domingo, 29 de outubro de 2017

Crônicas do Corte: É Necessária Uma Nova Certificação Florestal Para a Amazônia

Sementes de Andiroba, Rio Jaburu, Gurupá-Pa. Foto: FASE.



Belém, 29 de outubro de 2017.


Carlos Augusto Ramos[1]



Em setembro de 2015, escrevi sobre a certificação florestal[2], voltando-me para a certificação FSC (que significa em inglês Forest Stewardship Council e em português Conselho de Manejo Florestal), cuja sede internacional localiza-se em Bonn, na Alemanha[3]. Sua correspondente no Brasil (FSC Brasil) tem como missão “difundir e facilitar o bom manejo das florestas brasileiras conforme Princípios e Critérios que conciliam as salvaguardas ecológicas com os benefícios sociais e a viabilidade econômica”[4].

Nos dois últimos anos, venho pensando sobre a estrutura de garantia dos mercados em obter produtos florestais advindos do atendimento dos princípios e critérios apontados pelo FSC, a maior certificadora no mundo deste gênero. Cruzei pensamento com a capacidade de resposta aos questionamentos de comunidades da floresta amazônica sobre esta certificação dada às empresas que atuam adjacentemente. Raciocinando também sobre a preponderância[5] (esta é melhor palavra pelo seu significado) da extração de madeira, dos atores envolvidos em suas câmaras (econômica, ambiental e social) e dos plantios de eucaliptos, recomendo um caminho que leve a uma nova certificação florestal.

Mas calma. Permitam-me explicar que não trago considerações oito ou oitenta sobre o tema.

Para o GreenPeace (entidade conhecida pela sua forte pegada ambientalista), o FSC é o principal padrão de certificação responsável de florestas, atuando em 80 países, em 5 continentes. Informa esta organização que até 2013, 7% das áreas florestais do mundo - cerca de 180 milhões de hectares (aproximadamente o mesmo tamanho da Indonésia) – eram certificadas pelo FSC[6]. Os pequenos produtores e comunidades gerenciavam naquele momento 24% de todos os certificados de manejo florestal do FSC.

No Pará, a Associação Comunitária de Desenvolvimento Sustentável do Rio Arimum (ASCDESRA) e a Cooperativa Mista Agroextrativista Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (COOMNSPRA), rio Arimum, em Porto de Moz, são iniciativas comunitárias que mostram ao público através da certificação FSC que é competente para realizar o manejo comunitário madeireiro de suas florestas. O aperfeiçoamento da logística de manejo florestal é um dos principais resultados que o processo de certificação promovera nesta comunidade, com ressonância em toda a Reserva Extrativista Verde-Para-Sempre. Tecnicamente, o manejo florestal da comunidade de Arimum é exemplo a ser seguido, inclusive pelas inúmeras empresas paraenses que possuem planos de manejo florestais madeireiros aprovados legalmente, mas imorais quanto ao impacto que causam.

A certificação FSC tem suas qualidades e ajudou muitos países a disciplinar o uso de suas florestas e promover o reflorestamento como no caso da Índia[7]. Então por que outros sistemas de certificação florestal são necessários se este megaconsórcio funciona há décadas? É simples: Por ser mega e preponderante (lá vai eu encasquetar com esta palavra novamente).

Estabelecido há quase 20 anos, o FSC é amplamente reconhecido como o padrão de certificação global mais alto para o manejo florestal. Contudo, como este vem crescendo rapidamente, cresce também as falhas de interpretação dos padrões que exige, o que resulta em um número crescente de certificados sendo concedidos a operações controversas de manejo florestal. Um alerta desta problemática é o que ocorreu na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, no rio Trombetas, Oeste do Pará, onde Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) ajuizou ação civil pública contra empresas madeireiras e instituição certificadora, acusadas de não cumprir as regras do selo FSC conforme previsão[8].

Casos existem em Almeirim[9] e no Espírito Santo[10] que eu testemunhei onde a certificação florestal FSC não dialogou em qualidade com o contexto local e não teve os devidos cuidados no quesito respeito a povos e comunidades tradicionais. Também há situações em que empresas madeireiras certificadas em determinadas áreas são bastante questionadas pela população rural em outros rincões. São reclamações de relacionamento com o morador tradicional da floresta e até mesmo de operações de manejo transgredidas com tal gravidade que deveriam ter tratamento sumário de cancelamento do selo verde[11].

