terça-feira, 28 de junho de 2016

A INFLUÊNCIA DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NAS PRÁTICAS ALIMENTARES DAS FAMÍLIAS DO TERRITÓRIO DO MARAJÓ, PARÁ, BRASIL *

Rio Piriá, Curralinho, Marajó, Pará.

Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial
(NEDET/Marajó/CODETEM).

 1. INTRODUÇÃO

Os programas de transferência de renda têm influência direta nas práticas ou hábitos alimentares de grupos ou sociedades. O acesso a um padrão de consumo mais elevado pelas famílias beneficiárias modifica, de certa forma, as práticas alimentares locais, positiva ou negativamente, dependendo da situação e das escolhas dos próprios beneficiários.

Programas de transferência direta de renda condicionada têm como objetivos o alívio imediato da pobreza e da extrema pobreza em curto prazo, elevar o investimento no capital humano em longo prazo e, principalmente, a quebra do ciclo de transmissão da pobreza entre gerações.

O Programa Bolsa Família (PBF), em 2015, beneficiou quase 14 milhões de famílias, com benefícios médios de R$ 163,57. O valor total transferido pelo governo federal em benefícios às famílias atendidas ultrapassou os R$ 2 bilhões de reais, representando cerca de 0,4% do Produto Interno Bruto – PIB do país. Porém, além dos impactos sociais, o PBF representa impacto significativo na atividade econômica, uma vez que para cada R$ 1,00 investido no programa, o mesmo representa um aumento de R$ 1,78 no PIB, possuindo uma relação custo x benefício amplamente benéfica na economia do país.

No Estado do Pará, segundo o Relatório de Informações Sociais do Brasil, existem 1.376.705 famílias cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CADÚnico), famílias que possuem renda de até meio salário mínimo por pessoa ou renda total de até três salários mínimos. Desse total, 913.985 famílias recebem o benefício do PBF. No Território do Marajó são 99.619 famílias cadastradas e 78.573 famílias beneficiárias do programa, movimentando um montante de R$ 17.617.230,00 em 2015.

2. CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

Foram realizadas visitas em cinco municípios do Território do Marajó (Cachoeira do Arari, Salvaterra, Curralinho, Melgaço e Portel), no período de agosto a novembro de 2015. Foram entrevistadas 50 famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, sendo 10 em cada município. Objetivou-se, com esses municípios, alcançar famílias pertencentes às três microrregiões do Território do Marajó (Figura 01), obtendo maior representatividade territorial nas informações. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, listagem livre e questionário sobre consumo de diferentes grupos alimentares. O roteiro foi dividido em três seções: a) dados socioeconômicos e hábitos alimentares; b) informações sobre (in)segurança alimentar e; c) informações sobre o destino dado aos recursos recebidos do Programa Bolsa Famílias, com dois focos, geral (gastos realizados) e específico, gastos com alimentação.




3. A INFLUÊNCIA DO BPF NA MESA MARAJOARA

A renda, proveniente dos benefícios do Governo Federal, aparece como a principal fonte de renda fixa das famílias. Além do benefício do Programa Bolsa Família, a aposentadoria e o seguro defeso foram citados pelas famílias entrevistadas. Das 50 famílias, 18 (36%) declararam ter alguém da família que recebe a aposentadoria e 13 (26%) recebiam o seguro-defeso, um benefício financeiro temporário fornecido aos pescadores durante o período do defeso. A maioria dos entrevistados foi mulheres (73%) com renda inferior a 01 (um) salário mínimo (36%), idade entre 40 e 50 anos, respectivamente 25% e 21%, e com baixo nível de escolaridade (Ensino Fundamental incompleto,75%), tendo estudado até a 4ª serie ou 5º ano (29%). O número de pessoas por unidade familiar ficou na faixa de 2 a 4 pessoas (52%).

O recurso proveniente dos programas de transferência direta de renda, como o PBF, apresenta uma importância relevante no que tange às estratégias desenvolvidas dentro da unidade familiar, principalmente, pelo seu caráter mensal e fixo e, portanto, confiável. A liberdade na forma de investimento do recurso, a autonomia na tomada de decisão sobre em que, como, e onde aplicar esse recurso, acarreta melhoras no bem-estar social das famílias beneficiárias.

De maneira geral, conforme observado na pesquisa, o recurso é destinado para suprir as necessidades mais imediatas da unidade familiar, mas principalmente à compra de material escolar e de uniforme para as crianças, à aquisição de equipamentos eletrônicos e outros bens (geladeira, televisão, ventilador, bicicleta, entre outros) e, principalmente, à aquisição de alimentos.


“pra roupa, pra remédio, pro alimento, pra tudo eu tiro desse dinheiro, pra me manter, eu e meus filhos... (Ribeirinha, Portel).

“quando chega o tempo do meu benefício, eu venho, “arrecebo” [recebo] compro meu pirão, né, arroz, feijão, carne, frango... (Pescador, Melgaço).


A renda proveniente do PBF possibilita o acesso a um padrão de consumo mais elevado pelas famílias beneficiárias, possibilitando a compra de bens, anteriormente, não acessíveis devido à falta de uma renda fixa. Essa realidade, segundo os entrevistados, reflete na qualidade de vida das famílias, tendo em vista que após o recebimento do benefício “ficou mais fácil pra conseguir as coisas”, “o benefício ajudou na compra de outros alimentos”, “ajuda na complementação da alimentação”.

Observou-se um aumento significativo na quantidade e na variedade dos alimentos adquiridos pelas famílias (Figura 2). Pode-se observar um maior consumo de proteína tanto de origem animal: carnes (58%), ovos (50%) e leites e derivados (50%) quanto de origem vegetal: Feijão (72%). O consumo de Cereais aparece na segunda posição com um aumento de 66% entre os entrevistados, principalmente, de arroz, farinha e macarrão.



Esse consumo foi observado nas principais refeições do dia, principalmente no almoço, considerado a refeição mais importante pelas famílias locais, devido à necessidade de “ser uma refeição mais completa” – completa no sentido de maior quantidade. Durante as entrevistas, o termo quantidade foi muito utilizado para descrever saciedade, pois ocorrendo o almoço em um horário intermediário, meio do dia, é dele que as famílias tiram as energias para o trabalho e para as demais tarefas do dia.

