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sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Lamberto, o Traumatizado: Sistema

Lamberto, o Traumatizado, seguia cabisbaixo na fila da lotérica, plena 3 da tarde, sol de rachar a moleira e de melar o pescoço, num ventilador de teto quebrado e ameaçador, enquanto o carro de som permanecia estacionado chamando em alto e trovão som que era hora de comprar produtos Hinode, sabe lá Lamberto o que era isso. Na mão a conta de luz, a conta da água, o aluguel da casa, a conta da escola do filho, a conta do celular, a conta disso, a conta daquilo, a conta daquilo outro. Na parede, um filme de herói americano da sessão da tarde, seguindo de chamadas do G1, com apresentador todo tatuado e arrumado à moda de hoje, aparentemente progressista, só que não, um futuro (quem sabe, tomara que não) âncora de jornal da noite.


Na vez de Lamberto ser atendido, a moça do caixa, mastigante de um chiclete, avisa batendo a caneta no vidro: 

"Caiu o Sistema".

Lamberto, grita triunfante, erguendo os braços:

"PESSOAS, CAIU O SISTEMA!!!!"

Todos começam a comemorar alegremente, num carnaval improvisado. O carro som tocou um samba-enredo, o pastor iniciou um sapateado a lá Carlinhos de Jesus. As moças do caixa batucaram na mesa de trabalho, tirando da gaveta os papéis higiênicos e jogando no alto como se fosse um baile de fim de ano.

Um bando alegre se juntou e caminhou em cânticos de esperança para a frente da prefeitura da cidade. "Joga o Lixo! Joga o Lixo!" Um imenso monte de lixo foi formado na frente do prédio da prefeitura! Alguns urubus malandros e garças namoradeiras bailavam por cima do lixo e todos bradavam: "no meio do pitiú!! No meio do Pitiú!". 

Em outro canto da cidade, um grupo de foliões derrubavam a estátua da liberdade da Belém Importados. A molecada assanhava: "cai, cai, cai, cai".

No Palácio do Governador, enquanto este reunia com empresários chineses negociando tesouros amazônicos, uma multidão atravessava a guarita, em brados felizes de carimbó "Não queremos nossos jacarés tropeçando em vocês!! Porque ninguém nos leva a sério, só o nosso minério!!". 

Uma Bela e Jovem Senhora chamada Nazaré caminhava contente. E nem era outubro.

Todos pulavam a roleta e até os cobradores pulavam a roleta para lá e para cá em algazarra.

Taxistas buzinavam. Ubers buzinavam. Até apertaram as mãos, entendendo quem era o verdadeiro adversário.

Os médicos, enfermeiros, nutricionistas, todos, estavam na rua atendendo os carentes. 

Traficantes deram de ombros e decidiram não se matar. Policiais deram de ombros e decidiram não se matar. Os dois lados foram cobrar educação e saúde, parando o trânsito na Almirante Barroso.

Um casal apreciava livros de escritores amazônicos, sentados na praça, ao lado da estátua do Barata, todo prosa.

No celular de Lamberto, uma postagem de que Brasília estava numa confusão geral!

Banqueiros saíram de suas fortalezas com bonés e óculos escuros para não serem notados. Se esconderam juntos aos ratos. Uma ratazana chiou: "não cabe mais ninguém aqui!". Socados ali estavam a escória dos juízes, escória de parlamentares e escória dos gestores.

Na frente da TV afiliada da TV Maior, Lamberto já tinha entrado com outra muvuca de gente e girava na cadeira de rodas de uma das salas da emissora, quando é avisado pela moça da lotérica, a dita, mascando chiclete, ali parada na sua frente. Bateu com a caneta na testa de Lamberto.


"Senhor, senhor, o sistema voltou".



O carnaval parou.

O lixo voltou onde estava.

Os negociadores do Palácio voltaram a jogar cartas, enquanto fumavam, baforavam na cara das pessoas.

Nazaré queria brincar mais, só que ninguém queria esticar a brincadeira...

Todos voltaram para suas rotinas.

O carro som voltou ao seu comercial.


Cada médico pro seu canto.

Mortes e mais mortes na guerra das drogas.

Zap, zaps, zaps. O livro no lixeiro. Seu Barata triste.



Brasília requentada.


A fila na lotérica se arrastou novamente.

A moça chamou Lamberto com a caneta no vidro.

Lamberto pagou a conta de luz, não sem antes resmungar da Celpa. Quem estava na fila também resmungou e ficou por isso. 



Longe, bem longe, os Operadores do Sistema avaliaram o ocorrido e se acalmaram pois o Sistema seguia firme e forte outra vez. 


Contudo, tinham medo de outra queda.






Sem traumas.






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