domingo, 31 de dezembro de 2017

Jardim



Ele foi Jardim.

Fernando Jardim.

Bom pai, bom esposo, bom amigo.

Professor, mestre de muitos que aprendem que a floresta tem valor, foi notável defensor da natureza. Trabalhou na minúcia dos ourives, dedicado a traduzir o que a regeneração natural aponta para aquilo que é harmônico e nós, tolos, ainda não acreditamos. 

Professor Jardim nos ensina (para sempre) que é preciso olhar para os pequeninos, sejam plantinhas, sejam crianças no entender do quão é necessário haver florestas.

Plantou gente. Árvores que cresceram de um Jardim de ética, firmeza e justo argumento.

Aos de profissão (mas poderia servir para todos aqueles que amam a vida), dá mensagem:

"Tem que ter mais engenheiros florestais pra cuidar da floresta pra que eu possa respirar".

Que assim seja, mestre.

Continuemos plantando neste jardim.

Fernando Jardim.

O Jardim da Floresta.
 


sábado, 23 de dezembro de 2017

Dezembrada Amazônica

Fotos que marcam o dezembro de 2017 como histórico para a população amazônica:




Protesto contra a empresa Hydro, acusada de gerar grandes impactos ambientais e sociais em Barcarena-Pa.






Ana Margarida Ribeiro recebe na Alemanha prêmio internacional WANGARI MAATHAI "FOREST CHAMPIONS" pelo reconhecimento de sua luta pela conservação da floresta amazônica, Porto de Moz-Pa.






Educadores de Breves pressionam os vereadores a não aprovarem a proposta de lei da prefeitura municipal que traria perdas trabalhistas aos professores.





Aqui é Amazônia!


Lá vem 2018!






Mibaraiós: Pió


quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Brasil Almanaque de Cultura Popular



Objetos não fazem parte dos meus apegos. Isto é sem dúvida a origem de muitas críticas que recebo. Não é que eu não goste do materialismo nosso de cada dia (refiro-me aos de ordem financeira), só que infelizmente tenho memória e olhares mais ávidos para coisas que passam pelo invisível (virtudes) ou suavemente visível (natureza).



Nas exceções que cada um de nós temos, alguns objetos conseguem nos cativar, não por si, mas pela lembrança que pescam lá do fundo do rio. O monóculo, o carrinho de rolimã, uma calça estilo anos 1980, criancice e adolescência resgatadas quando revisitadas em matérias frias e ao mesmo tempo teletransportadoras.



Dos primeiros anos de profissão, tenho forte saudade do Barco Comandante Souza da ONG FASE e das revistas ALMANAQUE BRASIL DE CULTURA POPULAR da TAM linhas aéreas (não se trata aqui de propaganda, mas de reconhecer a iniciativa, valha-me Deus!). Não obstante toda força questionadora que tenho ao empresariado brasileiro, não poucas vezes subalterno ao establishment estadosunidense e/ou europeuconfesso que é indelével para as minhas bases e brasilidades o saboreio que tive dos periódicos sobre cultura brasileira pensado/organizado por Elifas Andreato e patrocinado por aquela tão globalizada empresa de aviação civil.  



Naquele tempo de muitas idas e vindas na Amazônia e Brasil através de viagens aéreas, enganava minha fobia por voar nas revistinhas postas ali na cadeira. Constatado e engraçado: minha curiosidade é maior que o meu medo, pois entre uma tremida e outra nas nuvens densas amazônicas, tentava aliviar a mente nas tiradas do Barão de Itararé, nos "causos" de Rolando Boldrin e na seção de fotos Lambe-Lambe. Tudo de uma Brasilidade incrível. Como eu ficava contente ao ler ali "esse exemplar é seu". Bacana. Mais um exemplar pra mochila. A comissária de bordo perguntava: "algo para beber?", respondia, "um suco de laranja e um almanaque por favor".