O maior consumo de feijão e arroz nas práticas alimentares das famílias marajoaras pode ser relacionado a “hábitos alimentares compartilhados e socialmente sancionados pela população brasileira”. Neste contexto, existem práticas alimentares que são características comuns ao longo da população brasileira, consequentemente, pode ser observada nas diferentes regiões do país, inclusive no Território do Marajó.


“antes assim, eu não sabia o que era comer um feijão, comer um arroz, um macarrão, uma comida temperada com uma cebola, um óleo, agora, assim, já consigo comprar” (Agricultora, Melgaço).



O consumo de frutas (50%) e hortaliças (46%) apresentou variação menor, uma vez que o consumo desses alimentos não sofre influência direta do benefício, pois, segundo os entrevistados, as frutas são “produzidas” localmente, ou seja, suas aquisições provêm diretamente da unidade familiar, dos quintais e das áreas no entorno das propriedades. Apesar do autoconsumo, poucas famílias afirmaram incluir com frequência frutas, verduras e hortaliças nas refeições diárias, demonstrando a necessidade de atividades educativas junto aos beneficiários, que aborde a importância de uma dieta variada, que incluam esses produtos.


Podemos observar que os cereais (arroz), leguminosas (feijão), grãos (milho), tubérculos e raízes (mandioca, macaxeira) constituem parte importante nas práticas alimentares das famílias marajoaras, sendo a base nas refeições, pois são os alimentos que dão “força” para o trabalho, e sua produção é destinada tanto para o autoconsumo quanto para complementação da renda familiar, assim como, nas relações de vizinhança (trocas).


“macaxeira, eu não gosto de vender, só tiro pra comer [...] quando dá bem esse negócio de jerimum, milho, maxixe e cana, quando dá, assim, mais “avortado”, aí dá pra gente vender um pouco [...] o milho, o feijão a gente sempre tem, troca por ali por um cafezinho, uma fruta, uns trocados [...] assim vamos levando (Agricultora, Portel).

A variação no consumo de açúcar (54%) e óleos e gorduras (58%) foi elevada. Muitas famílias, durante as entrevistas, comentaram o consumo de: sardinhas em conservas, salsichas, carnes enlatadas e de macarrão instantâneo, demonstrando um aparecimento constante desses alimentos nas refeições, embora dissessem que “não houve diferença” no consumo acarretado pelo recebimento do benefício. Esse aumento da inserção desses alimentos nas práticas alimentares das famílias locais ocorre devido ao baixo custo desses produtos em relação aos alimentos naturais (frutas e verduras), da praticidade e da grande aceitação por parte, principalmente, das crianças e dos jovens.

O consumo de doces e biscoitos é elevado e foi, constantemente, relacionado a um passado de dificuldades e de baixo poder aquisitivo. Foi comum, durante as entrevistas, as famílias admitirem comprar determinado produto, pois na infância, seus pais, não tinham condições financeiras de adquirir e, nos dias de hoje, com uma renda melhor, acesso a crédito e maior confiabilidade nos mercados locais, buscam proporcionar um padrão de vida aos seus filhos que não puderem usufruir.


4. CONSIDERAMOS QUE:

Os programas de transferência condicionada de renda influenciam diretamente nas práticas alimentares locais, uma vez que possibilitam uma ascensão social em relação ao aumento do poder aquisitivo dos beneficiários.

No que concerne às mudanças nas práticas alimentares, o recebimento do benefício proporcionou o acesso a uma alimentação mais variada e em maior quantidade, embora, às vezes, não suficiente para durar o mês inteiro.

Os beneficiários tiveram mais acesso a produtos “nos dias de hoje” que “nos tempos anteriores” tinham mais dificuldade com: proteína de origem animal (derivados do leite e, principalmente, carne vermelha e frango); proteína de origem vegetal (feijão) e um maior aporte no consumo de cereais (arroz, macarrão, farinha), fontes de carboidratos, alimentos essenciais no fornecimento da energia necessária para a condução das atividades desenvolvidas na localidade: agricultura, pesca e extrativismo.

A renda, proveniente dos benefícios, proporcionou um aumento no padrão de consumo das famílias, as quais puderem acessar produtos tanto alimentares quanto não alimentares que antes não era possível, devido à renda baixa e instável. Porém o benefício acarretou o aumento no consumo de produtos de baixo teor nutricional (doces, biscoitos, açucares, óleos e gorduras) e pouca relevância no consumo de verduras e hortaliças, indicando a necessidade de atividades educativas juntos às famílias beneficiárias, sobre a importância de dietas mais variadas e ricas em nutrientes, provenientes de produtos naturais como frutas, verduras e vegetais. 



Agradecemos aos parceiros CNPq/MDA; municípios visitados durante a pesquisa; CODETEM, e as famílias que nos receberam com toda paciência.



(*) A versão original deste texto foi publicada na revista Scientia Plena, vol. 12, nº 06/2016, www.scientiaplena.org.br

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Suspensão do Leilão de Terras no Marajó/ Caso Leilão da Trevo

Caríssim@s,

Devia esta informação há tempos de socializar.

Abaixo segue a informação da Juíza Mariana Gusso, da 1a Vara de Falências e Recuperação Judicial, Curitiba-Pr, decidindo pela suspensão do leilão das ditas terras da Trevo e Brumasa no Marajó (Portel, Breves, Anajás, Afuá e Portel).


Uma vitória (por enquanto) dos procuradores do Ministério Público, Universidade, advogados e sociedade civil organizada do Marajó sobre esta questão absurda.





domingo, 19 de junho de 2016

Lamberto, o Traumatizado: Contrata-se Um Humorista Inocente



Lamberto, o Traumatizado desta vez não reclamaria de um trauma. Pelo contrário, ao receber a notícia que o Doutor Girafales tinha falecido (sim, pois nunca existiu para ele o senhor Rubén Aguirre e sim somente o Professor Girafales), despejaria um unguento sobre suas más memórias o bordão "Tá-Tá-Tá-Tá" reclamantes para um Chaves desastrado e inocente com as palavras. Dali daquela turma somente lembranças boas de risadas, sorrisos bobos, tudo sem má intenção. Ficara a herança. Olhou para seus filhos, para sua netinha e para seu amigo ancião Bom Colares, foi à casinha do quintal, datilografou uns dizeres na máquina quase enferrujada que ainda possuía e estampou anúncio no poste da esquina de sua rua, que assim pedia:


CONTRATA-SE UM HUMORISTA INOCENTE


CONTRATA-SE UM HUMORISTA 
PARA A VOSSA INFÂNCIA
PARA OS SEUS DISSABORES DE ADULTO
PARA A MINHA VELHICE
PARA OS DIAS ESCUROS
CONTRATA-SE

NÃO PRECISA USAR PALAVRAS CHULAS
APENAS UM VOCABULÁRIO DE PALAVRAS SIMPLES E NA MEDIDA CERTA
NÃO PRECISA SEXUALIZAR SEU TEXTO
APENAS TER UM SORRISO INOCENTE ANGELICAL SOBRE A IRONIA QUE NOS CERCA 
NÃO PRECISA SER COMPLEXO EM SEU ROTEIRO
E SIM A SIMPLICIDADE DE MOSTRAR O QUÃO ENGRAÇADOS SOMOS NO FINAL DAS CONTAS

PRECISA-SE DE UM HUMORISTA QUE TRAGA NO CURRÍCULO
UM DÉCIMO DO SORRISO DE CARLITOS
UMA PITADA DA INOCÊNCIA DE CHAVES
UM PEDAÇO DA PERALTICE DA CHIQUINHA
UM JINGADO DE PANDEIRO DO MUSSUM
UMA RISADA CONTAGIANTE DO ZACARIAS
UM QUARTO DAS IDEIAS DO MAZZAROPI
UMA FLASH DO OLHAR DE ZÉ BONITINHO
UM DÉCIMO DA SABEDORIA DO PROFESSOR RAIMUNDO
UM PRONOME DO SEU EUSTÁQUIO
UM GRITINHO PURITANO DE DONA BELA
UMA FRASE DO PROFESSOR GIRAFALES
UMA CARA ENGRAÇADA DO SEU BATISTA
UM NACO DA FILOSOFIA DE RONALD GOLIAS
ATÉ MESMO COM A SORTE DO SEU MADRUGA

NÃO PRECISA DORMIR NO EMPREGO
APENAS FUTURAMENTE ESTAR EM NOSSOS SONHOS

É PRECISO, CONTUDO, NATURALMENTE NOS FAZER SORRIR
ESSA É A EXIGÊNCIA DO CARGO

CONTRATA-SE UM HUMORISTA
QUE FAÇA COM QUE TODOS SE SINTAM CRIANÇAS.






Sem Traumas.



quinta-feira, 16 de junho de 2016

Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó: Leilão da Trevo, APA do Marajó e Plenária de Mulheres



Socializo o relatório do Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó.

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MEMÓRIA DA REUNIÃO DE NÚCLEO DIRETIVO CODETEM

No dia 13 de junho de 2016, no auditório da Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó – AMAM, a partir das 10:00h, ocorreu uma reunião de Núcleo Diretivo do Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó, CODETEM, para tratar das seguintes pautas: 1) Leilão de terras no Marajó; 2) Plenária Territorial de Mulheres; 3) Criação do Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) do Marajó. Das organizações que compõem o Núcleo Diretivo estiveram presentes: MDA/DFDA-PA; SPU/PA; AMAM - (Poder Público); FETAGRI; Colônia de Pescadores Z 37; Movimento de Mulheres; Prelazia do Marajó e Movimento Quilombola - (Sociedade Civil). Foram quatro (04) as entidades que compõem este Núcleo que estiveram ausentes, sendo que três (03) manifestaram justificativas (EMATER, Prefeitura de Chaves e Prefeitura de Muaná). Outras entidades envolvidas na pauta também se fizeram presentes, assim como convidados e observadores. Registrou-se: IDEFLOR-Bio; NEDET/Marajó; Consultoria CODETEM; STTR-Breves; STTR-Ponta de Pedras; STTR-São Sebastião da Boa Vista; SUDAM; Estagiárias da UFPA/Serviço Social.

As discussões iniciaram com a pauta sobre o Leilão de Terras no Marajó. Este episódio alarmou organizações da sociedade civil e poder público, pois, de forma repentina, tomou-se conhecimento de que mais de 251.000 hectares de terras no Marajó seriam leiloados no dia 02 de junho de 2016, pela 1º Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR. As áreas descritas no edital de leilão foram citadas como de pertencimento a massa falida da Indústria TREVO, do ramo de exploração madeireira, a qual se denominava possuidora de terras no Marajó, durante os anos de 1960 a 2000. Essas áreas estão situadas nos municípios de Anajás, Breves, Gurupá, Portel e Afuá, e estavam avaliadas no valor total de R$14.853.152,00 (quatorze milhões, oitocentos e cinquenta e três mil, cento e cinquenta e dois reais), e que receberiam um lance inicial de R$10.397.207,00 (dez milhões, trezentos e noventa e sete mil, duzentos e sete reais), o equivalente a 70% do valor total. As áreas descritas no edital de leilão não apresentavam informações claras com as quais se pudesse identificar sua exata localização, porém, certamente estavam sobrepostas a áreas nas quais milhares de famílias são reconhecidas pelo Governo Federal através de Projetos de Assentamento Extrativista (PAE) e Reserva Extrativista (RESEX). O conhecimento sobre o leilão de terras serviu para despertar, novamente, a população local, lideranças sociais e o poder público sobre a regularização fundiária no Marajó. Desse modo, a sociedade civil organizada no Marajó, em articulação com o poder público, sobretudo com os Ministérios Públicos Estadual e Federal, se manifestou contrária a este episódio, classificado como uma tentativa de grilagem de terras, já que, atualmente, recebem algum tipo de destinação fundiária por meio de ações do Governo Federal, atentando para o fato que não foi a primeira tentativa de leiloar essas áreas. Depois da manifestação contrária, o leilão de terras no Marajó está suspenso, de acordo com os trabalhos do INCRA/SR-01/SEDE, MPF/PA, Procuradoria Federal no Estado do Paraná e demais instituições estaduais. Mesmo com suspensão do edital de leilão, o CODETEM deverá se posicionar juridicamente sobre o episódio para que o mesmo seja definitivamente cancelado.  Por conta desse episódio, para o CODETEM, cabe realizar um estudo fundiário sobre a área em questão, identificando, através de documentos oficiais, quais dessas áreas realmente não pertencem a Indústria TREVO. Também cabe a realização de uma ampla plenária envolvendo as instituições do poder público responsáveis pelo ordenamento territorial e ambiental no Marajó, pois, não são claras as definições de cada órgão público, o que tem levado a sobreposição de ações, e isso tem causado sérios conflitos entre comunitários, que acontecem principalmente pela ainda falta de entendimento sobre os dispositivos, a exemplo do Cadastro Ambiental Rural (CAR) - que está localmente sendo compreendido como “documento de terra” - e os Termos de Autorização de Uso Sustentável (TAUS). Outras ameaças são evidenciadas, a exemplo, a existência de uma ação de grandes produtores de açaí, do município de Ponta de Pedras, pedindo a anulação de TAUS. Também, já se identifica a sobreposição de CAR particular em áreas de PAE’s, onde, por via de regra, deveriam existir CAR coletivo. Além desses problemas locais, há sérias complicações de maiores magnitudes, como os relacionados a implantação dos grandes projetos de rizicultura no Marajó, que se consolidam no município de Cachoeira do Ararí, e agora avança para Salvaterra. Atrelado a isso, identifica-se a possibilidade de construção de grandes portos para o escoamento de grãos, no município de Ponta de Pedras.

