Pollyanna Coêlho de
Sousa
O Serviço Florestal Brasileiro
(SFB) até o final de 2018 era uma unidade vinculada ao Ministério do Meio
Ambiente. Desde a sua criação em 2006, por meio da Lei 11.284 de Gestão de
Florestas Públicas, tem objetivado “a missão de promover o conhecimento, o uso
sustentável e a ampliação da cobertura florestal, tornando a agenda florestal
estratégica para a economia do país”.
Um dos pilares iniciais do SFB
foi a implantação das chamadas concessões
florestais, contratos que permitem a exploração de madeira por empresas em
florestas públicas. Tais permissões só ocorrem após passarem por um processo
licitatório em que prevalecem o melhor preço pago ao Estado Brasileiro pela
extração da madeira em pé, melhor plano de manejo florestal e melhores estratégias
de beneficiamento dos produtos florestais madeireiros e geração de empregos nos
lugares onde é implementado. Ao contrário do que se previa, tendo por base as
denúncias de que poderia ser uma maneira de privatização da floresta, gerou um amplo debate e operacionalização do uso
florestal promovido pelo Estado Brasileiro. Antes da lei 11.284, as empresas
entravam em qualquer área pública, exploravam, criavam o conflito e se retiravam,
quase nada a deixar em termos de arrecadação para os cofres públicos. Não que isso
não ocorra hoje em dia, porém, é matéria resolvida na lei que toda exploração
madeireira empresarial em florestas públicas sem plano de manejo e sem gerar arrecadação
é crime ao meio ambiente e ao tesouro.
Hoje cerca de 1,018 milhões de
hectares estão destinadas para 12 concessões federais em regime de manejo florestal
que respeita os ciclos de corte.
Em 2017, segundo o relatório de monitoramento do SFB, arrecadaram-se 6 milhões
de reais
de um total de 174 mil metros cúbicos explorados, valores repartidos entre a
União, Estados e Municípios. Para se ter
uma ideia de escala de valores, no mesmo ano de 2017, o município de Portel-PA,
Marajó, segundo estudos do IBGE/PEVS,
movimentou cerca de 217 milhões de reais a partir da comercialização de 990 mil
metros cúbicos de madeira em 2016. Quanto
poderia arrecadar Portel se considerado o Imposto Sobre Serviços?
Quanto desse volume de madeira (990 mil metros cúbicos) vem de áreas
particulares? Teriam madeira de florestas públicas? Se comprovado que sim, que houvera exploração indevida em florestas públicas, qual é a dívida destas empresas ao
Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, que recebe os recursos da
exploração em florestas públicas?
Infelizmente, alguns processos de
outorga florestal culminaram na assinatura de contratos com empresas para a
exploração de madeira falhando em casos como da Floresta Nacional de Caxiuanã
no Pará
e Flona Saracá-Taquera
quanto ao reconhecimento do uso legítimo da terra e dos territórios das
comunidades tradicionais locais. O artigo 6º da Lei 11.284 é até hoje um dos
mais valiosos da Lei 11.284 em termos de defesa de direitos dos povos e
comunidades tradicionais, o qual deve ser observado e respeitado.
Não é justo que comunidades destas Florestas Nacionais que vivem há gerações
não tenham seu Contrato de Concessão de Direito Real de Uso como no caso das
famílias de Caxiuanã, enquanto que em curto prazo empresas recebem sua
concessão florestal.
Em se tratando de comunidades
tradicionais, além da Gerência Concessões Florestais, outra importante gerência
era abrigada no SFB: a de Florestas
Comunitárias. Este departamento lida com a maior área somada de florestas
públicas, onde vivem comunidades tradicionais em suas reservas extrativistas, florestas
nacionais, territórios quilombolas, reservas de desenvolvimento sustentável,
projetos de desenvolvimento sustentável e projetos de assentamentos agroextrativistas,
abrigando territórios tradicionais reconhecidos pelo Decreto 6.040/2007. Tal decreto instituiu
a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável
dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Nas Florestas Comunitárias, que somam 136 milhões de hectares, vivem cerca de 2
milhões de agroextrativistas, agricultores familiares e assentados da reforma
agrária. Apesar do contingente de habitantes e da
abrangência, ficou esta gerência relegada à um segundo plano dentro do SFB nos
primeiros 5 anos de sua criação.
