terça-feira, 19 de abril de 2016

Crônicas do Corte: Sobre os 10 anos da Lei de Gestão das Florestas Públicas


      






  Belém, 19 de abril de 2016.



Uma coincidência só existe se houver dois fenômenos relevantes para ironizarem-se entre si. Hoje é dia do Índio, dia dos maiores mantenedores da Floresta Amazônica e que muito nos ensinam sobre a arte de conviver com a natureza. Também hoje participei do seminário sobre os 10 anos da Lei de Gestão de Florestas Públicas, segundo a Lei Nº 11.284, de 2 de março de 2006. Como o formato do evento em que participei não tinha o tempo em suficiência para aprofundar a troca de ideias entre os participantes (o que eu particularmente não aprecio), decidi fazer um texto para colocar um pouco do que penso. Então, genuinamente de bate-pronto, peço desde já desculpas pelos equívocos, porém, a data é importante demais para não fazer uma reflexão. Fui testemunha do debate sobre as primeiras concessões florestais no Estado do Pará, quando atuei na diretoria de Gestão de Florestas Públicas do então recente IDEFLOR (em 2009-2010).

Interessante lembrar do intenso debate que tive sobre a verdadeira gestão florestal em áreas públicas, do navio de exportação à canoa (ou rabeta, sendo mais moderno) do ribeiro. Remete-se sempre ou reduz-se comumente a Lei 11.284 como a de Concessões Florestais para a Exploração Florestal Madeireira Empresarial. Nunca entendi isso. Talvez tenha sido o principal motivo de algumas reclamações mais ríspidas da AIMEX sobre minha breve passagem do IDEFLOR, sim, porque me orgulho e coloco no currículo o fato de ter sido pauta de uma de suas reuniões. Reconhecia e reconheço o título deste seminário como a da construção do igual, a colocação de um mesmo peso da Concessão Florestal para Fins Madeireiros e da Concessão de Direito Real de Uso das Comunidades locais. E como sou um péssimo técnico especificamente operacional da extração da madeira (um dos piores que conheço), quando trabalhei no IDEFLOR lancei o olhar para o artigo 6° da referida lei, de ordenamento territorial*, de outorga florestal na sua concepção. A equipe daquela diretoria muito se esforçou para a segurança de todos, para a paz, para que todos de maneira justa pudessem ter acesso aos bens e serviços da floresta. 

A extração irregular de madeira, a falta de regularização fundiária e os conflitos agrários decorrentes a estes dois primeiros fatores davam ar de pensamento que ali sim ocorria privatização da floresta: o grileiro/ madeireiro chegava, dizia que a terra era dele, expulsava a família, empobrecia o local, sem o Estado e Município nada arrecadar. Sei disso, pois sou de Portel, testemunha ocular e matemática do quanto gerações podem ser roubadas quando não há controle florestal. A presença do Governo resumida em Plano Anual de Outorga** Florestal (PAOF) daria pela primeira vez a possibilidade da Estatização e observância enquanto sociedade deste importante patrimônio brasileiro que é a floresta, agora consagrado também no Código Florestal de 2012. Queria, contudo, concentrar-me no artigo sexto da lei, mas é quase impossível diante de tanto assunto e raciocínios.

Lembrança tenho das discussões sobre o PAOF em áreas públicas não arrecadadas. Recordo das críticas que recebemos de profissionais da área federal. “Fazer em Glebas?”. Insistência. Fazer em Glebas sim. Ordenar territórios até então esquecidos nos seus conflitos e ameaças. Criar decretos de reserva, como resposta à insegurança no Mamuru-Arapiuns, no Oeste Paraense, onde criou-se mais tarde assentamentos agroextrativistas. Ir para o debate na Gleba Bacajaí, onde boa parte hoje é Terra Indígena. Discutir a Gleba Joana Peres 2, em Portel, onde hoje prevalece a destinação prévia, o que já dá segurança às cercas de 1.500 famílias locais graças ao Decreto 579 do Governo do Estado do Pará, de 30 de outubro de 2012***, articulado a nível governamental sobretudo pelo IDEFLOR, que deu origem à criação de mais 4 Glebas****. Vitórias neste bom combate que é garantir o uso tradicional dos moradores locais. Não houve Concessão Florestal Madeireira, mas houve Outorga Florestal para as famílias. O enfrentamento agora é diminuir a extração ilegal na região, e neste momento, a gestão do patrimônio público precisa ser mais efetivo para coibir tais crimes. Se monitorar via satélite o corte seletivo de árvores na mata já é tecnologicamente possível, é hora dos governos agirem.