O seguinte ponto tratado foi sobre a Criação do Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) do Marajó. Diante da plenária chamada pelo IDEFLOR-Bio para constituição desse Conselho estar programada para o dia 14/06/2016, o CODETEM procurou tomar um posicionamento sobre o caso. Partiu-se da análise que as discussões sobre a criação desse Conselho deveriam ser mais intensas entre os órgãos públicos com competência ao tema (INCRA, ICMBio, SPU, por exemplo) e, especialmente, entre os marajoaras, pois, a APA Marajó foi criada pela Constituição Estadual do Pará, de 1989, e, desde então, diversos processos dinâmicos e complexos se desenrolaram no Território do Marajó, e que ainda carecem de um melhor entendimento antes de qualquer decisão a ser tomada, pois, a ausência do Estado do Pará em discutir o tema provocou enorme lacuna. Houveram diversos tipos de argumentos e questionamentos na reunião que tocaram em pontos como, por exemplo:
i) Discussão sobre o Marajó se tornar Reserva da Biosfera;
ii) Ações complexas de órgãos como INCRA, SPU, ITERPA, ...
iii) Falta de direcionamento da política de ordenamento territorial, podendo a APA gerar mais complicações ao processo de regularização fundiário e ambiental no Marajó;
iv) A criação de Unidades de Conservação no Marajó tem, na verdade, prejudicado o acesso de famílias a política pública, porque a burocracia é tremenda, e isso é preocupante, caso o Conselho da APA venha a causar o mesmo efeito;
v) Ausência do Governo do Estado do Pará no Marajó; e,
vi) A esfera municipal é frágil para operar a gestão ambiental.
Desse modo, o CODETEM, que tem feito da luta pela identidade marajoara uma de suas principais bandeiras, não compactua com a ideia de que apenas doze (12) municípios do Marajó participem deste Conselho, porém, sim, os dezesseis (16) municípios que compõem hoje o Território da Cidadania do Marajó. Outra questão abordada pelo CODETEM foi em relação ao Conselho gestor da APA ser apenas consultivo, e não deliberativo. Porque, entende-se que a consulta sobre questões relevantes poderá ser um processo frágil, particularmente em momentos conjunturais de ataques a conquistas e direitos sociais. Além do mais, o artigo (13º) que cria a APA Marajó não foi regulamentado, mesmo passados vinte e sete (27) anos, e isso demonstra que este caso merece melhores procedimentos, até que se tenha clareza sobre o processo de funcionamento desta APA. Perante as discussões em torno desse tema, o CODETEM optou por encaminhar propostas, como:
a) O Governo do Estado do Pará deverá realizar uma agenda de debates sobre a APA Marajó, envolvendo órgãos e população local para melhor sensibilização ao tema;
b) que o Conselho Gestor da APA contemple os 16 (dezesseis) municípios do Território da Cidadania do Marajó;
c) que o Conselho da APA Marajó seja deliberativo, e não consultivo;
d) que seja criado o marco regulatório da APA Marajó, em caráter de urgência.
Essas propostas foram defendidas pelo CODETEM na plenária de criação do conselho gestor da APA Marajó, que ocorreu no dia 14/06/2016, no auditório do Hotel Ipê, Belém – PA. Mesmo que a Plenária de Criação do Conselho Gestor acontecesse um dia após esta Reunião, a qual está se trazendo a memória, registra-se que o Conselho foi constituído com a proposta de envolver conselheiros dos dezesseis municípios do Território do Marajó. Os outros pontos levantados serão pautados durante o processo de consolidação desse Conselho Gestor.

O último ponto da reunião tratou sobre a Plenária Territorial de Mulheres no Marajó. Ficou definido que a Câmara Temática de Mulheres do CODETEM será a comissão organizadora deste evento e se reunirá em data próxima para indicar o período de realização, que tem indicação de acontecer na segunda metade do mês de agosto de 2016. Aguarda-se a participação de cerca de 250 mulheres nesta Plenária.


Território da Cidadania do Marajó, 16 de junho de 2016.


João Paulo Leão de Carvalho
Assessor Territorial de Inclusão Produtiva
Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial (NEDET/Marajó)

quarta-feira, 15 de junho de 2016

"Queremos educação de qualidade, nossos professores de volta!", protestam estudantes de Gurupá

Estudantes em protesto contra a má qualidade do ensino e falta de estrutura adequada na escola estadual Marcílio Dias, Gurupá, Marajó, Pará.









Dúvidas de Comunidades da Flona Caxiuanã

Caríssimos,

Em dezembro de 2015, reuni com algumas lideranças da Flona Caxiuanã para entregar a resposta do Serviço Florestal Brasileiro referente à solicitação das comunidades locais para maiores explicações dos conceitos e processos em curso da Concessão Florestal da Flona, suas vantagens, seus riscos, conforme carta abaixo elaborada em 5 de setembro de 2015.




