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quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Sim, fui teimoso. E por que não seria?



Não foi uma defesa fácil. Eram três contra um naquela banca de mestrado no ano 2000. Minhas ideias confrontando com o saudoso Professor Fernando Jardim. Professor Marcelo permanecia tranquilo. Professor Yared só observava. O ponto mais crítico do debate foi a discordância que tínhamos sobre o fato de eu ter separado uma área de floresta secundária e estudá-la com mais detalhe para poder compará-la com a floresta nativa. Jardim dizia que eu deveria ter usado a média do inventário geral em minha dissertação (http://repositorio.ufra.edu.br/jspui/handle/123456789/1088) . Mas como? Como eu saberia dos diferentes potenciais de fornecimento de produtos florestais se não colocasse na balança uma mata em recuperação e uma mata pouco antropizada em suas quantidades de óleo de andiroba, ou de cascas, ou de metros cúbicos de madeira ou de frutas? Fui teimoso e acabei soltando uma frase arrogante, infeliz, que me martela de vez em quando: "Professor Jardim, eu não irei te convencer, o senhor com todo respeito não vai me convencer, isso talvez seja trabalho de uma terceira pessoa no futuro". 

Nossa! Eu achava-me o último caroço do cacho de açaí aos 25 anos.

E quase não fui aprovado. Yared pensava que eu não deveria. Entendia que eu queria saber mais que a banca de doutores, que fui desrespeitoso e por tal não merecia a aprovação. Eu não queria saber mais que eles, juro, só que estava ali para defender minha hipótese como um pai zeloso a proteger um filho ou filha da tempestade. Não tinha a intenção de desrespeitá-los. Minha teimosia ganha força quando os argumentos possuem lacunas, o que perturba-me, incomoda a me franzir a testa e assim espero que alguém mostre onde está tapada a vista do meu raciocínio pra eu retroceda. Naquela banca, eles não mostraram onde eu estava equivocado metodologicamente. 

Fui aprovado porque o Professor Jardim assim o quis e bateu o pé: "o Carlos é assim mesmo e eu prefiro que ele seja assim".  Deu-me uma nota ótima na defesa. Cumpri o que ele, professor Tourinho e professora Rosângela desejavam, o argumento contra o argumento sem ceder às conveniências. Foi uma defesa difícil, já disse isso? Já né?

Foi angustiante. Perdi o nobre amigo Paulo Jorge Dantas, o Cebolinha, amigo meu, amigo de Alírio, amigo da Laura, amigo de Aires, amigão de Samuel Almeida e da Ruth. Amigo de todos. Foi embora deste plano por conta de um motorista imprudente. Cerca de dois meses antes da tragédia, recebi a lascada tarefa como coordenador dos estudantes de mestrado em avisar-lhe que tinha sido jubilado do curso de mestrado e que perderia a sua bolsa, parco recurso que muito o ajudava a cuidar da família. Semanas antes de sua partida, avisou-me naquela viagem do Cidade Nova VI que uma entrevista de emprego o aguardava para um cargo em uma organização não governamental. 

"Mano, que massa!", concluímos tranquilos.

E numa sexta-feira fez a entrevista. E numa sexta foi aprovado. E na segunda-feira assumiria a função. E no sábado partiu pra tristeza de tantos.

Enquanto isso, amigos meus tentavam terminar o mestrado e pela rigidez do processo, abandonaram no fim do percurso. Estresse no limite. 

E para um outro que batalhou muito matematicamente, que lutou noites inteiras e era brilhante, foi-lhe simplesmente dirigido na defesa: "isso não é uma dissertação, aparenta somente ser um relatório técnico". Cara, o rapaz se esmerou pra caramba! Não achei justo. Aliás, eu percebia o sofrimento.

Estávamos sofridos. Ninguém perguntava como nos sentíamos.

Após defender minha dissertação, informaram-me que eu teria que entregar um artigo obrigatoriamente aprovado em uma revista cientifica. 

"Mas por que?". 

"Está na norma, não sabias?".

"Confesso que não. Mas eu defendi a dissertação? Isso não conta pra receber o diploma?".

"Não".

"Não concordo". E fui-me embora. 

"Olhem só o turrão! Não aceita as coisas, rapá? É assim mesmo o sistema! Até parece que tu vais mudar o mundo... Sozinho? Uma andorinha só não faz verão. Aceita quié!".

Não aceitei.

Hoje, 20 anos depois, recebi o diploma. Algo que para minha esposa Neri é muito importante. Para minha filha Sabrina é importante. Para minha filha Bianca é importante, para Jucinha, para Dona Lene, para o mestre Tourinho, para Tarcísio, para Nilza, para Fernanda Mendes, Pollyanna, César, Alynne, Eliana, meus amigos, minhas amigas, ex-colegas de mestrado, meus irmãos, minha mãe, meu pai, para meu amigo Cebolinha. Que gentilmente apontou sua vaga em aberto para que eu trabalhasse na ONG FASE por 9 anos, cuja notícia chegou-me do grande Paulo Oliveira em surpresa:

"Tu sabias que iria trabalhar aqui o Cebolinha? Conhecias?".

"Sim... conhecia...".

Quer saber? Não entrego esse artigo, vou cair no mundo de Gurupá e depois do Marajó e aprender com as comunidades da floresta!

Não quero saber de academia!


Mas aí... veio a juventude querer saber o que eu fazia. O que eu tinha feito. Perguntavam se eu tinha escrito algum livro. Uma jovem indagou se eu poderia ser o seu orientador?

Eu, orientador?

O que eu orientaria?

Será que eu oriento alguém?

E quando avistei o obscuro caminho que parte da sociedade brasileira passou a seguir, disse a mim mesmo:

"É... Tá na hora de voltar para ajudar os que surgem".

Ana Euler e Fernanda Antelo iniciaram meu treinamento de retomada, com calma, conversa e firmeza.


E aqui estou, senhor de minha teimosia que é pista de minha capacidade e resistência.





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