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terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Rio Jaranduba: Pororoca e Areia Gulosa

Boca do rio Jaranduba. Foto: Carlos Ramos
Breves, rio Poraqué, pensando em Chaves,
09 de dezembro de 2017.


Sou viajante.

Viajante físico, viajante dos pensamentos e das palavras, mania adquirida do meu primeiro livro na vida: A Volta ao Mundo em Oitenta Dias, de Júlio Verne. Pra lá e prá vou por onde Deus aprove que eu passe, a sempre pedir “permicença” (a soma de permissão e licença pra ganhar mais força na minha oração calada). Por mais que eu siga no acúmulo de visões e aprendizados, vez ou outra recebo de uma certa região uma onda arrebatadora de conhecimentos a maravilhar-me. Recente na memória, tento logo compartilhar enquanto estão batendo na cabeça, na maré lançante da surpresa que tive.

Ali estávamos Odivan, Luciene, Nestor, Erivelton, Cuca, Lene, Hulk, Genilson e Vanildo, todos aguardando no fundiador a enchente certa para entrar no rio Jaranduba, ao lado da Ilha Siriaca, vizinha à Ilha Caviana, em Chaves, no Marajó. Outros moradores em suas embarcações também esperavam estas águas, semelhava que pequena vila se formava com aqueles barcos ancorados na boca do rio. Cada casinha flutuante preparada para se fazer comida, para se dormir e trabalhar.

“Seu Nestor, a gente vai demorar muito aqui? ”.

“Não, seu Carlos, é só o tempo de começar a encher, mas ó, a gente tem que ir na certa, pois lá na frente tem uma pequena contra-enchente que pode atrapalhar na ida. Tem que saber como seguir por aqui nessa região, ver as praias, pororoca...”.

“E tem por aqui? ”.

“Aqui mesmo não neste fundiador, faz seis anos que aqui neste lugar não tem, mais bem prali uma senhora que tava com os filhos e uma canoada de melancia perdeu o rumo do canal e se praiou bem na hora da bicha. Ela veio quebrando tudo pela frente e levou mãe e filhos e tudo pra dentro dela. Acharam eles sem vida semana depois, vieram salva-vida lá de Macapá”.

“Deus-pai, como é perigoso...”.

“É, aqui num se pode brincá com a maré, nós mesmos que nascemo e se criemo aqui pega cada susto. Outro dia a gente encalhou ali no Canarana no tempo dela. Gritei pros homi: prepara a bóia, bora comer quié pra morrê de bucho cheio pois dela a gente não escapa”.

“O que vocês fizeram? ”.

“Nossa sorte foi que era começo de enchente e que ela foi pro lado da Cavianinha, às vezes é assim, ela dá em certo lugar, não é todo lugar que ela vem arrastando”.

“Ela é rápida? ”.

“Ela puxa pra boca dela essa voadeira de vocês tranquilo, tranquilo. Pode botar distância, botá no máximo o motor que ela te pega fácil”.

“Rapá...”.

“Ela vem mesmo é de inverno, quando tu vier nesse tempo, tu vai ver. Ainda tem a areia gulosa”.

“Areia gulosa??”.

“É, um tipo de lama que tem por aí que se tu bobear e parar nela, te engole inteiro”.

“Ahh, o seu Castilho lá de Afuá também falou nela e que perdeu o barco dele nisso. Então é sério??”.

“Hum, se é. Um dia vim caçar aí no Siriaca, tempo de paca gorda, vinha na minha montaria até chegar na praia, que tava ainda de meia água de enchente. Tava perto mesmo da beira, na minha pisada já na lama pra andar, quando me espantei, a modo que o chão sumiu, segurei veloz na cordinha da montaria que veio e que por sorte ainda me deu um puco de suporte mas logo cedeu, tava enrascado. Já tava pela cintura sendo puxado pro fundo. Avalença que um galho de taperebazeiro tava tombado pra minha direção e eu tratei de agarrar nele, com a cabeça e peito pra fora, mas as pernas ainda na areia gulosa. Foi esperar dar preamar pra nadar dali. Foi Deus que mandou aquele galho de taperebá”.

“Caramba”.

“Aqui tem que entender, a maré é muito forte, rápido faz canal, rápido desfaz. Coisa do Marzão que não é longe daqui. Ispia lá, se tu viajar praquela imensidão, logo a água muda de cor”.

“É o oceano? ”.

“É sim. Encheu. Já dá pra sair, Genilson, puxa a âncora. Hulk, dá a partida aí”.

Os barcos saíram. Amarramos a reboque nossa voadeira em um deles e seguimos, porém, com duas paradas ainda, pois praias ainda teimavam em ficar. Numa delas, parei para maravilhar-me com as lindas paisagens, cada uma delas recortáveis em sua beleza e plenitude, acrescidos que geravam naturalmente gramíneas onde se criavam cabras, cavalos e búfalos. Bagunceiros tralhotos grandes que escapavam da gente, pequenos canais por entre os acrescidos que enchiam velozmente. Maçariquitos pousados numa ilhota em suas perninhas engraçadas. Marrecas voando na sua turma de gritalhões. Vento proseador conosco. Água, campos, pessoas, aves, capivaras, cavalos num quadro digno de Marli Braga, pintora marajoara.

Resolvi fazer um vídeo. Pela beleza e força da natureza. Narrei:

“Quando me perguntarem o que é Deus, direi que pode ser um campo do Marajó”.

Uma gaivota neste exato momento voou próxima da proa do barco onde eu estava.

Abençoou o que eu disse.


Pantoja Ramos

Publicado no Recanto das Letras.




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