Na resposta do SFB Brasília, datada em 28 de outubro de 2015, infelizmente foi negado o pedido de uma palestra ou seminário específico para as comunidades, pois as audiências públicas foram realizadas nas sedes municipais e divulgado nos meios de comunicação, segundo ofício abaixo: 



Para as famílias que elaboraram a cartinha naquele momento (setembro de 2015), haviam muitas dúvidas sobre o presente e futuro da região após a implantação das concessões florestais. Espera-se que tais informações tenham chegado a contento em 2016, conforme orienta o próprio SFB, de envolvimento do Conselho Consultivo da Flona para auxiliar nos esclarecimentos.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Um Olhar Marajoara sobre a APA Marajó: teimosias



Belém, 03 de maio de 2016.

Caríssimos e caríssimas do Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó,


Primeiramente preciso informar que a escolha do título desta carta às senhoras e aos senhores decorre de minhas inquietações sobre a retomada das discussões sobre a Área de Proteção Ambiental do Marajó (APA Marajó), as quais despertaram-me o velho sentimento de teimosia (defeito que sempre tive, mas que nos últimos anos vem curiosamente diminuindo segundo meus pares) em não debater o tema se algo não estiver na inteira linha de raciocínio de um processo, no caso aqui, a de ordenamento territorial e ambiental. Tenho dificuldades de debater lacunas se as mesmas forem abissais. Entretanto, diante de tudo que vem acontecendo no país, sou forçado a rever a posição, pois a falta de diálogo é um mal que vem assolando a população. As opiniões remetem em sua maioria argumentos do tipo oito ou oitenta, bem ou mal, pecado ou virtude, o que se chama na filosofia de maniqueísmo. Não é bem assim, há de se analisar com calma, ser construtivo, sem ódio das coisas ou divergências. Indignar-se sim, odiar jamais. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra.


Nos últimos meses, o Instituto de Desenvolvimento Florestal e Biodiversidade do Estado do Pará – IDEFLORBIO – trouxe para a agenda marajoara a implementação da Área de Proteção Ambiental do Marajó, prevista na Constituição do Estado do Pará de 1989, artigo 13* , parágrafo 2º, citando que “...O arquipélago do Marajó é considerado área de proteção ambiental do Pará, devendo o Estado levar em consideração a vocação econômica da região, ao tomar decisões com vista ao seu desenvolvimento e melhoria das condições de vida da gente marajoara...”. Apesar deste tratamento pelo Estado, não houve ainda a regulamentação do 13º artigo da Constituição Estadual, o que causou estranheza durante a pesquisa, pois outras APAS no Estado possuem marco regulatório** específico. Mas antes de tudo, é necessária a explicação do que é uma Área de Proteção Ambiental.


Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (lei 9.985, de 18 de julho de 2000), a Área de Proteção Ambiental - (APA)

“...é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
§ 1o A Área de Proteção Ambiental é constituída por terras públicas ou privadas.
§ 2o Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma Área de Proteção Ambiental.
§ 3o As condições para a realização de pesquisa científica e visitação pública nas áreas sob domínio público serão estabelecidas pelo órgão gestor da unidade.
§ 4o Nas áreas sob propriedade privada, cabe ao proprietário estabelecer as condições para pesquisa e visitação pelo público, observadas as exigências e restrições legais.
§ 5o A Área de Proteção Ambiental disporá de um Conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente, conforme se dispuser no regulamento desta Lei.


Para a utilização de seus recursos naturais, é preciso o Plano de Manejo da Unidade, regido pelo Decreto da Presidência da República 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta tais instrumentos de gestão. Em seu artigo 12*** , menciona-se que seu Plano de Manejo da unidade de conservação deve ser elaborado pelo órgão gestor e aprovado em portaria do órgão executor. Diferentemente das Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), onde o conselho é deliberativo para aprovar ou não o Plano de Manejo, ou seja, tal conselho decide, o planejamento nas APAS passa por, no entendimento destas leis e regulamentos, um caráter consultivo.


Uma vez expostas as informações acima, delineio meu raciocínio de maneira a recomendar ao CODETEM alguns cuidados no manejar deste tema, que uma vez bem conduzidos, pode trazer ao Marajó muitos benefícios socioambientais e econômicos. Ao contrário, sem a devida avaliação das vantagens e desvantagens, pode prejudicar o muito já prejudicado desenvolvimento regional do ponto de vista da amplitude do que é melhorar as condições de vida, no pensamento justo em que meio ambiente, capitais financeiros e bem-estar social e precisam estar em equilíbrio.


Hoje o Marajó detém cerca de 30% de seu território de 10,4 milhões de hectares já destinados, seja em assentamentos agroextrativistas, reservas extrativistas, territórios quilombolas, decretos de afetação e outras unidades de conservação**** , modalidades fundiárias predominantemente federais. Municípios como Afuá, São Sebastião da Boa Vista e Gurupá tem a peculiar situação de possuir hoje mais de 80& de sua área regularizada em termos fundiários. Para estas localidades, pode-se dizer que a segurança da terra finalmente chegou. Contudo, locais como Chaves, Cachoeira do Arari, Santa Cruz do Arari, Bagre e Ponta de Pedras carecem ainda de muito trabalho neste sentido. Estes avanços repercutem na capacidade de proteger o meio ambiente, diminuir o desmatamento promover justiça socioambiental.


Qual minha primeira dúvida sobre a APA Marajó? Quando fui informado do começo das atividades de campo para visitar os municípios na ação de sensibilizar a população e seus dirigentes em relação à importância da APA, fiquei pensando se não seria melhor um grande nivelamento da atual situação fundiária marajoara. Pois o próprio Governo Estadual precisa estar a par de informações neste sentido para assim propor uma gestão mais robusta. Sem a leitura do processo de segurança da terra, nem dos avanços das secretarias municipais de meio ambiente, corre-se o risco da APA como diriam os futebolistas “chegar sempre atrasada no lance”. Não treinou, não se informou e pode cometer graves erros, tendo um conselho consultivo como contraponto. Repito, um conselho consultivo como contraponto. Na questão do Parque Estadual Charapucu em Afuá, criado 1 ano depois do decreto de assentamento agroextrativista do INCRA de mesmo nome (chegou atrasado no lance!), cujo quiproquó resultou em ação do Ministério Público Estadual para tentar dar voz e direitos às dezenas famílias locais, torna-se evidente que se faça um grande movimento de nivelamento sobre o retrato do Marajó em termos de ordenamento territorial. Detalhe: agora são os 10,4 milhões de hectares envolvidos de uma só vez.