O resultado mais substancial no
período da Gerência de Florestas Comunitárias, como incentivadora da política
florestal no país, foi a publicação do Decreto nº 6.874/09, que instituiu o Programa de Manejo Florestal Comunitário e
Familiar, que conceitua esta categoria de manejo como sendo “a execução de
planos de manejo realizada pelos agricultores familiares, assentados da reforma
agrária e pelos povos e comunidades tradicionais para obtenção de benefícios
econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação
do ecossistema”. Este marco legal
permitiu que iniciativas comunitárias como as da COOMFLONA, Flona Tapajós, Santarém-PA,
e da ACDSRA,
Reserva Extrativista Verde Para Sempre, Porto de Moz-PA, tivessem a
oportunidade de receber amparo institucional e de divulgarem ao mundo que o manejo
florestal comunitário madeireiro é viável economicamente para as famílias
locais, cuja relação e cuidados com a floresta são bem mais presentes do que a
relação fria de negócios tratada pelas empresas.
Com a publicação em 2012 do
Decreto 12.651, conhecido como o Novo Código Florestal e de sua regulamentação
por meio da Instrução Normativa MMA nº 2 de 5 de maio de 2014 , é criado o Cadastro Ambiental Rural - CAR, assim
descrito na página do SFB como o “registro público eletrônico de âmbito
nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de
integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais referentes
à situação das Áreas de Preservação Permanente - APP, das áreas de Reserva
Legal, das florestas e dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Uso
Restrito e das áreas consolidadas, compondo base de dados para controle,
monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento...”.
De gestão do SFB, até 30 de novembro de
2018, a unidade verificara o cadastro de 5,5 milhões de imóveis rurais no
Brasil, totalizando uma área de 469.763.245 hectares inseridos na base de dados
do sistema SICAR.
Com a nova função e tendo como
diretriz a sua prioridade de execução e gerenciamento, o Serviço Florestal
Brasileiro passou a ter o CAR como carro-chefe, mais uma vez relegando-se a um
segundo ou terceiro plano as atividades da Gerência de Florestas Comunitárias. Mesmo
o diálogo sobre esta importante ferramenta ambiental com as comunidades
tradicionais na Amazônia não foi satisfatório, haja a vista: a) a dificuldade
de homologação no sistema do Módulo Povos
e Comunidades Tradicionais para se fazer CARs Coletivos; b) o número de
casos de grilagem de terras utilizando o CAR em áreas comunitárias, denunciados
por várias entidades da sociedade civil, pesquisadores, membros do Ministério
Público e jornalistas;
c) os primeiros casos de uso do CAR para especular sobre créditos de carbono.
Interessante notar que os números do SFB comprovam que dos 93 milhões de
hectares de áreas cadastráveis na Amazônia, 142 milhões foram cadastrados no
sistema, uma diferença a mais de quase 50 milhões de hectares que pode ser a
chave do entendimento das causas que ajudaram no aumento dos conflitos agrários na região nos últimos anos.
Suas câmaras de diálogo, sobretudo
a Comissão de Gerência de Florestas Públicas e o Conselho do Fundo Nacional de
Desenvolvimento Florestal permitiram o debate para que houvessem avanços na política
florestal no Brasil. Não se avançou a contento como se esperava talvez por
falta de uma melhor comunicação com o público em geral e mesmo com parceiros
institucionais como o ICMBIO e INCRA, mas lá estava o SFB, com suas ferramentas
e espaços para serem ocupados pela sociedade. Estando
agora no MAPA ou, sem rodeios, politicamente nas mãos da Bancada Ruralista com
seu fundamentalismo agrotóxico, como fica a discussão entorno das florestas
brasileiras? Terá ironicamente o SFB o mesmo destino das milhões de árvores
derrubadas pela ala mais vil do agronegócio ganancioso que não se mostrou capaz
de mudar seus conceitos e práticas? Nem campanhas “agropop-tech-tudo”
conseguiram apagar suas irresponsabilidades.
E agora? O que fazer?