A revista Almanaque Brasil de Cultura Popular circulou de 1999 a 2014, coincidindo com minha vida de passageiro na ponte aérea Belém-Macapá-Belém de 2000 a 2009. Guardo alguns exemplares e folheá-los é voltar num tempo bom em que eu era aprendiz da importância de valorizar nossas raízes, de bons mestres que tive, da pressão de sair de Belém em um avião, pousar em Macapá, pegar um táxi até o porto do Grego em Santana-Ap e engatar minha rede no barco do dia com destino a Gurupá, naquele vento bacana que me descansava, lendo ou relendo a revistinha. O Almanaque ganhou uma página na internet, porém, não substitui jamais o papel impresso, meio molhado das minhas missões. Entendo agora quem coleciona gibis, inexplicável sentimento.



Com o lançamento do ALMANAQUE BRASIL DE CULTURA POPULAR em formato de livro neste final de 2017, muitos poderão ter a oportunidade de rever nossas raízes, chão, tradição. Se perguntar qual motivo de não decolarmos enquanto nação, mesmo sendo pássaro altaneiro?



Eu tive meu almanaque para vasculhar possíveis respostas.

A Memória age contra todas as formas de escravidão.


Elifas Andreato. Foto: do site Almanaque Brasil.



terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Todo Ano Maria e Bené


Trapiche da Ilha do Maracujá, Afuá. Imagem: Pandilha.




Belém, 22 de dezembro de 2016.



Ei Benedito todo ano é ano tuíra
Do açaí que todo tempo te admira
Maria do Céu ispia vem o pingo d´água
Afogando sempre que pode as suas mágoas


Pra quem tu emprestaste a esperança?
Bacana teu Bené te devolveu
A maré agora encheu
Rede chama que é hora de se aquietar


Maria reparaste a mangueira como está?
Riem fácil as crianças
Benedito valsou-te a dança
Rodopio de todo tempo o velho e o novo


Ei Mariazinha todo ano assim termina
Saudade do que é bom e o ruim que finaliza
Seu Benedito quem provou a eternidade?
Uma manta de retalhos costurada de bondade


Bacuris avisam que tem fartura à vista
A Mãe Terra dá mais uma chance
Mais um início de romance
Do engatinho à bengala um lance
Maria e Benedito plantam no terreno todo ano


Dezembrada pra janeiro é sorriso no olhar
Comoção de quem partiu
Emoção de quem nasceu
Viajante da amizade que aportou


Ei Benedito sabe que horas são?
Será tempo de ir rever o seu irmão?
Ei Dona Maria quanto falta e custa?
A mata pede vida da mulher sendo justa


Algum dinheiro vira-e-mexe é um pedido
Mas pra Maria antes de tudo é a pessoa
Bené concorda e prefere a alma boa
Fala profética na mente ressoa
Verdade que para os netos ecoa


Seu Benedito abraça Maria e vê o mundo
Dona Maria é abraçada e percebe tudo
No seu trapiche de vista pro horizonte


"Ei Ano Novo seja mais belo e bom com a gente
Do ano velho quero saudade tal rio corrente"
"Ei Ano Novo queria assim só um favor
Sejas quebra-cabeças pra juntarmos as suas peças de amor"

Pantoja Ramos
Postado no Recanto das Letras

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Rio Jaranduba: O GPS é a Pessoa



Rio Jaranduba. Foto: Carlos Ramos.




Breves, rio Jacaré-Grande, pensando em Chaves,

09 de dezembro de 2017.


Seu Nestor avisou: “Bora seus homi, que vocês vão perder a maré...”.


Erivelton e eu, naquelas quatro e meia da manhã, terminamos de deixar tudo pronto nas malas e seguir viagem para outras localidades onde ainda teríamos reunião. Ainda escuro, focou-se a luz da lanterna na proa da voadeira ADNARIM e concluí: a maré estava cheia. Seu Nestor avisara com muita clareza que tudo corre no rio Jaranduba muito veloz e que "pra secar o rio era fácil, fácil".



Seguimos na voadeira.