O próprio Estado do Pará precisa fazer mea culpa no que diz respeito à sua participação na segurança da terra, pois além do equívoco Charapucu, conta com apenas 1 assentamento agroextrativista estadual e 2 territórios quilombolas oficialmente reconhecidos (estes em Gurupá). Somados ao decreto de afetação 579, de 30 de outubro de 2012, que destinara cerca de 500 mil hectares em benefício de mais de 2 mil famílias portelenses, as ações do Estado resultam em 670 mil hectares, 20% de toda área já destinada no Marajó. Por isso, conhecer avanços e reconhecer erros é preciso.


Ao acompanhar os desdobramentos e agenda do IDEFLOR-Bio, percebi que Gurupá, Melgaço, Bagre e Portel não fazem parte dos locais a serem visitados, pior, não fariam parte da APA Marajó. Qual-o-quê??! Permitam-se fazer uma comparação com a disputa entre Rio Amazonas e Rio Nilo, na decisão de qual seria o maior rio do mundo. Jacques Costeau, um dos maiores desbravadores do século XX, aceitou o desafio de provar à humanidade que o Rio Amazonas seria o maior rio do planeta, de forma a mudar os bilhões de livros de geografia espalhados pelo mundo. Jacques Costeau viajou não só a calha do rio Amazonas, mas percorreu seus afluentes, estudara o que é de fato um rio, uma bacia, o volume de água envolvido. Ao final de sua expedição, foi tácito ao afirmar à academia francesa (que torciam o nariz pra ele, acho que por inveja, sei lá) que em conjunto da obra, o Rio Amazonas era sem dúvida o maior rio da Terra, sendo braços, pernas, vidas. Perdia para o Nilo em extensão, mas ganhava de sobra quando a ideia é ser de fato um Rio-Mar!


Da história acima, faço uma analogia: o que é o Marajó? O que os coloca na casa das dezenas de milhões de hectares? Talvez seja sua abrangência, suas ilhas a perder de vista, mas que fazem parte sim do mesmo arquipélago. Como não levar em consideração a Ilha Grande Gurupá, Ilha do Urutaí, Ilha do Gurupaí, encostadas nas Ilhas de Breves e de Afuá. Entre a Ilha Seretama e Ilha do Meio, tudo um mesmo ambiente insular. Ilha das Cinzas (Gurupá) vizinha à Ilha do Pará (Afuá). Portanto, Gurupá em seus 70% de áreas insulares faz parte do arquipélago. Como não levar em conta que mesmo a cidade de Bagre fica em uma ilha? Ali não muito longe da Ilha das Araras, em Curralinho. De enchentes e vazantes até boa parte do município, até onde aguenta o rio Jacundá. Então Bagre também faz parte do Arquipélago do Marajó. Com pode Melgaço ficar de fora? Pois ali está entremeada suas ilhas com as do furo de Breves, onde começa um, onde termina outro, eu só saberia se vivesse todo dia ali. Melgaço faz parte sim do arquipélago. Portel além das ilhas que dialogam com o Furo de Breves, tem como Melgaço, baías que juntam terra e águas do estuário amazônico. Também faz parte do arquipélago. Então a APA tem 16 municípios ambientalmente dispostos para seu debate. Tudo bem, se não convenço nos aspectos físicos e distribuição das ilhas, que tal olharmos a situação socioeconômico e política? O Decreto Presidencial de 25 de fevereiro de 2008 estabelece o Território da Cidadania Marajó composta dos municípios, a saber: Afuá, Anajás, Bagre, Breves, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, São Sebastião da Boa Vista e Soure. O Próprio Decreto Estadual 1.066 de 19 de junho de 2008 estabelece o Marajó como uma das Regiões de Integração do Estado. Por isso, tanto os aspectos geográficos (e as ilhas fazem a interligação), quanto políticos mostram a mesorregião do Marajó como um Território a ser respeitado nos seus 16 municípios.


Uma terceira dúvida vem da própria gestão ambiental, cujo teste foi a administração do Cadastro Ambiental Rural, o CAR, pelo Estado. Com inúmeras reclamações, o Sistema Integrado de Monitoramento e Licenciamento Ambiental - Modulo Público (SIMLAM) ao gerenciar tal cadastramento mostrou como esta ferramenta ambiental (não obstante ser fundamental para a determinação dos passivos ambientais, das áreas de reserva legal e das áreas de preservação permanente) foi capaz de provocar conflitos agrários. Sem a preocupação com a verificação da posse mansa e pacífica, abriu-se a porteira para inúmeras tentativas de intimidação de trabalhadores e trabalhadoras agroextrativistas por meio do CAR, além da sobreposição em áreas já destinadas como os assentamentos agroextrativistas do INCRA, numa clara intenção de grilagem***** . Mesmo no tratamento justo de quem vive na terra, o Estado do Pará não ofereceu condições materiais e de pessoal para que entidades como a EMATER pudessem atender a agricultura familiar e as comunidades tradicionais que vivem sobretudo da floresta neste importante cadastro. Este sim deveria ser um assunto transversal no debate inicial da APA, o que não percebemos nesta etapa de base.


A resolução 120 do COEMA, de 28 de outubro de 2015 lançou marco regulatório que afeta toda gestão ambiental no Pará, e por conseguinte, no Marajó. Tão decisiva que é, mostrará a capacidade dos municípios em garantir a conservação dos recursos naturais nas próximas décadas. Então, por que não ter este nivelamento após as discussões de ordenamento territorial? Tenho certeza que muitos gestores municipais gostariam de trocar ideia e apresentar seus resultados de trato com as atividades de impacto local, conteúdos formidáveis para compor este diagnóstico da APA Marajó. Mas espera o Estado do Pará sensibilizar primeiramente o Marajoara pela APA. Depois discuti o Conselho. Quem deve primeiro reportar o quê? Talvez o Marajó deveria descrever-se primeiro, “olha Estado do Pará, eu que sou uma das gêneses do paraense****** (por isso mais respeito, por favor) sou assim ou sou assado, ah você tem uma proposta interessante? Legal, tenho isso, mais isso, mais isso. Quem me deu? O Governo Federal. Só 12 participam? Não topo, só se for os 16. Consultado? Você é louco? Eu decido!”.


