locais,
uma vez que possibilitam uma ascensão social em relação ao aumento do poder aquisitivo
dos beneficiários.
No que concerne às mudanças nas
práticas alimentares, o recebimento do benefício proporcionou o acesso a uma
alimentação mais variada e em maior quantidade, embora, às vezes, não
suficiente para durar o mês inteiro.
Os beneficiários tiveram mais acesso a
produtos “nos dias de hoje” que “nos tempos anteriores” tinham mais dificuldade
com: proteína de origem animal (derivados do leite e, principalmente, carne
vermelha e frango); proteína de origem vegetal (feijão) e um maior aporte no
consumo de cereais (arroz, macarrão, farinha), fontes de carboidratos,
alimentos essenciais no fornecimento da energia necessária para a condução das
atividades desenvolvidas na localidade: agricultura, pesca e extrativismo.
A renda, proveniente dos benefícios,
proporcionou um aumento no padrão de consumo das famílias, as quais puderem
acessar produtos tanto alimentares quanto não alimentares que antes não era
possível, devido à renda baixa e instável. Porém o benefício acarretou o
aumento no consumo de produtos de baixo teor nutricional (doces, biscoitos,
açucares, óleos e gorduras) e pouca relevância no consumo de verduras e
hortaliças, indicando a necessidade de atividades educativas juntos às famílias
beneficiárias, sobre a importância de dietas mais variadas e ricas em
nutrientes, provenientes de produtos naturais como frutas, verduras e vegetais.
Agradecemos aos
parceiros CNPq/MDA; municípios visitados durante a pesquisa; CODETEM, e as
famílias que nos receberam com toda paciência.
(*) A versão original
deste texto foi publicada na revista Scientia
Plena, vol. 12, nº 06/2016, www.scientiaplena.org.br