Naquele conjunto de “S” nos distanciamos das comunidades Monte das Oliveiras e Menino Deus. Os búfalos mantinham-se calados naquela madrugada, com uns poucos em pé, de vigia no rebanho, enquanto riscávamos a água pois já começara a formar as primeiras praias. Realmente a água vazava rapidamente e já percebíamos os bancos de areia com o pedaço de taboca que trazíamos. Besteira não termos trazido remo.



Nestor estava obviamente certo. Tinha noção de tempo aquele homem. Um relógio.



Ele ainda nos avisou para seguir sempre à esquerda e em algum momento que não lembro, dobramos à direita, rumando esquisito. “Não me lembro de ter passado por aqui”.



“Nem eu”, respondeu Erivelton.



“Pra falar a verdade...”, subi na proa da voadeira, e passei a mão na barba: “tamo perdido...”.



“Também acho”.



Naquela imensidão de canais, cercados pela mata, não sabíamos pra onde ir. Eu pensava no tempo, maré vazante, daqui a pouco não seria possível passar pelo rio Jaranduba e chegar no Fundiador, beirar a ilha Siriaca e chegar às outras reuniões.



No breu, lua não clareadora, céu estrelado, olhei pra constelação de Ursa Maior e tive o pensamento: “Ah, se a gente conhecesse a região, era só seguir as estrelas, não deveríamos ter vindo sozinhos... Peraí, a gente devia era ter as nossas próprias constelações. Já pensou a constelação de Arraia Maior e Arraia Menor? Já pensou a pergunta:

"Qual teu Signo?" 

"Signo de Arraia". 

"E o teu?" 

"Matapi”. 

Interrompi uma das minhas frequentes viagens na maionese quando paramos em uma casa para pedir informações sobre a saída daquele labirinto. Chamamos "Ô DE CASA!". Nada. Ou dormiam muito ou estavam com medo da gente, sei lá, estranhos chegando de voadeira de madrugada...



“Olha só, vamo dobrar aqui que eu acho que é o caminho”, sugeriu Erivelton. No que seguíamos, bem no meio do canal, topamos na praia, encalhamos mesmo. “Ô Peste! ”. Pra piorar, lembramos que a saída dali só se daria doze horas depois e tratamos de arrumar jeito de sair do enlameado. Erivelton pulou na água e eu fiquei no volante tentando virar pra direção da margem e apertando incessantemente para acionar o botão de levantamento automático do motor pra retirar a palheta da voadeira daquela lama da praia. Erivelton mal conseguia caminhar e com já com poucos passos aparentava estar exausto. Mais alguns passos, o botão funcionou, aliviando o peso da máquina na lama, o que permitiu sair daquela situação. O botão foi novamente acionado para a hélice do motor tocar o suficiente para fazer a voadeira deslizar numa lerdeza que estava de bom tamanho.



Chegamos próximo à outra casa. Estavam dormindo aparentemente.



“Ehh! ”, damos sinal de proximidade e paz.



Nada.



Outra tentativa: “ÊHH DE CASA! ”.



“ÊHH!”, responderam de lá. Era uma voz de mulher de dentro da morada, nem chegou a abrir a janelinha que deixava o sol entrar no seu raiar.



“A gente tá perdido e quer saber como chegar na boca do rio!!”



“Vocês segue a correnteza, onde a maré vocês vê que mais corre a água é onde não tem praia! ”.



“Tem uma praia ali no meio que a gente encalhou! ”.



“Poisé, tem que seguir pela beirada da direita, onde corre a maré. Ela vai dar lá fora na boca. É só seguir! ”.



“Obrigado! ”



“Vão com Deus! ”.



Depois daquele diálogo gritado pela distância, obedecemos ao conselho. Erivelton com a taboca percebendo a fundura do rio e eu pilotando com o motor bem devagar. À medida que a madrugada dava lentamente lugar ao dia e os galos se multiplicavam nos cantos, aquele caminho dentro d´água surgia, na maior parte de maresia o rio escondendo a praia, mas aquele liso correndo momento pela beira, momento pelo meio, no justo canal do rio Jaranduba. Fui seguindo. Vira e mexe Erivelton alertava pra levantar mais ainda o motor, pois havia banco de lama por perto. Fomos. Aquela estradinha no meio da água pra gente rumar, a taboca confirmando que era canal, até chegarmos à grande boca do rio Jaranduba, na providência de continuar entendendo a correnteza. Erivelton mais experiente das praias do que eu, me substituiu no volante, acelerou a ADNARIM até dobrarmos a ilha Siriaca por volta das seis e meia da manhã. Chegamos ao nosso destino.