Para não parecer prosaico demais, caríssimos e caríssimas do CODETEM, recomendo para vossos cuidados:
• Entender que o SNUC diz ser a APA formado por um Conselho Consultivo e que qualquer situação variante pode não estar em consonância com as leis federais******* ; há de serem avisadas as lideranças sobre seus prós e seus contras quando estiver em cheque a instalação de grandes obras na região;
• Defender e construir a regulamentação de maneira participativa do artigo 13º da Constituição do Pará que indica a APA Marajó, pois do jeito que está, a própria APA fica sem fundamentos e regimentos como uma casa sustentada por pés de aninga;
• Defender que sejam todos os 16 municípios contemplados nas discussões da APA Marajó;
• Realizar uma profunda análise das diferentes modalidades fundiárias existentes no Marajó e suas respectivas maneiras de praticar a gestão ambiental;
• Realizar uma profunda reflexão sobre os instrumentos previstos no Código Florestal de 2012, principalmente no que tange ao Cadastro Ambiental Rural;
• Realizar uma profunda avaliação dos efeitos das leis que dão aos municípios marajoaras a responsabilidade de gerir as atividades com impacto ambiental local.


O delineamento acima descrito é uma forma de contribuir indiretamente com o ordenamento ambiental e territorial no Marajó. Estive nas equipes de campo e aprendi muito com vocês durante a luta pela terra nos últimos 15 anos. Concentrei-me ultimamente para estudar o Cadastro Ambiental Rural. Ambas as tarefas são difíceis e exigem esforço. Com o advento do debate da APA Marajó percebi-me cansado, pois chega um momento em que você fica tão indignado com a desconexão de lacunas/avanços ambientais e fundiários vistos pelo Estado do Pará, que o melhor é dar um tempo para ter um novo fôlego. E não tem nada a ver com os técnicos do IDEFLOR-Bio mobilizadores dos eventos, nada não, estão a fazer seu trabalho. O problema é a droga da clarividência de ver os processos dos altos tomadores de decisão em curso (do gabinete do Governador pra cima), num período de neo-conservadorismo que parece inevitável diminuírem os ganhos sociais e ambientais dos menos favorecidos. Isso incomoda. Para isso tem de haver luta.


Por isso, decidi no tema APA MARAJÓ ficar de longe observando as jogadas dos enxadristas, colaborando sempre com o CODETEM. Só peço, senhores, que mantenham a unidade marajoara.

Um último alerta:

Governo é governo.

Sociedade é sociedade.


Marajó é Marajó.


Obs: Fiz-me contradição nessas últimas sentenças, sendo maniqueísta. Mas afinal, nos argumentos acima, estarei totalmente certo? Estarei totalmente errado? Com vocês...



Notas:

(*) No artigo 13 são descritas as áreas pertencentes ao Estado do Pará: “...Incluem-se entre os bens do Estado do Pará:
I - os que, atualmente, lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; II - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma de lei, as decorrentes de obras da União; III - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros; IV - as ilhas fluviais ou lacustres não pertencentes à União; V - as terras devolutas não compreendidas entre as da União; VI - os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio e os rios que têm nascente e foz em seu território, bem como os terrenos marginais, manguezais e as praias respectivas (grifo nosso).

(**) Podemos aqui citar como exemplos a APA Algodoal Maiandeua em Maracanã, criada através da Lei 5.621, de 27 de Novembro de 1990 (publicado no DOE 06/11/1990); e a APA Triunfo do Xingu, criado por Decreto Governamental nº 2.612, de 04 de dezembro de 2006 (publicado no DOE 07/12/2006), localizada nos municípios de São Félix do Xingu e Altamira.

(***) “... O Plano de Manejo da unidade de conservação, elaborado pelo órgão gestor ou pelo proprietário quando for o caso, será aprovado: I - em portaria do órgão executor, no caso de Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural, Refúgio de Vida Silvestre, Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva de Fauna e Reserva Particular do Patrimônio Natural; II - em resolução do conselho deliberativo, no caso de Reserva Extrativista e Reserva de Desenvolvimento Sustentável, após prévia aprovação do órgão executor...”.

(****) Fiz resumo dos resultados fundiários na análise Segurança da Terra e da Água: Marajó, disponível no site http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5574389

(*****) Para mais informações, checar o texto Grilado no link http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2015/10/grilado.html

(******) Meu colega Mauro Monteiro de Melgaço fala que o Marajoara é a gênese do paraense. De fato, se pensarmos onde começou o Pará, na pax de Mapuá segundo José Varella (http://gentemarajoara.blogspot.com.br/2013/08/por-que-o-brasil-precisa-saber-da-pax.html ), em Breves, acho bem provável Mauro ter razão.

(*******) Soube da existência de uma APA com Conselho Deliberativo próximo à cidade de Belém, acho interessante e sou um dos primeiros subversivos a defender a decisão da sociedade local, mas também reconheço que antes de iniciar uma APA neste sentido é preciso primeiramente modificar o marco regulatório. Caso contrário, corremos o risco de aplicar a “Lei de Moro” (o ato de tirar leis da própria cabeça, a despeito dos direitos constitucionais só para aparecer).
Pantoja Ramos
http://www.recantodasletras.com.br/cartas/5625209

quarta-feira, 1 de junho de 2016

CARTA DA 1ª FEIRA DE CIÊNCIAS DA GLEBA ACUTIPEREIRA – PORTEL –MARAJÓ – PARÁ



O Comitê Interinstitucional da Governança Florestal de Portel (STTR, Emater, IEB, SEDE, SEMA),em parceira com: ATAA, SETRAS, ASMOGA, IFPA, RADIO ARUCARÁ, SABERES DA TERRA e Organizações Não Governamentais e entidades Governamentais Federais, Estaduais e Municipais reuniram-se nos dias 27, 28 e 29 de maio de 2016, na comunidade Santo Ezequiel Moreno, localizada no Rio Acutipereira, município de Portel, para realizar a I FEIRA DE CIÊNCIAS DA GLEBA ACUTIPEREIRA.  Esta Carta resume as propostas e reflexões de transformações sem agredir a natureza levantadas durante os debates das comunidades ribeirinhas participantes deste evento, bem como sua implementação e gestão de tecnologias que possam ser acessíveis às comunidades agroextrativistas.

