Páginas

domingo, 18 de novembro de 2018

Crônicas, Passageiro: Quando Meu Coração Precisou Deles


Poucas pessoas que me conhecem sabem disso, mas já passei a vergonha de viajar para Curralinho e "perder o ponto", parando em Breves. O ano era 2014. Numa semana tão corrida, meu corpo tão ajeitado na minha velha, porém confortável rede, que acabei vencido pelo cansaço e sono, não acordando às 3 horas da manhã, horário em que o navio que eu viajava parava obrigatoriamente na sede curraliense. Lá se foi meu compromisso. Acordei com o sol na minha cara, forte a quase me agredir. Acordei todo remelento, com todos os demais passageiros já desembarcados em Breves. 

Tomei o susto!

"Meu Deus!". Tive um reação tão forte que me deu dor de cabeça. Nunca tinha falhado em agenda. Se vou, chego. Mas não cheguei, passei adiante. Junto com a dor de cabeça, um misto de nervosismo, pela primeira vez a escutar o coração sem aparelhos ou mão no pulso ou peito, sério, eu escutava o tambor. Tum-Tum-Tum, Tum, Tum, Tum-Tum-Tum. Um batuque passou a ser rotina de escutar nos próximos meses. Agoniava o sono.

Meses depois, estava em Curralinho. Estava acompanhado de outros técnicos. Desci normalmente. Sem susto. Entretanto, com uma sensação de peso no peito e principalmente, o coração acelerado. Sim, muito acelerado. Não conseguia dormir à noite. Logo pela manhã, resolvi ir ao posto de saúde da cidade. Fui muito bem recepcionado, pouca gente com senha. Mas sabe, eu queria mesmo era conhecer e trocar ideia com o médico Cubano do Programa Mais Médicos. Mesmo meio lascado, minha curiosidade é maior que meu estado físico. Sempre fui assim. 

"Desculpe, seu Carlos, o médico está atendendo lá no Piriá", disse-me a recepcionista.

"Tudo bem. E o que achas dele?".

"Muito educado, muito prestativo, escuta as pessoas que vem aqui, só às vezes a gente se enrola no espanhol dele. Mas a gente se entende".

"Poxa, então sendo assim, já me vou".

"O senhor não quer fazer um cardiograma pra mostrar pro seu médico lá em Belém?".

"Mas é caro, tô sem grana".

"Rá, Rá, é de graça".

"Vocês tem esse aparelho aqui?".

"Mais ou menos. a gente coloca os medidores no senhor, que vai pela internet lá pra São Paulo onde fica de plantão um médico, que lá recebe, analisa e manda de volta pra gente imprimir o exame pro senhor levar pro seu médico".

"Na hora??".

"Na hora".

"Duvido". Pensei no mito em que o SUS não teria tal articulação de exames.

E não é que tinha?? A enfermeira conversou por uma espécie de chat exclusivo para esse tipo de atendimento, onde o especialista em São Paulo trocava informações. Deitei na maca, de barriga para cima, tendo ao lado o pequeno aparelho chamado de eletrocardiógrafo portátil que seria usado para registrar o exame no computador. A enfermeira técnica colocou os eletrodos  grudados nos meus braços, pernas, tórax (tudo meio Silvester Stallone, sabe? RáRáRáTuJura!), para pegar os estímulos elétricos do coração. Tudo em tempo real sendo avaliado pelo médico lá de São Paulo. 

A enfermeira imprimiu o resultado em seus gráficos de sobe e desce e fiquei pasmo com um exame nesta base de comunicação de tão grande distância e em tamanha velocidade de entrega.

Voltei pra Belém. Entreguei o exame à um médico do bairro, no custo de R$250,00 a consulta. Ele olhou os exames e diagnosticou:

"Seu Carlos, seus batimentos cardíacos estão normais. O senhor anda estressado?? Podes estar com uma crise ansiedade. Desde quando sentes isso?".

Quase que respondo: a vida toda.

Uma ansiedade, uma cuíra, uma agonia, uma revolta, sei lá.

Enquanto escrevo essa crônica, relembro como fui bem atendido em Curralinho pelo sistema público de saúde, uma sensação de unguento na alma, sabe? O Estado cuidou de mim. Nem que fosse por uma manhã.