Aquela senhora nos valeu e tinha um GPS na mente, mesmo no escuro da madrugada, sem ao menos olhar pra gente. Uma grande noção de espaço que nos livrou de um encalhe de um dia inteiro. Um conhecimento profundo sobre seu território que lhe justificavam direitos inquestionáveis e que alertavam que não sabemos de seu mundo, por isso, há de se respeitar, a velocidade das águas.



Veio à mente um grande geógrafo: “o território é a própria sociedade em movimento; sem o território a sociedade não pode ser explicada”. 

É, senhor Milton Santos, ali tudo está em movimento e explicado por seus moradores. 

A Natureza do Espaço. 

E também do Tempo, "pra modi aproveitar a maré".






Pantoja Ramos.

Publicado no Recanto das Letras.



terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Rio Jaranduba: Pororoca e Areia Gulosa

Boca do rio Jaranduba. Foto: Carlos Ramos
Breves, rio Poraqué, pensando em Chaves,
09 de dezembro de 2017.


Sou viajante.

Viajante físico, viajante dos pensamentos e das palavras, mania adquirida do meu primeiro livro na vida: A Volta ao Mundo em Oitenta Dias, de Júlio Verne. Pra lá e prá vou por onde Deus aprove que eu passe, a sempre pedir “permicença” (a soma de permissão e licença pra ganhar mais força na minha oração calada). Por mais que eu siga no acúmulo de visões e aprendizados, vez ou outra recebo de uma certa região uma onda arrebatadora de conhecimentos a maravilhar-me. Recente na memória, tento logo compartilhar enquanto estão batendo na cabeça, na maré lançante da surpresa que tive.

Ali estávamos Odivan, Luciene, Nestor, Erivelton, Cuca, Lene, Hulk, Genilson e Vanildo, todos aguardando no fundiador a enchente certa para entrar no rio Jaranduba, ao lado da Ilha Siriaca, vizinha à Ilha Caviana, em Chaves, no Marajó. Outros moradores em suas embarcações também esperavam estas águas, semelhava que pequena vila se formava com aqueles barcos ancorados na boca do rio. Cada casinha flutuante preparada para se fazer comida, para se dormir e trabalhar.

“Seu Nestor, a gente vai demorar muito aqui? ”.

“Não, seu Carlos, é só o tempo de começar a encher, mas ó, a gente tem que ir na certa, pois lá na frente tem uma pequena contra-enchente que pode atrapalhar na ida. Tem que saber como seguir por aqui nessa região, ver as praias, pororoca...”.

“E tem por aqui? ”.

“Aqui mesmo não neste fundiador, faz seis anos que aqui neste lugar não tem, mais bem prali uma senhora que tava com os filhos e uma canoada de melancia perdeu o rumo do canal e se praiou bem na hora da bicha. Ela veio quebrando tudo pela frente e levou mãe e filhos e tudo pra dentro dela. Acharam eles sem vida semana depois, vieram salva-vida lá de Macapá”.

“Deus-pai, como é perigoso...”.

“É, aqui num se pode brincá com a maré, nós mesmos que nascemo e se criemo aqui pega cada susto. Outro dia a gente encalhou ali no Canarana no tempo dela. Gritei pros homi: prepara a bóia, bora comer quié pra morrê de bucho cheio pois dela a gente não escapa”.

“O que vocês fizeram? ”.

“Nossa sorte foi que era começo de enchente e que ela foi pro lado da Cavianinha, às vezes é assim, ela dá em certo lugar, não é todo lugar que ela vem arrastando”.

“Ela é rápida? ”.