Como toda monocultura é uma afronta à natureza, seja de planta, seja de gente[12], eis que o FSC está a passos largos (a não ser que façam uma profunda reflexão) na homogeneização de ditames que não são da realidade apropriada dos meios de vida locais. Por tal, surge a necessidade de construir formas mais regionalizadas e de uso múltiplo da floresta que digam como deve ser o manejo florestal, seja comunitário, seja empresarial. Seria tolice pensar em eliminação do FSC, mas é preciso opções para competir, orientar, ser alternativa, o que forçaria o FSC a também a se aperfeiçoar. Como não levar em conta que o açaí, maior representante comercial no Brasil entre os produtos de origem vegetal[13], precisaria de uma avaliação de qualidade e princípios feitos principalmente pelo território que o produz? Uma vez que os marajoaras disseram NÃO à pecuária como principal atividade tradicional de sua região e SIM às suas formas tradicionais de uso da floresta (onde o açaí tem destaque)[14], tenho a intuição que é possível uma certificação participativa, territorial e de caráter mais holístico, como já ocorre em outros lugares do país[15].

Dos estudos que faço, aprendo todos os dias que se por um lado, outras certificações de origem como a orgânica afunilam de tal forma seus reconhecimentos a ponto de encarecer e até mesmo elitizar quem é certificável, por outro observo que há um movimento de valorização daquilo que é regional e histórico como no exemplo dos Engenhos de Farinha de Mandioca de Santa Catarina[16], uma maneira também de “autocertificação”. Além disso, no enriquecimento do debate, outras certificações internacionais parecem entender que existem princípios universais a serem seguidos pelo mercado, com peso significativo ao respeito aos povos e comunidades tradicionais. A SA8000 segue este norte, tratando-se de “...norma voluntária que se baseia em Convenções da OIT - Organização Internacional do Trabalho, na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, e na Declaração Universal dos Direitos Humanos[17]”. Cabe também um destaque para a International Analog Forestry Network, na tradução algo como Rede Internacional de Silvicultura Analógica, de sede na Costa Rica, que visa restaurar a produtividade de terras degradadas e construir novas fontes de renda e alimentos para as populações locais. A IAFN também colabora com agricultores familiares e comunidades para manter e restaurar suas florestas e melhorar sua renda e subsistência, inclusive com certificação de produtos[18].

As referências mencionadas anteriormente são apenas uma mostra das oportunidades existentes para motivar construções sobretudo amazônidas de certificações territoriais, na prerrogativa de dizer aos mercados nacionais e internacionais sobre nossas capacidades de proteger nossos recursos naturais e conhecimento tradicional. Com a aprovação da Lei 13.123, de 20 de maio de 2015, que fragiliza o debate sobre a proteção do patrimônio genético e conhecimento tradicional associado, é tempo de movimentar e articular para a defesa de territórios amazônicos.

Mais do que consumidores, precisamos de parceiros conscientes do que se compra e do que se vende, na relação justa das coisas e consequências. Diariamente vigilantes.

Antes do que altas certificações externas, precisamos que o local e as instituições envolvidas entendam os produtos florestais como bens e serviços da vida e que não se apresse o fechamento de negócios sem uma devida e consistente discussão.

Mais do que consultores de alto gabarito, precisamos de lideranças comunitárias e técnicos articuladores fazendo este trabalho de esclarecimento à sociedade e evoluindo a ciência florestal.

É necessário ofertar procedência dos frutos de açaí, do óleo de andiroba, da madeira manejada, do pescado, etc., a partir da voz local. Até então eu, ignorante que sempre sou, apontava o decreto fundiário e o GPS como ferramentas de segurança da terra. Hoje vejo que um paneiro de açaí que alimenta uma família, uma tapioca feita para uma criança merendar na escola e uma tábua de pracuúba que empareda uma casa também são instrumentos de defesa de territórios.

É mister enriquecer o manejo florestal através de múltiplas formas de uso e de agentes verificadores também diversos, democratizando os meios de comunicação para que as informações cheguem ao maior número de pessoas sobre as ações praticadas.  

Tenho certeza que todos ganharão, até mesmo o FSC, com as lições e aprendizados que irão surgir.