Enquanto isso, o médico cubano segue para seu país. Deve levar saudades de Curralinho, do rio Piriá. Saudades mesmo devem ficar os seus pacientes. Ou seriam amigos?


Atenção é remédio pro coração.









quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Sambinha da Cubana



                               Belém, 02 de fevereiro de 2015.


Conceiçón
Dizia o que eu tinha
Conceiçón
Curou minha murrinha
Estrangeira
A cubana
Cuidadosa
Tão sem fama


Conceiçón
Dormia em minha casa
E comia
Acari feito na brasa
Era simples
Era séria
Combatia
A miséra


Conceiçón
Falou que foi cassada
De curá
Não pode fazer nada
De Brasília
Veio a culpa
Foi-se embora
Lá pra Cuba


Conceiçón
Cadê minha receita?
A malária
Di novo que me deita
Diz que veio
Um doutô
Pouco liga
Nossa dor


E foi assim que faz dez ano
Que a gente soube dos cubano...


Pantoja Ramos




quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Memória em Escavações: Eliane Costa e a Valorização das Narrativas Orais e da Memória dos Moradores do Rio Mapuá, Breves-PA



Cruz Milagrosa, às margens do Braço do Lago do Socó, Alto Rio Mapuá. Foto: Eliane Costa.



Sendo a Memória base construtora de identidades individuais e sociais da humanidade, como não exercitar o seu destaque no dia a dia da sociedade brasileira? Quais são as lacunas históricas que devemos preencher no nosso sistema educacional para que as diferentes vozes possam ecoar? Que histórias e memórias foram subalternizadas pela colonialidade na Amazônia Marajoara?

Na contribuição de respostas a tais questionamentos para a mesorregião do Marajó, Eliane Costa, Doutora em Antropologia e professora de Pesquisa em Educação da Faculdade de Educação e Ciências Humanas do Campus Universitário do Marajó-Breves/UFPA, gentilmente apresenta ao Blog Meio Ambiente, Açaí e Farinha um resumo da sua recentemente defendida Tese de Doutorado, com o título MEMÓRIAS EM ESCAVAÇÕES: Narrativas de Moradores do Rio Mapuá sobre os Modos de Vida, Cultura Material e a Preservação do Patrimônio Arqueológico do Marajó, PA, Brasil[1].

Eliane Costa.



Eliane Costa ao realizar um valioso trabalho de valorização da memória e das vozes de moradores do Mapuá, nos convida para o respeito aos saberes e práticas culturais das comunidades tradicionais no Marajó.




Blog Meio Ambiente, Açaí e Farinha: O que te motivou a estudar a história do rio Mapuá?

Eliane Costa: A primeira vez que estive no rio Mapuá e região por ele banhada foi em 2008. Nessa viagem me falaram do sítio arqueológico de cemitério indígena Amélia, na localidade conhecida por vila Amélia, que até então não tinha conhecimento. Também conheci uma Cruz chamada de Milagrosa, acompanhada de curiosas oferendas e narrativas sobre milagres. Essas primeiras descobertas foram decisivas para despertar meu interesse em estudar a história e memória do Mapuá. Posso dizer que o motivo maior foi exatamente a possibilidade de dar visibilidade a essa história, mas também em conhecer a origem da região e, principalmente, nossas próprias raízes marajoaras, que até então tem sido, em sua maioria, ignorada, silenciada pela historiografia oficial.



Prováveis igaçabas no sítio de cemitério indígena Amélia, localidade vila Amélia, rio Mapuá. Foto: Eliane Costa.




Blog Meio Ambiente, Açaí e Farinha: Há muito o que se investigar e divulgar sobre a formação dos povos e comunidades tradicionais marajoaras. Em seu estudo, quais foram suas principais bases de referência? Quais pistas ajudaram você na sua busca científica?