“Ela puxa pra boca dela essa voadeira de vocês tranquilo, tranquilo. Pode botar distância, botá no máximo o motor que ela te pega fácil”.

“Rapá...”.

“Ela vem mesmo é de inverno, quando tu vier nesse tempo, tu vai ver. Ainda tem a areia gulosa”.

“Areia gulosa??”.

“É, um tipo de lama que tem por aí que se tu bobear e parar nela, te engole inteiro”.

“Ahh, o seu Castilho lá de Afuá também falou nela e que perdeu o barco dele nisso. Então é sério??”.

“Hum, se é. Um dia vim caçar aí no Siriaca, tempo de paca gorda, vinha na minha montaria até chegar na praia, que tava ainda de meia água de enchente. Tava perto mesmo da beira, na minha pisada já na lama pra andar, quando me espantei, a modo que o chão sumiu, segurei veloz na cordinha da montaria que veio e que por sorte ainda me deu um puco de suporte mas logo cedeu, tava enrascado. Já tava pela cintura sendo puxado pro fundo. Avalença que um galho de taperebazeiro tava tombado pra minha direção e eu tratei de agarrar nele, com a cabeça e peito pra fora, mas as pernas ainda na areia gulosa. Foi esperar dar preamar pra nadar dali. Foi Deus que mandou aquele galho de taperebá”.

“Caramba”.

“Aqui tem que entender, a maré é muito forte, rápido faz canal, rápido desfaz. Coisa do Marzão que não é longe daqui. Ispia lá, se tu viajar praquela imensidão, logo a água muda de cor”.

“É o oceano? ”.

“É sim. Encheu. Já dá pra sair, Genilson, puxa a âncora. Hulk, dá a partida aí”.

Os barcos saíram. Amarramos a reboque nossa voadeira em um deles e seguimos, porém, com duas paradas ainda, pois praias ainda teimavam em ficar. Numa delas, parei para maravilhar-me com as lindas paisagens, cada uma delas recortáveis em sua beleza e plenitude, acrescidos que geravam naturalmente gramíneas onde se criavam cabras, cavalos e búfalos. Bagunceiros tralhotos grandes que escapavam da gente, pequenos canais por entre os acrescidos que enchiam velozmente. Maçariquitos pousados numa ilhota em suas perninhas engraçadas. Marrecas voando na sua turma de gritalhões. Vento proseador conosco. Água, campos, pessoas, aves, capivaras, cavalos num quadro digno de Marli Braga, pintora marajoara.

Resolvi fazer um vídeo. Pela beleza e força da natureza. Narrei:

“Quando me perguntarem o que é Deus, direi que pode ser um campo do Marajó”.

Uma gaivota neste exato momento voou próxima da proa do barco onde eu estava.

Abençoou o que eu disse.


Pantoja Ramos

Publicado no Recanto das Letras.




sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Crônicas do Corte: Mata-calado

Jatobá. Imagem: G. Ferreira


Crônicas do Corte: Mata-calado[1]


Belém, 09 de novembro de 2017.

Gracialda Ferreira[2]
Carlos Augusto Ramos[3]




Eis que na tarde do dia 9 de novembro de 2017, Gracialda Ferreira contou-me a história do Mata-calado:


“Em uma floresta no meio da Amazônia, um grupo de identificadores de plantas vindos de outra região do Brasil passaram a semana toda trabalhando em um inventário florestal. Aproveitaram para colher seiva de jatobá (Hymenaea courbaril L.) que seria usada em um momento de lazer, vejam só: como cachaça (a seiva do jatobá após a fermentação tem teor alcoólico). Após sete dias, a seiva armazenada já estava fermentada e logo o grupo de trabalhadores, conhecedores das plantas, se organizaram para um churrasco, com este aperitivo. Enquanto três deles se arrumavam, o quarto preparou o fogo e colocou a carne para assar. Quando este foi tomar seu banho, os demais iniciaram a degustação da seiva, mas quando o rapaz que foi tomar banho retornou estavam seus companheiros ali mortos. Tinham se enganado e colhido a seiva de MATA-CALADO (Stryphnodendron paniculatum Poepp. & Endl.), árvore da Amazônia com as características do tronco muito parecidas com o jatobá, com seiva altamente tóxica que acabou por vitimar fatalmente aqueles que ironicamente eram pessoas conhecedoras das árvores”.