Após a “ressaca” por tal mudança
repentina e inimaginável há pouco tempo - e é preciso entender que tal ressaca
deve ser imediatamente superada – chega-se a um novo momento, que deve ser de
calma, reflexão e atitudes. Ficar chorando e hostilizando os simpatizantes do
novo governo só irá fortalecer ainda mais as forças malignas que rondam nossos
recursos naturais que perceberam sua real chance de decidir a vida de milhões
de pessoas e de toda biodiversidade brasileira em nome lucro máximo para poucos.
Antes de tudo, é necessário que
se tenha um olhar sem preconceito para o MAPA enquanto instituição e missão.
Existem iniciativas importantes que devem ser ressaltadas com relação a
recuperação de áreas degradadas, que também é um dos papéis do SFB. A Lei
10.711 que instituiu o Sistema Nacional de Sementes e Mudas, o Registro
Nacional de Sementes e Mudas e a Instrução Normativa 56/2011 são exemplos de
regulamentações do MAPA que vão de encontro ao processo de recuperação
florestal, pois garante a procedência ao ato de plantar. Mesmo que hajam
críticas atuais de que a burocracia do MAPA dificulta a vida dos produtores, é
importante reconhecer que é melhor ter algo para criticar do que não ter
elemento algum para enquadrar os grandes produtores agrícolas quanto aos
impactos causados por estes nas áreas de preservação permanente, além de ser
uma tentativa de regularizar e fortalecer este ramo florestal –
reposição/plantio florestal.
Outro exemplo da interação que o
MAPA pode ter com o setor florestal e até da Gerência de Florestas Comunitárias são as
regulamentações que versam sobre a produção e comércio de produtos da sociobiodiversidade como a castanha do Brasil,
desde o extrativista até o exportador no cuidado e obediência às normas de
proteção à esta espécie da flora brasileira ameaçada de extinção,
ressaltando também que existem regulamentos para o comércio das demais espécies
vegetais, como o cumaru, por exemplo.
Uma vez que o SFB está no MAPA, terá a unidade de política florestal a
autonomia para trabalhar no fortalecimento de sua missão e ainda unir esforços
com os profissionais do novo ministério que os abriga? Será apenas uma inerte sala misturada na imensidão de setores do Ministério?
Sobre a implementação do Cadastro
Ambiental Rural e passagem para a próxima etapa, de inscrição dos cadastrados ao
Programa de Recuperação Ambiental - PRA, terá a nova ministra da agricultura pulso
firme, autoridade e respeito para agir de acordo com ética e responsabilidade, por
exemplo, na execução do cancelamento sistemático dos CARs de má fé espalhados em todo o
país, principalmente na Amazônia? Será cumprida o imperativo de se recuperar os milhões de hectares das margens dos rios e igarapés desmatados pela pecuária e agricultura? Atenderá o MAPA/SFB à birra do agronegócio que deseja
ganhar mais terra do que já tem,
desejosos da flexibilização das Unidades de Conservação, Territórios Quilombolas
e Terras Indígenas? Perguntas aqui feitas para serem usadas como parâmetro de
monitoramento por todos nós.
E referindo-se à participação
popular, e se apostássemos no Serviço
Florestal pela Sociedade Brasileira? É esperança possível de virar realidade desde
que abandonemos as irresponsabilidades cotidianas com o meio ambiente e que nos
mobilizemos para pressionar e moldar as instituições responsáveis. A História está
convidando mais uma vez para lutar contra atos de ignorância e violência contra
a natureza. Como grita Chico Science na música “Todos estão surdos”,
Você que está aí sentado, levanta-se
Há um líder dentro de você
Faça-o falar...
O jogo não acabou com a eleição e
com a posse dos novos mandatários. É apenas o começo de um processo de rejuvenescimento
da massa. Temos a obrigação de sermos melhores que os nossos antepassados que
deram suas vidas pelas nossas liberdades individuais e coletivas. As pessoas
indignadas de hoje utilizam as redes sociais para mostrar sua insatisfação com
a realidade, mas para obtermos resultados, temos que fazer com que estes
protestos transbordem das redes sociais para as ruas.
Para os rios, para os igarapés.
Para as estradas de seringa.
Para as varridas.
Para os singelos atos de plantar.
Para ato de zelar e contemplar.
Para a discussão nas mesas de
jantar das famílias. Que se sirva no prato o nosso amor comum por tantas
florestas, tão acolhedoras ao mesmo tempo do imaginário, do real e o do sonho
de vidas passadas, vidas presentes e vidas futuras.