Eliane Costa: O Marajó é um oceano a ser descoberto em termos de história e memória dos povos tradicionais. Como definiu a arqueóloga Denise Schaan (2009, p. 50) o Marajó é “um tesouro de história, arte e cultura a ser descoberto”. Então, para desvelar um pouco mais da história desse tesouro pautei-me, grande parte, nos estudos dessa arqueóloga, como também das primeiras arqueólogas que pesquisaram no Marajó, no caso, as americanas Betty Meggers e Ana Roosevelt e, mais recentemente, os estudos das professoras Márcia Bezerra e Helena Lima. Outra base fundamental nesse empreendimento foi a pesquisa desenvolvida pelo historiador marajoara Agenor Sarraf Pacheco. Além dessa base teórica as diferentes fontes que explorei em campo (no sentido concreto) foram decisivas nessa busca científica. As narrativas orais de moradores da região, por exemplo, me ajudaram não só a contar a história escondida nas camadas estratigráficas da memória, como também, contribuíram com o mapeamento das ocorrências arqueológicas. Estas, inclusive foram mapeadas com a ajuda do orientador, professor Dr. Diogo Costa, por meio de um levantamento não interventivo (sem escavação). A etnografia e as fotografias, por sua vez, me permitiram explorar um pouco mais os significados e sentidos atribuídos pelas pessoas as coisas do passado e do presente. Os documentos, a exemplo, do relatório de campo da arqueóloga Dirse Kern, cedidos por ela, foram fundamentais para conhecermos informações mais detalhadas a cerca da história e memória dos sítios arqueológicos. Então tanto a memória escrita quanto as narrativas orais, visuais e materiais foram fontes e pistas de fundamental relevância nessa busca científica.

Comunidade Cantagalo, Alto Rio Mapuá. Foto: Eliane Costa.



Blog MAAF: O que seu estudo encontrou nesses 4 anos de pesquisa?

Eliane Costa: A pesquisa mapeou vários achados. Entre esses achados estão os vestígios da memória indígena (verificada nos sítios arqueológicos e nas práticas culturais dos moradores), da memória cabana (observados nas narrativas e artefatos chamados de trincheiras dos cabanos pelo imaginário local) e do período da borracha (inclui artefatos e narrativas sobre seringalistas portugueses e nordestinos e os seringueiros em sua maioria, cearenses). Com base nesses vestígios é possível dizer que os moradores do Mapuá, em tese, podem estar ligados a duas ancestralidades, uma milenar (indígena) e uma secular (portugueses e cearenses). Outro achado importante diz respeito aos artefatos de fé, entre os quais destaca-se, a Cruz Milagrosa, que muitas famílias sobretudo da comunidade Santa Rita, alto Mapuá, tem como um poderoso artefato simbólico-religioso. A pesquisa constatou ainda que as famílias ao longo dos tempos aprenderam a desenvolver um conjunto de técnicas e táticas para lidarem com a dinâmica do rio e floresta no período das chuvas e do sol forte. Desse movimento a pesquisa mapeou diferentes artefatos confeccionados pelas famílias com produtos retirados da floresta e usados de várias formas na vida cotidiana, que indicam a relação com a ancestralidade indígena. Os dados de campo demonstram ainda que no período da borracha o Mapuá foi controlado por seringalistas que se intitulavam coronéis e donos desse espaço. Um sistema que vai perdurar por longas décadas, sob a tutela dos herdeiros dos coronéis e patrões. Daí os moradores em sua maioria afirmarem que o Mapuá era “um cativeiro” (JH 2017). Para driblar as proibições e sanções historicamente impostas foram criando formas de lidar com as dificuldades e se relacionar com o ambiente. Uma das estratégias apontada como importante pelos entrevistados foi a própria criação de uma reserva extrativista, que resultou da reivindicação das famílias para livrarem-se do domínio dos patrões e, assim, poder acessar a terra e o rio tradicionalmente ocupados. É bom frisar que nesse rio, terra e floresta não estão apenas os recursos naturais que garantem a existência das famílias, mas, está sobretudo a história, a memória de cada pessoa, família. Ficou evidenciado que as vilas, edificações (inclui casarões antigos e cemitérios com sepultamento antigo), paisagens são lugares de memória, assim como possuem uma memória. A memória, na verdade, é o elemento que dá sustentação ao patrimônio cultural e material desses agentes. É o elo que conecta passado, presente e futuro. Isso nos ajuda a defender a ideia de que o Mapuá é um lugar de memória, um território onde cada pessoa e famílias ao longo dos anos vem criando suas histórias, memórias, desenvolvendo suas práticas, costumes, hábitos, etc. É, portanto, um espaço histórico, social e culturalmente transformado, praticado e construído pelo trabalho das diferentes gerações, por isso ser um grande patrimônio natural, material e cultural, que precisamos estudar e, também, preservar.




