Belém, pensando em Gurupá e na Índia, 2 de março de 2020.
Certa vez deram-me a tarefa de atuar como intérprete durante a missão que a agência holandesa ICCO realizou em Gurupá. Ocorreu em 2004. Naquele tempo eu arranhava bem o inglês falando e escrevendo (e fui deixando dessa língua por chateação, sei lá, a entendo opressora mas isso é outra história) naqueles tempos em que trabalhava na ONG FASE. A missão contava com um senhor da Holanda, dois de Papua Nova Guiné e um senhor da Índia.
Eu os acompanhava e mandava ver no imperfeito inglês que aliás todos tinham. Não deram trabalho algum, com exceção do Indiano. Era um Hindu da gema, ops, é pecado falar em gema neste caso, uma vez que ele não comia nada de origem animal. Nada. Sua religião não permitia. Em Gurupá, mesmo com camarão e peixe à vontade, ele não podia comer. Respeitamos obviamente até então.
O problema é que o senhor com o passar dos dias começou a ter fome e as plantas locais não o satisfaziam. Nem com açaí ele se deu. "Caramba, o que faço?", perguntava enquanto sentia a pressão por apoiá-los no intercâmbio e quem me conhece, sabe que me esforço muito para que as pessoas fiquem bem. Pelo menos, tento.
Como o Indiano já estava sofrendo de fome e eu vendo-o ali quase desfalecido, resolvi tomar a atitude! Fui na vendinha de café com pão (a mesma que eu peguei o dono de lá coçando a costa com um pão, mas isso é outra História) e trouxe um pão-bengala para o pobre homem. Ele comeu o pão todo e suas energias voltaram. Bom trabalho, Carlos! Rapaz esperto!
Quando saímos para visitar mais uma instituição da República Independente de Gurupá (isso é outra História) o Hindu mirou-me espantando:
"Do que é feito o pão daqui???".
"De trigo, de fermento, de ovo...".
"O quê???? Ovo! What??? Não! Não! It's not possible! Eggs! You! You! Você manchou Minha Alma!!".
"Oh God! Fiz cagada!".
O Indiano ficou revoltado. Não falou com mais ninguém nos dias que se passaram. No dia da partida, os demais me abraçaram e me elogiaram bastante, mas o Hindu olhou-me com o fogo de condenação, quem sabe talvez pedindo a Shiva que me punisse.
Não tive dúvidas depois disso: sou um pecador de todas as religiões.
Ô Glory!
Nenhum comentário:
Postar um comentário