Então, trabalhemos para isso. Abicorados.



 


[1] Engenheiro Florestal, Consultor Socioambiental; e-mail: pantojaramos@gmail.com
[5] No dicionário http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/preponderancia/ - Estado ou condição de preponderante; hegemonia, predomínio, supremacia.
[9] Ver o ótimo texto de Rogério Almeida em https://apublica.org/2015/02/empate-no-jari/
[14] Numa grande mobilização no Marajó, entidades ligadas à Igreja e Sindicato dos Trabalhadores Rurais articularam um abaixo-assinado contra o Projeto de Lei 107, que estabelecia a pecuária como principal atividade tradicional no Marajó. Foram 6 mil assinaturas de punho. A PL foi arquivada.
[15] Um exemplo é a Rede EcoVida de Agroecologia, no Rio Grande do Sul, onde os agricultores em vez de dependerem de grandes auditorias, conseguem seus selos de alimento orgânico fiscalizando uns aos outros. É um processo baseado em confiança, sem hierarquias — e potencialmente econômico. Enquanto a certificação por auditoria chega a R$ 3 mil anuais por agricultor, a participativa fica na média de R$ 80 - http://www.organicsnet.com.br/2012/06/rede-ecovida-e-a-certificacao-participativa/ .

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Projeto Lançante: Marinete Boulhosa, Lente, Etnografia e Veredas Marajoaras



Marinete Silva Boulhosa é bacharel em turismo e mestre em antropologia e professora do Instituto Federal do Pará - IFPA, Campus Belém. Atua na área de turismo, planejamento, organização e execução de eventos. Nascida em Cacheira do Arari, desde 1997 desenvolve pesquisas na área do turismo, educação ambiental, ecoturismo, turismo rural, cultura imaterial, identidade e antropologia cultural, tendo o Marajó como local de investigação.



Tem na fotografia documental um de seus principais recursos de coleta, testemunha ilustrativa e explicação textual, e considera a fotografia importante recurso, capaz de contribuir para ensinar, explicar e reapresentar uma cena ou um evento. Em sua pesquisa de mestrado, produziu mais de três mil fotos sobre o vaqueiro e dos campos do Marajó.

Sua principal obra, Entre a Sela e o Santo, é um livro elaborado a partir de um intenso trabalho etnográfico sobre a vida e a lida do vaqueiro marajoara, construída entre os cenários dos vastos campos naturais da Ilha do Marajó, dos espaços das fazendas da grande ilha, da dinâmica de trabalho no interior das mesmas e do maior evento religioso da Ilha, a Festividade de São Sebastião de Cachoeira do Arari. 




Abaixo, trecho desta obra:

"... Com a liberdade permitida na abordagem antropológica, esse livro é escrito na primeira pessoa, que para além de revelar meu imbricamento com a obra, manifesta também a relação umbilical que possuo com a terra Marajó...".



Marinete Boulhosa, conte mais pra gente sobre o Marajó com suas lentes e alma!


Para contatos e colaboração com a publicação Entre a Sela e o Santo
entrar em contato no e-mail: neteboulhosa@gmail.com .


















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O Projeto Lançante é uma iniciativa do Blog Meio Ambiente, Açaí e Farinha de divulgação de ilustres pensadores do Marajó e jovens que começam na arte da escrita.

Leia, escreva, cresça e apareça!


Vamos Lançante, inundai mundo afora!



quinta-feira, 26 de outubro de 2017

à Paulo Oliveira



Imagino Mestre Paulo Oliveira pilotando o Comandante Souza lá no Céu, por cima do rio Amazonas...

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Comandante Souza





O Comandante Souza
Possante vai tesourando o rio
Não é ninguém menos que o maior de todos eles

- Ó Amazonas!
Licença pra eu passar!
Tô carregando gente que vai de gente cuidar!

- POR QUE LICENÇA DAR?
- Eu sou da Ilha
- POR QUE LICENÇA DAR?
- Aguento tua maresia

- POR QUE LICENÇA DAR?
- Itaúba eu tenho
- POR QUE LICENÇA DAR?
- Tão rico barco o lenho

ENTÃO LICENÇA EU DOU!