Blog MAAF: Vivemos um tempo de luta pela não invisibilidade das comunidades agroextrativistas na Amazônia. Como a Memória pode ajudar na mobilização das famílias para que sejam respeitados seus direitos?

Eliane Costa: A memória é a base construtora da identidade cultural de cada povo, logo, precisamos entendê-la como condição sine qua non para que os povos tradicionais tenham direito ao seu modo de vida, isso inclui o acesso à terra, ao rio e aos recursos naturais e ao próprio passado. Por meio da memória esses coletivos podem demonstrar e afirmar que tradicionalmente ocupam determinado território, e com isso, reivindicar o direito de permanecer nesse lugar. Mas para que a memória ajude na mobilização dos agentes tradicionais quanto ao respeito e, principalmente, a garantia de direitos, faz-se necessário que seja valorizada e reconhecida. Para isso, faz-se necessário uma escola e uma pedagogia que de fato promova a valorização da memória e história desses povos.



Nossa Senhora de Nazaré, lago do Jacaré. Foto: Eliane Costa




Blog MAAF: Que recomendações apresentas às instituições e tomadores de decisão para a valorização da história local e inserção destes resultados no conteúdo pedagógico de Breves e do Marajó?

Eliane Costa: A principal recomendação é que se priorize a história local, que docentes e discente sejam oportunizados a ter acesso ao saber produzido sobre a região pela pesquisa científica. A sugestão é que essas pesquisas sejam inseridas nas propostas pedagógica das escolas e da Secretaria de Educação.  Durante a pesquisa ficou evidente que o currículo das escolas pouco dialoga com o saber local. Então é urgente que se promova esse diálogo e a inserção dessas pesquisas poderá potencializar na promoção de uma educação capaz de reconhecer as memórias, as práticas e saberes locais.



Blog MAAF: O que esta investigação científica contribuiu para a sua própria formação como educadora e cidadã?

Eliane Costa: A pesquisa me abriu várias frestas. No campo acadêmico me possibilitou ampliar conhecimentos sobre o Marajó, conhecer aspectos identitários de nossa ancestralidade indígena, como também dialogar com diferentes fontes e autores do campo da História, da Arqueologia e da Antropologia. Um exercício que tem sido de salutar relevância para pensar a pesquisa e a educação no Marajó. Cabe destacar nesse exercício a importância do aprendizado em dialogar com a cultura material enquanto fonte de conhecimento. É um aprendizado que tem me possibilitado ampliar o diálogo epistemológico que venho fazendo. A pesquisa tem me permitido assim contribuir com a realização de um trabalho sensível as particularidades de nossa região.


Eliane Costa no barco em viagem de volta do Rio Mapuá.



Blog MAAF: Que conselho darias para os jovens da região, onde muitos ressentem-se que não tem acesso às obras que descrevem a milenar história e cultura do Marajó? 

Eliane Costa: Não seria bem um conselho, mas sugestão que considero fundamental para o desempenho acadêmico e pessoal. A sugestão aos jovens marajoaras é que apostem na educação. Quanto ao acesso às obras cabe informar que é possível ter acesso a algumas dessas produções, pois estão disponíveis em sites na internet. Na página do Museu Goeldi é possível obter cópias dos primeiros Boletins publicados por essa instituição que tratam sobre o Marajó. Também alguns textos da professora Denise Schaan estão disponíveis em diferentes revistas que podem ser baixadas na internet. Hoje, com a internet as produções já estão mais acessíveis, o que era bem mais complicado alguns anos atrás. Ainda temos a limitação quanto as publicações em língua estrangeira, pois, embora algumas estejam disponíveis a dificuldade com outro idioma impossibilita esse acesso.








[1] Costa, Eliane Miranda. MEMÓRIAS EM ESCAVAÇÕES: Narrativas de Moradores do rio Mapuá sobre os Modos de Vida, Cultura Material e Preservação do Patrimônio Arqueológico (Marajó, PA, Brasil) / Eliane Miranda Costa. — 2018. 334 f.: il. Color. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Antropologia (PPGA), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2018.







Crônicas do Corte: A Volta do “Overnight”, Só que Vestido de Verde



Carlos Augusto Ramos[1]

Belém, 14 de novembro de 2018.