Uma pena que a destinação prevista nestes 10 anos em seu todo não é uma realidade como deveria ser. Tenho acompanhado o processo de Concessão Florestal Madeireira na Floresta Nacional (Flona) de Caxiuanã. Ali vivem pessoas que moram a mais de 50 anos, misturadas a outras centenárias, interligadas certamente (sem eu não saber o quanto) à povos indígenas marajoaras, ali vai um novelo a perder no tempo. Quando as lideranças das comunidades de Caxiuanã perguntaram oficialmente ao SFB o que era a Concessão Florestal, uma pronta resposta foi dada de Brasília, não de explicação, mas sim que não viriam. Fiquei encucado com este posicionamento, o que me levou a outro questionamento: como os ribeiros locais não possuíam até hoje um documento que reconheça sua regularização fundiária (apesar dos anos vividos na Flona), isto é, uma concessão de direito real de uso, como imediatamente contratos empresariais seriam assinados para a extração de madeira? É justo? E se for uma lacuna recorrente nas outorgas de outras Florestas Nacionais e Estaduais? E se outras localidades não receberam palestras direcionadas a elas sobre a Lei de Gestão de Florestas Públicas, o que esclareceriam seus direitos e ganhos socioeconômicos? Espero que seja apenas um longo lapso e uma longa falha de comunicação que coincidentemente bateu no pior IDH do Brasil, o município de Melgaço.

Planos Anuais de Outorga Florestal não deveriam terminar com a destinação e início da operação madeireira. A gestão compartilhada é necessária na área licitada e nas áreas comunitárias destinadas de maneira contínua. Prefeituras, comunidades, empresas, Estado, União precisam proteger a forma correta de se fazer manejo florestal, pois cada desvio de conduta significa a evasão de milhões de reais de arrecadação. E entendo ser ainda tal comunicação e interação o desafio dos próximos anos na execução da Lei 11.284. Inclusive agir harmonicamente com o Código Florestal, que estabelece o Cadastro Ambiental Rural (CAR) Declaratório em área públicas, dispositivo que sem o devido cuidado, como no caso paraense, abre a porta perigosa da grilagem institucionalizada. Para o uso florestal de posses mansas e pacíficas, o CAR precisa acompanhar este sentimento, manso e pacífico. Se existe um Cadastro Nacional de Florestas Públicas, um Cadastro Estadual de Florestas Públicas, a ferramenta CAR precisa dialogar mais. 

Desejaria registrar uma quantidade muito maior de provocações de reflexões sobre a utilização dos recursos florestais em áreas públicas, porém, é assunto de verdadeira tese. Assim, simplesmente, adiciono a aqui a intenção em contribuir com o tema sempre, juntamente com outros colegas, que miram a terminologia de bens e serviços da floresta em substituição aos conceitos de “madeireiros” e “não madeireiros”, que reduzem à floresta ao estado de queda. Um dia penso que não existirão mais editais licitatórios de concessão florestal empresarial madeireira que pouco discutem a situação socioeconômica dos municípios amazônicos.  Sou otimista na criação dos Conselhos Municipais de Floresta, auxiliando no monitorando da mesma, na arrecadação alcançada, nas políticas públicas consequentes.


Neste Dia do Índio, precisamos aprender cada vez mais a sermos mantenedores da floresta enquanto patrimônio, enquanto dádiva. Para os parentes, ela é um bem de todos, onde todos são parte dela também. Igual. Justo. Pacífico. Para nós técnicos cartesianos, devemos imaginar um Descartes um pouco mais sensível.




(*) Art. 6o Antes da realização das concessões florestais, as florestas públicas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais serão identificadas para a destinação, pelos órgãos competentes, por meio de: I - criação de reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, observados os requisitos previstos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000; II - concessão de uso, por meio de projetos de assentamento florestal, de desenvolvimento sustentável, agroextrativistas ou outros similares, nos termos do art. 189 da Constituição Federal e das diretrizes do Programa Nacional de Reforma Agrária;    III - outras formas previstas em lei.