Mas Comandante Souza
Turbinado não perde tempo
À noite a mata lhe cobre com a sombra da lua

- Ó Amazonas!
Tu mais tranquilo estás?
Não imaginas a inspiração que essa calma traz

- POR QUE MEU LEITO INSPIRA?
- Me lembra os homens
- POR QUE MEU LEITO INSPIRA?
- Agora serenas suas fomes

- POR QUE MEU LEITO INSPIRA?
- Tão doçura mulher
- POR QUE MEU LEITO INSPIRA?
- A quietude acolher

SE É ASSIM, INSPIRO!

O Comandante Souza
Chegou ao seu porto, pronto!
É atracar e descansar até que haja uma saga

- Ó Amazonas!
Agradeço tua paciência
Me proteja dos ventos maus e da indolência

- POR QUE DOS VENTOS MAUS?
- Afogaram esperanças
- POR QUE DOS VENTOS MAUS?
- Más palavras só lançam

- POR QUE DA INDOLÊNCIA?
- Nunca vou recuar
- POR QUE DA INDOLÊNCIA?
- Quantas almas salvar


ENTÃO PROTEJO A TI!



Pantoja Ramos


terça-feira, 24 de outubro de 2017

OH! MINHA VIDA CORRE RISCO - Um grito de Socorro do Alto Rio Pacajá

Igarapé Arataú.


Caríssim@s,

Envio abaixo o poema de Gracionice Costa, ex-presidente do STTR de Portel, moradora do Igarapé Arataú, rio Pacajá.

Um texto que pede socorro diante da grilagem e intimidação de empresas madeireiras às famílias locais.

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OH! MINHA VIDA CORRE RISCO

Nos altos do rio Pacajá
Igarapé Arataú e seus vizinhos correntes
Populações habitantes jazem em
Situações gritantes
La vou eu em um barco de linha
Lotado de bons e ruins
As águas sendo poluídas
Por lixo jogado enfim...
Ainda pela madrugada
Pegar po po ou rabeta
Chegar para reunir
Deparar com muita tristeza
A terra sendo invadida
Por grilagem de muitas empresas
A floresta sendo derrubada
Sem dó e nem piedade
Minha vida corre risco
Minha vida corre risco
Ficar sem terra e floresta
A água também se evapora
O que resta pra mim ameaça
E o povo ficando em desgraça
Minha vida corre risco
Minha vida corre risco
O que podemos fazer
Se por traz tem apoio de estado
As instâncias de apoio a direito
Já estão quase todas acabadas
Minha vida corre risco
Minha vida corre risco
Amazônia tão linda e rica
Dando asas ao capitalismo
Os ricos grileiros bancando
A campanha dos maiores políticos
Minha vida corre risco
Minha vida corre risco


                         Arataú, Portel, Pará, 10 de outubro de 2017.


                          Uma ribeirinha agroextrativista, trabalhadora rural que ama sua raiz (Gracionice Costa).




Baía, o Viajante: Monocultura


sábado, 21 de outubro de 2017

Exemplo frutuoso do Brasil: Açaí - por Carlos Nobre

Caríssim@s,

Traduzi este texto em inglês publicado na página da internet http://www.wri.org/blog/2017/10/brazils-fruitful-example-acai.

É bom sabermos o que falam gente no contexto internacional...

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Exemplo frutuoso do Brasil: Açaí 
Carlos Nobre*

12/10/2017

Na popular revista de notícias brasileira Veja, o jornalista J. R. Guzzo defendeu recentemente os poderosos do agronegócios do Brasil, pedindo retoricamente: "O que os brasileiros comem, afinal?" e dando uma resposta irônica: "Talvez eles nos digam, como Marie Antoinette na lenda ... (Deixe eles) comerem o açaí".

Há uma história de fundo aqui. Você provavelmente já ouviu falar do açaí, a pequena baga roxa da Amazônia que está sendo exibida como uma super comida. A fruta chegou a simbolizar uma alternativa de alimento para brasileiros conscientes do meio ambiente: um produto que pode nos alimentar de forma sustentável, com menos impacto nas pessoas e no planeta do que a produção de carne em escala industrial. Com o setor de carne brasileiro atualmente envolvido em um escândalo de suborno enorme (o CEO da maior operação de embalagem de carne do mundo foi preso no mês passado por pagamentos de um milhão de dólares ao presidente e altos funcionários), a indústria está apontando para o humilde açaí. Buscando desacoplar sua imagem da corrupção, envolveu-se no manto de fornecer segurança alimentar.