Eu me lembro. TV Globo. Criança curiosa. Quando o Brasil se batia com uma inflação galopante, tempo eu que comprava um pão massa-fina (recordam?) naquela tardinha do Jari para o lanche de meus irmãos. Logo na semana posterior, o mesmo tipo de pão era elevado o seu preço em 20% ou mais, uma doidice econômica que tínhamos e que forçava famílias como a minha a sempre procurar o agiota da cidade. Enquanto isso, as pessoas mais ricas tinham acesso a aplicações financeiras que protegiam suas economias da desvalorização diária e desenfreada, remarcação gulosa das "maquinhinhas" de supermercados para orgulho de Abílio Diniz. Os ricaços apostavam no Overnight, emprestando para os bancos e recebendo no outro dia[2]. O Overnight, por exemplo, chegou a render no seu auge 1% ao dia, naquele período entre 1980 e início de anos 1990[3].

O que me fez relembrar o Overnight? Os tempos sombrios de ameaça da especulação e ganância selvagens promovidas pela elite do atraso brasileiro. Novamente desejam endinheirar-se em grande magnitude às custas da já lascada população das classes média (sim, essa classe apesar de não admitir, é de precariados), pobre e miserável. Economistas de justos e engajados certamente lutarão e denunciarão os abusos para o bem das gerações[4]. Graças aos céus, “subversivos” existem todas áreas da sociedade.

No que se refere ao meu trabalho, de colaborar com o manejo de produtos florestais e na gestão de territórios de comunidades e povos tradicionais na Amazônia, três formas novas de especulação (além da já conhecida e combatida especulação fundiária) encontram-se em curso e devem ser considerados como métodos de retiradas de direitos em nome dos neo-gafanhotos[5].

A primeira onda especulativa sobre a Amazônia adveio de um velho conhecido meu de batalha, xará de letras iniciais, o CAR (Cadastro Ambiental Rural e Carlos Augusto Ramos), ferramenta ambiental importante, mas que foi milhares de vezes utilizado para grilar terras, especular[6]. De intimidação, tentativas de expulsão, à expulsão de famílias de suas posses; de recebimento de financiamentos indevidos sem prova de terra documentada, sem o respeito ao Estatuto da Terra, assim tem sido a marca do CAR. Fico contente com a movimentação da sociedade em alertar sobre a má gestão do CAR no país, resumida em denúncia coletiva escrita sob o título Invisibilização dos Povos e Comunidades Tradicionais No Car[7]. Lógico que existem resultados positivos, porém, a balança penda para o não uso do CAR enquanto instrumento de inclusão socioambiental.

A segunda onda especulativa sobre nossas florestas não vem da grilagem de terras, mas da Grilagem do Ar: a comercialização de créditos de carbono atualmente livre, leve e solta, ao sabor dos mercados. Eliane Superti e Catherine Aubertin informam que desde 2007 tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal projetos de lei sobre pagamentos por serviços ambientais e para um futuro sistema nacional de projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal – REDD +[8]. Segundo estes estudiosos, na época da publicação de seu artigo em 2015, tais projetos enfrentavam resistências no Congresso quanto ao uso dos mecanismos de mercado e “certa hostilidade do Itamaraty na relativização do uso e do controle sobre o território nacional”.

Pois é. O Mercado não respeita ninguém se não for devidamente encarado. Tenho observado alguns casos de aproximação de instituições oferecendo contratos comerciais envolvendo a captação de carbono em comunidades florestais com pouco acompanhamento das instituições governamentais. Outro dia, lideranças comunitárias me ligaram do interior de Portel indagando-me o que é a venda de carbono, pois uma empresa os havia procurado. Em Breves, uma situação ocorre há tempos sem nenhuma norma a disciplinar a atividade. Uma empresa do setor madeireiro utilizou desta estratégia para faturar milhões sem que as organizações locais pudessem debater se algo deveria ficar para o desenvolvimento da região[9].