(**) Outorga significa consentir, dar, atribuir, transmitir, conceder, autorizar.

(***) Art. 2º As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

(****)Alto Camarapi, Acuti-pereira, Acangatá e Jacaré-puru.

Lamberto, o Traumatizado: No dia do Índio, Apologia à Abel

Quando Lamberto, o Traumatizado, passeava com sua netinha Maria Aneci na pracinha naquele 19 de abril, aproveitou e resolveu cantar uma musiquinha indígena que um velho amigo seu, Justo Colares, lhe havia ensinado:

Umuarama, umuarama, umuarama,
aruê, aruá, chunguê, chungá...

Umuarama, umuarama, umuarama,
aruê, aruá, chunguê, chungá...


Um policial chegou próximo a ele, e coercitivamente, exigiu que o acompanhasse até a delegacia. "Mas o que fiz??", reclamou Lamberto.

"Apologia à Abel"*.

"Apologia a quem???".

Foram os três caminhando, quando pessoas  se aproximaram e lhe dirigiram posturas de ódio, pareciam que o xingavam, mas as palavras em seu conteúdo não tinham cunho de tanto.

"FORA PATAXÓ!!". "PATAXÓ". "FORA XAVANTE!!". "TUPI!!". "YANOMAMI!!". "BUUUU!!". "BUUUU MAPUÁ". "SAI FORA PARACANÃ!!".

Estavam enfurecidas. Um homem lhe jogou um ovo no rosto, que espirrou gosmento também no rosto de Maria Aneci, que gritava desesperadamente em sua inocência e susto. 

Na delegacia, o policial contou ao delegado a situação. 

"Por sua criança, e por não conheceres a nova lei, te libero desta vez, mas não faças mais isto!". Disse a autoridade ali sem mais detalhes. 

Lamberto saiu do local sem ainda nada entender.

Já na proteção do lar, seu filho Simone e sua filha Shana perguntam o que houve, com a mãe instantaneamente tentando acalmar a pequena que ainda soluçava. 

Lamberto observa a televisão ligada no Vale a Pena Ver de Novo, no qual reprisava pela sétima vez O Rei do Gado.

Desligou a televisão. Pensou.

De frente à netinha já menos chorosa, porém, com lágrimas marcadas na face rosada, Lamberto começou a pisar firme, sorridente, cantando e dançando para alegrar a menina: 

Umuarama, umuarama, umuarama,
aruê, aruá, chunguê, chungá...

Umuarama, umuarama, umuarama,
aruê, aruá, chunguê, chungá...

Pisa Ligeiro, Pisa Ligeiro...


Maria Aneci sorriu e até bateu palminha.








Sem Traumas.



(*) para entender, ler http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/5225528 


sexta-feira, 8 de abril de 2016

Lamberto, o Traumatizado: Lei de Moro

Lamberto, o Traumatizado, passeava pela praça quando um pombo lhe pairou pela cabeça. Botou o boné para evitar uma cagada na moleira. De tanto olhar pra cima, pisou na caca do cachorro. "Peste!". Pensou na Lei de Murphy, "quando é pra dar errado, vai dar errado...".

Pediu pra um senhor de uma mercearia um pouco de água para lavar a sola do sapato fedorento. O homem deu uma garrafinha de água, "R$2,00 tá?". "Cara, você vai me cobrar?". Saiu mais puto ainda, pensando que muita gente quer levar vantagem na desgraça alheia, "Lei de Gerson", protestou calado.

Passou na frente de uma padaria, onde as pessoas comiam pão e tomavam café sem tirar o olho das notícias sobre a investigação da Lava-Jato. Depois de ver a reportagem chapa-branca da Globo sobre as conduções coercitivas sem mandato prévio, em subtons e imagens que transformavam o juiz responsável (??) em herói, matutou: "Hum, tira as coisas da própria cabeça, parece que quer uma Constituição só pra ele...".

"Lei de Moro".

Lamberto pisou novamente onde não devia.

Deu cocô.
 







Sem Traumas.