Não há como discordar do objetivo nobre de assegurar comida para todos, mas um modelo de agronegócio em escala industrial não é a única resposta. Podemos optar por um caminho diferente que ofereça maior diversidade alimentar. E se os cínicos perguntam: "O que os brasileiros comem?", Os cientistas têm uma resposta pronta.

Estudos rigorosos realizados pela Embrapa não deixam dúvidas de que o país pode produzir muito mais proteínas animais e vegetais, reduzindo a área total de pastagem e usando uma melhor ciência e tecnologia para abrandar a expansão da agricultura e gado para a Amazônia e o Cerrado, a vasta savana tropical do Brasil. Assim, vamos ignorar aqueles que querem restringir nossas opções e continuar comendo frutas como açaí.

Açaí ilustra as enormes possibilidades econômicas de manter a floresta em pé. É o fruto da palmeira amazônica, uma espécie abundante com mais de 100 touceiras por hectare. Como milhares de outros produtos naturais originários da biodiversidade tropical, o açaí foi usado como alimento por populações indígenas e tradicionais, que ao longo dos séculos desenvolveram técnicas efetivas para selecionar e aumentar sua produtividade em sistemas agroflorestais.

Edina dos Anjos do Nascimento Siqueira climbs an açaí tree to harvest the berry. Photo by Sidney Oliveira/AG Pará.



A fruta misturada com farinha de mandioca permaneceu como alimento básico dos amazônicos e foi consumida nas cidades amazônicas sob a forma de suco e sorvete. Ganhou maior popularidade depois de ser apresentado em uma novela de televisão na década de 1990, onde foi celebrado como um alimento energético associado com saúde e fitness. Logo, o consumo cresceu exponencialmente, primeiro no Brasil e depois internacionalmente.

Hoje, o açaí conectou firmemente agricultores nos sistemas agroflorestais da Amazônia com mercados globais. As técnicas de produção, coleta e processamento foram melhoradas. Mais de 200 mil toneladas de frutas do açaí são produzidas por ano, bem como o palmito e outros produtos derivados. A renda dos produtores é muito maior do que os ganhos dos trabalhadores em gado ou exploração madeireira, apoiando sozinho mais de 350 mil pessoas no estado do Pará.

De acordo com estudos do economista Francisco da Costa, da Universidade Federal do Pará, a receita do açaí perde apenas para a carne bovina e madeira tropical - os principais vetores do desmatamento da Amazônia - entre produtos de origem animal e vegetal na Amazônia. À taxa atual, chegará ao segundo lugar em alguns anos.

A aplicação do conhecimento científico e as novas tecnologias estão por trás desse crescimento. Na Califórnia, dois jovens empresários levaram o açaí para laboratórios de pesquisa e desenvolveram várias aplicações, incluindo alimentos, suplementos alimentares e cosméticos. Em Belém, pesquisadores da Embrapa descobriram e patentearam uma nova substância encontrada na polpa do açaí, que pode ser usada como marcador natural da placa dentária, com possibilidades de mercado encorajadoras.

Muitas centenas de produtos de biodiversidade na Amazônia já são conhecidos e usados, embora em pequena escala. Se pudessem seguir o exemplo do açaí, emergiria uma economia mais dinâmica, mais equitativa e poderosa - uma muito diferente da atual economia regional baseada na carne, madeira, grãos, energia e minerais, que por sua natureza são concentradores da riqueza.

O maior potencial está no que ainda não foi descoberto. A grande capital deste século não é material, mas conhecimento. Ciência e tecnologia podem desvendar os ativos biológicos incomparáveis ​​escondidos na biodiversidade amazônica, alavancando inúmeras novas indústrias biológicas e serviços em um caminho inovador para a bioeconomia do futuro.


Quando chegar esse futuro, o que os brasileiros comerão? Vamos comer uma dieta diversificada que incluirá carne, mas em menor quantidade, e oferecerá mais produtos produzidos de forma sustentável a partir de nossa imensurável biodiversidade, um presente para nossa saúde e para o planeta. Viva o açaí!