Sem o Conhecimento Livre, Prévio e Informado sobre os mecanismos de REDD+, um direito das comunidades e povos tribais previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, estamos às cegas sobre a venda de créditos de carbono. Muitas localidades não elaboraram seu Protocolo de Consulta Prévia das comunidades, documento de defesa destas famílias reconhecida pelo Direito Internacional para estas negociações; e com um Governo Federal atual claramente antagônico aos Povos Indígenas, Comunidades Quilombolas e Comunidades Agroextrativistas, está aberta a temporada de 4 anos de grilagem do ar. Especuladores se movimentam. Interessante é o Presidente Brasileiro anunciar que “vai sair do Acordo de Paris”, mas o mercado rentista não se importa com a posição brasileira. Ele vai colocar a mata no jogo, juntamente com seus moradores. O quanto estaremos empoderados para evitar sermos enredados por esse mercado que agora alça voo?

  A terceira onda de especulação que devemos nos preparar é aquela ligada aos efeitos da não ratificação do Estado Brasileiro ao Protocolo de Nagoya. Tal protocolo é, de acordo com o advogado João Emmanuel Cordeiro Lima, “um acordo multilateral acessório à Convenção sobre Diversidade Biológica que tem por objetivo viabilizar a realização de um de seus objetivos centrais: a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais a eles associados[10].

O Congresso Brasileiro, fortemente influenciado neste caso pela Bancada Ruralista, ao não ratificar o Protocolo de Nagoya, coloca o país na posição de não poder opinar sobre suas diretrizes futuras. Isso significa que comunidades detentoras de conhecimento tradicionais como os Povos Indígenas e Quilombolas, partes diretamente interessadas, não tem no Governo Brasileiro um defensor, uma vez que não estará na mesa de decisões. Na prática, não saberemos para onde caminharão as propostas de remuneração dos povos da floresta por empresas que usufruírem de seus produtos e conhecimentos. Não opinaremos sobre as ferramentas que poderão coibir a Biopirataria. Mais uma prova de boicote governamental aos amazônidas. Forte agonia haverá nas pessoas lúcidas que poderiam estar neste espaço e impedir diretamente os estratagemas de grandes corporações em especular sobre nosso patrimônio genético e conhecimento tradicional.

A grilagem genética.

A grilagem do conhecimento.

A grilagem do ar.

A grilagem ambiental.

Grileiros.

Especuladores.

Ricaços acima da Linha da Cobiça.

Overnight Vestido de Verde.





[1] Engenheiro Florestal, Consultor Socioambiental.
[2] Pesquei essa descrição do Blogueiro Social - http://blogueirosocial.blogspot.com/2015/03/oque-e-o-overnight.html . O autor explica que “no final das contas, essas pessoas acabavam se beneficiando da inflação. Para evitar que os bancos perdessem dinheiro todo dia, o governo colocava dinheiro na roda”. E uma parte desse dinheiro ia para o bolso das pessoas que participavam do Overnight, pura especulação financeira. Lá no Sertão do Nordeste, enquanto isso, pessoas morriam de fome por falta de apoio governamental.
[4] Uma prova é de engajamento neste sentido é a Organização Não Governamental Auditoria Cidadã da Dívida, que denuncia e educa as pessoas sobre a farra do mercado rentista, que só em 2017, “devorou” 39,7% do Orçamento Geral da União – ver em https://auditoriacidada.org.br/ .
[5] Refiro-me gafanhoto ao homem que destrói tudo à sua frente em nome da riqueza financeira. Seu instinto é de terra arrasada.










segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Um bilhete escondido por entre os tijolos sobre as eleições de 2018: Atrapalho na Escrita

Estava eu em um projeto de conto-diálogo, mas parei. Tempos agoniantes. A perseguição se alimentando do ódio e preconceito das pessoas. Cegueira epidêmica. Só me cabe lançar poemas por enquanto, só notícias rápidas do Blog. Situação financeira apertada como sempre.

Hora de recuperar, reagir. Voltar a delinear uma narração. 

ATOS DOS RIBEIROS pronto, mas com dificuldade de publicação. 

Página Recanto das Letras convida para publicar 5 poemas em seu primeiro livro de ANTOLOGIA POÉTICAS. Tão sem dinheiro, não pude submeter.

Estou preparado para não esperar mais por recursos financeiros para publicar contos. Como faço nos poemas, vai no e-livros de maneira gratuita. 

Estamos falando de GUERRILHA. 

Guerrilha Escrita.

Para alguém nos ler no futuro e dar-nos soluços de vida quando passarmos por esta Terra.

Bilhetes escondidos por entre os tijolos.