Trágico.


Depois desta história, professora Gracialda continuou me alertando da importância de aprofundar-se o aprendizado da Botânica em sua teoria e prática. Na aula que tive, percebi que as instituições que tratam do manejo florestal na Amazônia esqueceram (ou negligenciaram?) de conhecer de fato as espécies florestais trabalhadas, principalmente no setor madeireiro.


Carapanãs me zunam no ouvido! Quer dizer que existem vários planos de manejo florestal madeireiros por aí afora que não fazem a mínima avaliação taxonômica (taxonomia – na biologia é o ramo responsável pela identificação e classificação de todos os animais e plantas que habitam a Terra, com base nas diferentes características que possuem[4])! Imagino processos de certificação florestal que também falham neste aspecto, concessões florestais, etc.

Imagem de folha e fruto de Jatobá: G. Ferreira



Para entender a confusão acima, basta perguntar no mato para um conhecedor de plantas ou mateiro: “qual árvore é esta? ”.


O outro responderia: “Louro”.

“Qual Louro? ”.


Se ele conhecer bem a região vai apontar “Louro-vermelho”. Beleza, segue o inventário. Comumente segue-se sem coletar-se folhas, cascas, etc., para saber se é mesmo Ocotea rubra Mez. Pode existir naquela mata uma espécie de louro ou outra planta parecida a enganar até mesmo os mais experientes, como no caso do Mata-calado.


O problema é que o setor florestal madeireiro tratou as riquezas que trabalham como garimpo. E todo garimpo junta o que há de mais danoso numa região, ambientalmente falando, no cúmulo do capitalismo. Ganância. É um problema tão complexo que não basta acusar técnicos e mateiros, o que não resolve, mas sobretudo educar, dar condições às instituições de ensino e pesquisa de estarem juntos nesse aperfeiçoamento das pessoas, luta diária mesmo. O acadêmico respeitando o conhecimento tradicional. O conhecimento tradicional agregando outras formas de conhecimento. Entretanto, difícil é este país que sequer olha o ensino médio, o que diria da especialização e qualificação dos identificadores botânicos e engenheiros florestais neste quesito. Momento de refletir e assumir a posição de transformar a maneira como manejamos a floresta para fins madeireiros, com zelo a cada espécie utilizada. Flávio Santos, da UNICAMP, que estuda os efeitos do manejo florestal madeireiro atualmente praticado em estados como o Pará comenta: “Manejo sustentável é, sem dúvida, muito melhor do que a terra arrasada pelo desmatamento generalizado... Só que dizer que isso é sustentável, não dá para afirmar.[5].


Na medida que buscamos conhecimento e saímos de nossos muros universitários, vamos de encontro à verdade que a mata sempre nos falou, mas que surdos, negligenciamos enquanto sociedade.


Professora Gracialda alerta: “...E dessa forma estamos nós a cada dia matando a biodiversidade, trocando, algumas vezes ingenuamente e outras (a maioria das vezes) espertamente mata-calado por jatobá, mogno por andiroba, gato por lebre ... parece que é uma ação sem consequências, mas dessa forma vamos matando a cada dia nossa cultura, nossos recursos florestais, nossa Amazônia. O que é sustentabilidade se achamos que não é importante conhecer as espécies antes de determinar seu uso?”.

Boa pergunta, professora.


Boa pergunta.


Mata-calado a floresta.






[1] Texto “bolado” numa rodada de conversa após reunião no IEB sobre o Plano de Manejo Florestal Comunitário da Associação dos Moradores da Gleba Acuti-pereira, ASMOGA.
[2] Engenheira florestal, Doutora em Botânica pelo Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro - JBRJ.
[3] Engenheiro Florestal, consultor socioambiental

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Monóculo


Monóculo

Belém, 16 de novembro de 2017.