(*) Carlos A. Nobre é membro da Academia Brasileira de Ciências, membro estrangeiro da Academia Nacional de Ciências e membro sênior da WRI Brasil.






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Texto original
Brazil’s Fruitful Example: Açaí


In the popular Brazilian news magazine Veja, journalist J. R. Guzzo recently defended Brazil’s mighty agribusinesses, asking rhetorically, "What will Brazilians eat, after all?" and giving an ironic answer: "Perhaps they are telling us, like Marie Antoinette in the legend…(Let them) eat açaí.".

There’s a backstory here. You’ve probably heard of açaí, the tiny purple berry from Amazonia that’s being touted as a super food. The fruit has come to symbolize an alternative approach to eating for environmentally-conscious Brazilians: a product that can feed us sustainably, with less impact on people and the planet than industrial-scale meat production. With Brazil’s meat sector currently embroiled in a massive bribery scandal (the CEO of the world’s largest meat-packing operation was arrested last month for million-dollar payments to the president and top officials), the industry is taking aim at the humble açaí. Seeking to decouple its image from corruption, it has wrapped itself in the mantle of providing food security.

There’s no way to disagree with the noble goal of ensuring food for all, but an industrial-scale agribusiness model isn’t the only answer. We can opt for a different path that offers greater food diversity. And if cynics ask, “What will Brazilians eat?” scientists have a ready answer.

Rigorous studies carried out by Brazil’s Agricultural Research Agency (Embrapa) leave no doubt that the country can produce much more animal and vegetable protein by reducing the total area of ​​pasture, and use better science and technology to slow down the expansion of agriculture and livestock into the Amazon and the Cerrado, Brazil’s vast tropical savannah. So yes, let's ignore those who want to restrict our dietary options and keep eating fruits like açaí.
Açaí illustrates the enormous economic possibilities of keeping forests standing. It is the fruit of the Amazonian palm tree, an abundant species with more than 100 trees per hectare. Like thousands of other natural products originating from tropical biodiversity, açaí was used as food by indigenous and traditional populations, who over centuries developed effective techniques for selecting and increasing its productivity in agroforestry systems.

The fruit mixed with cassava flour remained the staple food of Amazonians and was consumed in Amazonian cities in the form of juice and ice cream. It gained wider popularity after being featured in a television soap opera in the 1990s, where it was celebrated as an energy food associated with health and fitness. Soon, consumption was growing exponentially, first in Brazil and then internationally.


Today, açaí has firmly connected farmers in Amazonia's agroforestry systems with global markets. Production, collection and processing techniques have been improved. More than 200,000 tons of açaí fruit are produced per year, as well as hearts of palm and other derived products. And growers’ income is much higher than earnings by workers in livestock or logging, supporting more than 350,000 people in the state of Pará alone.

According to studies by Federal University of Pará economist Francisco da Costa, the value of açaí lags behind only beef and tropical timber―the main vectors of Amazon deforestation―among products of animal and vegetal origin in the Amazon. At the current rate, it will reach second place in a few years.

Application of scientific knowledge and new technologies were behind this growth. In California, two young entrepreneurs took açaí to research laboratories and developed various applications, including foods, food supplements and cosmetics. In Belém, Embrapa researchers discovered and patented a new substance found in açaí pulp which can be used as a natural marker of dental plaque, with encouraging market possibilities.

Many hundreds of biodiverse products in the Amazon are already known and used, albeit on a small scale. If they could follow the example of açaí, a more dynamic, equitable and powerful economy would emerge―one far different than the current regional economy based on meat, timber, grains, energy and minerals, which by their nature are concentrators of wealth.

The greatest potential lies in what has not yet been discovered. The great capital of this century is not material, but knowledge. Science and technology can unveil the incomparable biological assets hidden in Amazonian biodiversity, leveraging innumerable new bio-industries and services in an innovative pathway to the bio-economy of the future.
When that future arrives, what will Brazilians eat? We will eat a diversified diet that will include meat, but in smaller quantity, and will offer more products sustainably produced from our immeasurable biodiversity, a gift for our health and for the planet. Long live the açaí!

Carlos A. Nobre is a member of the Brazilian Academy of Sciences, a foreign member of the National Academy of Sciences, and Senior Fellow of WRI Brasil.

Fonte: http://www.wri.org/blog/2017/10/brazils-fruitful-example-acai