Nós, agroextrativistas e profissionais que assessoram as comunidades locais, procuramos neste encontro utilizar os recursos naturais em bases sustentáveis através de alimentos saudáveis de origem orgânica¸ do uso de bombas d’água sem motores a diesel, da energia solar, do artesanato que valoriza a cultura local e da agroecologia como alternativa de sustentabilidade. Para isso, refletimos e propomos para desenvolver os temas debatidos:


EIXO I –ENERGIA:



1 - Articular parcerias com UFPA, UFRA, IFPA, Embrapa, etc.para implantação nas comunidades de energia alternativa;

2 - Organizar-se para acessar o Pronaf ECO;

3 - Articular com Poder Público a compra de produtos da comunidade para fortalecimento de renda e produção, com investimento destes recursos na própria matriz de energia das moradias;

4 - Ampliar o recurso vindouro do manejo de açaí nativo para a energia diferenciada;

5 - Criar um Blog e/ou uma página na internet para divulgação dos resultados e captação de recursos das comunidades de Portel e Melgaço.


EIXO II – ARTESANATO:


1 – Buscar parcerias para realização de cursos de capacitação de artesanatos de produtos diversificados como por exemplo caixas de presentes, cestas trabalhadas, brinquedos de miriti, garrafas Pets entre outros;

2 – Adquirir equipamentos para construção e confecção de artesanatos como frisador, máquinas de costura e assim valorizar a mão-de-obra de homens e mulheres do campo, agregando valores a esses produtos;

3 – Incentivar a comercialização do artesanato e dessa forma fortalecer a economia local a partir dos produtos fabricados pelas comunidades rurais;

4 – Incentivar a confecção de produtos artesanais, aproveitando reutilizáveis que iriam para o lixo, diminuindo os impactos ambientais e melhorando a renda das famílias agroextrativistas;

5 – Construir espaços para apresentação, exposição e comercialização de produtos do artesanato fabricado nas comunidades marajoaras;


EIXO III: CULINÁRIA


1 –Buscar capacitação profissional através de cursos, oficinas e mini cursos voltados para o fortalecimento da cultura alimentar dos agricultores e agricultoras familiares do Marajó;

2 – Buscar as licenças da vigilância sanitária municipal, estadual e federal e a certificação dos produtos oriundos da agricultura familiar para agregação de valores e aumento da comercialização;

3 – Expandir e buscar novos mercados para a venda dos produtos da culinária agroextrativista como licores, salgados (coxinhas), geleias, biscoitos, etc;

4 – Incentivar capacitações de culinária e cultura alimentar a outros municípios e comunidades do Marajó;

5 – Patentear os produtos da Agricultura Familiar;

6 - Reativação da Secretaria de Política Nacional das Mulheres, manutenção e fortalecimento das políticas públicas direcionadas às mulheres brasileiras;


EIXO IV: ÁGUA



1–Incentivar o tratamento e cuidados para termos cada vez mais Água Potável;

2 - Adquirir conhecimento e informação para aprimoramento de nossas experimentações em captação de água;
3 – Buscar a realização de cursos e assistência técnica de profissionais especialistas em hidráulica para captação de água e tratamento sem uso de energia poluente, buscando
parcerias com Sebrae, Senai, IFPA, UFPA, UFRA, Embrapa e outras organizações;

4 - Estudar e incentivar a geração de energia eólica para captar água do rio.


EIXO V: AGROECOLOGIA



1 - Incentivar a agroecologia para a diminuição do desmatamento e mudanças climáticas (Sistemas agroflorestais, roças sem queima, meliponicultura, manejo florestal de uso múltiplo etc);
2 - Que seja reativado imediatamente pelos órgãos governamentais federais o Ministério do Desenvolvimento Agrário-MDA, bem como das políticas públicas e avanços da agricultura familiar conquistados na última década;
3 – Incentivar a produção de produtos agroecológicos para fornecimento aos Programas PNAE e PAA;
4 – que haja a permanência e fortalecimento dos PROGRAMAS PNAE, PAA, PRONAF ECO E PRONAF AGROECOLOGIA, como estratégias geradoras de renda e que diminuem o êxodo rural;
5 - Utilizar os Sistemas Agroflorestais e reflorestamento como instrumento de recuperação florestal eárea de compensação florestal;
6 - Incentivar a utilização dos 05 Rs (Reducar, Repensar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar);
7 - Fortalecimento e preservação de identidade através de uma educação contextualizada e nos diferentes níveis de escolaridade;
8 – Estimular a criação de cooperativas para agregação de valor aos produtos da agricultura familiar;
9 – É fundamental para os municípios a manutenção, fortalecimento e estruturação da Emater Pará já que esta é vital para continuar o atendimento técnico das famílias agroextrativistas e assim buscar o desenvolvimento local.
10 – Criação da Secretaria de Economia Solidária nos Municípios de Portel e Melgaço.

A 1ª Feira de Ciências da Gleba Acuti-pereira teve o objetivo de mostrar que através da junção de conhecimentos tradicionais e parcerias institucionais é possível alcançar a sustentabilidade no meio rural. O agroextrativismo praticado nas comunidades e debatido neste evento mostra-se como uma das ferramentas de construção de um mundo melhor e sem as imensas injustiças e desigualdades hoje existentes.


A Grande Comunidade Marajoara de Portel e Melgaço aqui representada almeja por isso.

Portel, 29 de Maio de 2016.

ASSINAM ESTA CARTA:
ASMOGA – ASSOCIAÇÃO DA GLEBA DO ACUTIPEREIRA
ASSOCIAÇÃO DOS TRABALHADORES AGROEXTRATIVISTAS DO RIO ACUTI-PEREIRA – ATAA
SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE DE PORTEL - SEMMA
RADIO ARUCARÁ FM
EMATER ESCRITÓRIO LOCAL DE PORTEL
SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICOS E SOCIAL - SEDE
PROGRAMA SABERES DA TERRA
PROFESSORES E ALUNOS DA ESCOLA SANTO EZEQUIEL MORENO
ASSOCIAÇÃO ACAMP – GLEBA JACAREPURU
IFPA – CAMPUS CASTANHAL
ASSOCIAÇÃO DA GLEBA ACANGATÁ
ESTUDANTES DO IFPA – CAMPUS CASTANHAL E BREVES
SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE PORTEL- STTR



Organização da carta, após o recebimento dos trabalhos de grupo:
Marinalva Silva
Nilson Correa
Sueli Tavares
Milton Costa
Maria Maia
Marineis Rodrigues
Ademildo Santana
Maria Luiza
Adoel Souza
Claudiomiro Silva Neto