Quando eu te olhava de um olho só
O Sol das nove era morno e sadio
Quando eu te via de um olho só
Tu tinhas bala e esta palavra era doce

Quando se admirava de um olho só
Prestava-se atenção na beleza
Quando se amava com um olho só
A luz cobria quem se amava e sua aura era plena

Quando eu curioso de um olho só
De qual tribo tu eras vestida de índia?
No tempo em que eu via com um olho só
O Natal era pobre mas de gente abraçada

Na vez que eu olhei uma foto de um olho só
O Isabelense quase foi campeão paraense
Quando eu ri da foto tão pequenina
Meu avô tinha calça na altura do umbigo

Quando eu me vi na foto com um olho só
Tava sorrindo desdentado na árvore
Quando a claridade me permitiu ver o que havia
Um barco parecia lá no fundo em forma de nuvem

Quando o retratinho achou os amigos
A praia era mais praia do que casas
Foi no tempo de um olho a ver fotos
Que a imagem viu a imagem na parede, um casamento a imagem

Hoje tudo mais fácil e efêmero
Passam meus dedos rápidos pelas fotos nunca mais retratos
Acelerados, pouca concentração
Quando eu via retratos de um olho só, não
Tudo era autenticamente natural
Até a minha admiração


Já ia esquecendo de que era uma vez
Artistas dos pequenos retratos



E quando quebrou meu monóculo
O último
Meu Deus, pela primeira vez eu reclamei da saudade


Pantoja Ramos

Publicado originalmente no site Recanto das Letras

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Ei Balsa! Volta Aqui! - Portel Madeireiro 2016

Caríssim@s,

Apresento abaixo a movimentação em Portel-Pa de volume e de valores financeiros a partir da comercialização de madeira em tora em 2016, segundo dados do IBGE PEVS (Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura - ver página na internet) .


Série histórica do volume de madeira em tora explorado em Portel segundo o IBGE:





























Série histórica em movimentação financeira de Portel a partir da madeira em tora:







Se fossem cobrados os Impostos Sobre Serviços (ISS) da madeira em tora movimentada - que varia de 1% a 5% do valor da nota fiscal apresentada - Portel arrecadaria em 2016 entre 2,1 milhões a 10 milhões de reais para seus sofres. Que coisa né?






Não tem como não dedicar poema:



Ei Balsa!


        Baía de Melgaço, 01 de novembro de 2014.


Voou a tesoura
Pra longe da queda
E uma preguiça caiu no rio
Rasgou o cipó
Com a minha vida
E jovens foram caindo um a um

Ei Balsa! Ei Balsa! Balsa volta aqui!
Que levas? Que levas? Que levas daqui?

Levas o que tenho!
E o que não tenho!
Rico lenho!
Pobre venho!
Pobre massa!
Não mais caça!
Longe passa!
A ricaça!
Tira graça!
Lá da balsa!
Nota falsa!
Velha valsa!

Faltou-me abrigo
Pouca parede
E hoje choveu na minha rede
Mal tenho casa
Ralo assoalho
E um morcegão visitou minha filha

Ei Balsa! Ei Balsa! Balsa volta aqui!
Que levas? Que levas? Que levas daqui?

Toram tudo!
E futuro!
Se apuro!
Testa um furo!
É o sistema!
Que condena!
Tem um lema!
Pobre pena!
Rico encena!
Na novena!
Reza ao esquema!
Mete a lenha!

Mil angelins
E um bocado
De louro-faias que quase não vejo
Tão nobre ipê
Vai humilhado
Vendido por uns parcos trocados

Ei Balsa! Ei Balsa! Balsa volta aqui!
Que levas? Que levas? Que levas daqui?

Maçaranduba!
Cupiúba!
Itaúba!
Minha culpa!
Timborana!
Piquianara!
Quanta grana!
Cedrorana!
Mata rala!
Medo cala!
Surge a mala!
De mudança!
Tem Mudança??
Tem Mudança??
Tem Mudança??


Pantoja Ramos
Do site Recanto das Letras