domingo, 28 de setembro de 2014

Um dia na vida de João Impigem de Oliveira Pano Branco


                                Belém, 20 de setembro de 2014.


Mulher me trocou por outro alguém
Na rua minha mala jogou
Perdi do meu bolso uma nota de cem
Japiim na moleira cagou

Tropecei bem na unha encravada
Rasgou a rede puída
Toalha caiu dentro da privada
Estourou a minha nascida

Rasa de açaí vi tombar no rio
Na perna fisgou uma arraia
Hoje me estranhou o cão que crio
Cordão me roubaram na praia

Queimou o meu rádio novinho
Um raio veio no telhado
Comboia topou-me no caminho
Feijão eu comi bem queimado

Eu subo no barco que construí
Rezo bem alto em mim
Dedico todo o meu sorrir
O mal sempre tem um fim
Pra um obrigado um florir
Uma criança eu vi
Tudo que valha em si
Minha força vem de Ti

Polícia achou que era bandido
Livrei-me, mas ainda apanhei
Ao abrir a boca engoli mosquito
Da estiva da vila eu despenquei

Pisei na rama do murumuru
Morcego mordeu-me a orelha
No porre dormi com um mutum
Rasparam-me a sobrancelha

Ex-sogra disse que eu não prestava
Cunhado deixou um prejuízo
A rasga-mortalha me agourava
Doeu-me o dente do juízo

O barco encalhou na vazante
Na terra das carapanãs
Um breu é o que vejo adiante
Pousou no meu ombro chicuã

Saia fora e voa pra os teus
Não acabas com sonhos meus
Não terei a morte daquele Orfeu
A Santa já intercedeu
Escritura que me valeu
Motivo do amor comoveu
Se ainda não convenceu
Eu teimo sendo de Deus.

Pantoja Ramos.
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/4971248


sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Ao IFT Núcleo Altamira

Após 16 anos de vida profissional com comunidades tradicionais, esta consultoria voltou novamente a motivar-se para a luta por direitos socioambientais na mesma intensidade quando dos primeiros trabalhos em Gurupá, no início dos anos 2000. Impressionante constatar que mesmo após tanto esforço para colaborar na consolidação dos processos fundiários em favor de famílias agroextrativistas, regiões como Almeirim ainda buscam a segurança a terra em seu reconhecimento, princípio básico de cidadania do campesinato. Parece que tal município esteve no limbo, alheio e alienado à toda conquista obtida na Amazônia em relação aos territórios dos povos da floresta.

Da mesma maneira, surpreendente fora o despertar de um grupo de lideranças que resolvem transformar este questionamento, tardio, porém necessário, em uma rede intercomunitária. Forte e insinuante, a RICA hoje se coloca como uma alternativa de reflexão em uma região dominada pelo modelo empresarial que não colaborou muito a agricultura familiar. A pergunta estava adormecida, o IFT em sua nobre equipe só ajudou que as comunidades levantassem a mão para indagar.

E indagaram. E questionaram. E protestaram. E nunca mais serão os mesmos. Direitos constitucionais são agora buscados, tendo o Ministério Público Estadual a sua voz para equilibrar as forças, historicamente descabidas para o lado de quem tinha condições de pagar um corpo jurídico para manter a situação em quase 40 anos de história.

Este consultor agradece à equipe do IFT pela renovação profissional enquanto cidadão. Somos antes de tudo, isto, pessoas, não máquinas como diria Chaplin. Trazer a esperança da liberdade à alguém é descobrir a América novamente. Indignar-se com uma casa derrubada pelo grande capital é relembrar porque alguns profissionais nasceram para servir a sociedade. Para estes, a ideia de horas/ dia não cabe. Só o que cabe é a justiça, atemporal e espalhada no horizonte. Mas só a enxergam aqueles que têm fé.

Obrigado pela fé.