quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Projeto Lançante: conheça Agenor Sarraf, o dono do “Chapéu Viajante”.



Agenor Sarraf Pacheco é historiador marajoara, nascido no município de Melgaço. Notável estudioso da origem das atuais questões sociais do Marajó, Sarraf é Doutor em História Social pela PUC-SP´, no qual atua como Professor Adjunto da Universidade Federal do Pará. 

Com projetos voltados para memórias, identidades, saberes, religiosidades letradas e de matrizes orais afroindígenas da Amazônia Marajoara, é um dos grandes defensores de uma nova mentalidade amazônida “decolonial”, ou seja, um movimento de crítica e rompimento com ordens coloniais, de concepções eurocêntricas e discursos de modernidade que excluem grupos sociais indígenas e africanos na América.

Abaixo, apresenta-se parte de seu artigo Cosmologias Afroindígenas na Amazônia Marajoara, em que analisa o valor do negro e do índio na formação humana do Marajó:

“... Apesar de exercícios excludentes frente a práticas de negros e antigos escravos, que passaram a habitar o Marajó das Florestas e se mesclar com nações Nheengaíba, Mamaianá, Chapouna, expressões de culturas afroindígenas enraizaram identidades e se expressam, ainda hoje, de variadas formas. É possível considerar que os “Marajós” estão enroscados com viveres e saberes africanos e ameríndios em seu jeito de comunicar, dançar, cultuar santos ou entidades do rio e da floresta, acreditar em narrativas fantásticas, realizar festejos juninos, pressentir a vida e a morte.

Em Melgaço, no tempo das diásporas nordestinas para os seringais do Marajó das Florestas, duas manifestações artísticas passaram a fazer parte do cotidiano de vida dos moradores da vila. Tratam-se do cordão do Japiim e do Boi Estrela, preparados para apresentações no período junino, em espetáculos de teatro popular de rua. Esses dois folguedos podem ser lidos como marcas das cosmologias afroindígenas nas formas de representar a vida social, seus conflitos, contradições, derrotas e vitorias...”.



Agenor Sarraf, o Dono do Chapéu Viajante e Pensante!



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O Projeto Lançante é a iniciativa do Blog Meio Ambiente, Açaí e Farinha de divulgação de ilustres pensadores do Marajó e jovens que começam na arte da escrita.

Leia, escreva, cresça e apareça!

Vamos Lançante, escorrei mundo afora!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Da Vontade de Transformar, Marajó: O Caso da Malária de Anajás

Enilda Lobato[1]
Carlos Augusto Ramos[2]

Belém, 04 de fevereiro de 2016.

Caríssimos,
     Os Territórios da Cidadania foram reconhecidos pelo Governo Federal, a partir de Decreto Presidencial em 25 de fevereiro de 2008.  No Estado do Pará são 8 territórios nesta categorização. Dentro do programa,  muito orgulha ter sido contemplado o Marajó também como uma região distinta no Brasil. Já éramos diferenciados como marajoaras, dos campos, dos furos ou das matas de terra firme. Quem sabe a metafísica explicaria o motivo desta própria identificação, no carrear genético das lembranças dos primeiros viventes destas bandas, onde nem sequer Portugal era Portugal, onde nem sequer Espanha era Espanha. O autoreconhecimento nos acompanha bem antes, num jeito inteligente que até hoje perdura de que ser Marajoara é pensar três vezes ao mesmo tempo: de como está a lua, se está chovendo muito ou não; e se está enchendo ou está vazando.
Se somos muito bem natureza, estamos ainda nos construindo em nossos direitos universais. O Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó – CODETEM - é um dos principais observatórios da sociedade quanto ao acesso da população regional às políticas públicas. É o espaço de cobrança de direitos. É o espaço de propostas. No hábito nosso de reclamar, reivindicar, há momento também de reflexão sobre o resultado dos esforços e não somente das problemáticas. O Marajó não é um problema, é uma solução. Para demonstrar isso, descreveremos aqui como é importante mobilizar, juntar as mãos entorno de um objetivo, governo e sociedade civil, lideranças de todas as bandeiras. Nosso exemplar caso é o combate à malária.
Anajás é emblemático do tema. Da memória dos anajaenses, sabia-se que havia poucos casos de malária nos anos 1980, restritos nos relatos de moradores da região dos rios Cururu e Jurará, no município vizinho, Chaves. Acredita-se que a doença ali se proliferava por causa de uma série de ações danosas ao meio ambiente, como o intenso uso de timbó, que matava os peixes, que por sua vez não comiam as larvas dos carapanãs; uma maior concentração de água parada ao longo do Cururu; e o corte desenfreado de palmito, cuja operação das palmiteiras deixavam milhares de estipes cortadas de um jeito a acumular água nas touceiras de açaí, verdadeiros “copos” que ofereciam as condições ideais para reprodução das larvas de Anopheles[3]. Esta forma de exploração de palmito foi amplamente executada em Anajás.
Somando-se o corte de palmito, a extração de madeira (sobretudo de virola), as condições indignas de trabalho no meio rural, o desconhecimento sobre a malária e o esquecimento governamental em suas três esferas por muitos anos, houve a fórmula perfeita para uma tragédia humana.
O ano de 1999 foi caótico.
Neste fatídico ano, nas lembranças de um dos autores deste texto, Enilda Lobato, 8 entre 10 pessoas de Anajás detinham o Plasmodium, muitas mortes ocorreram, de todas as faixas etárias, calamidade exposta na infância e adolescência vitimadas pela enfermidade. Para Enilda, o falecimento de sua amiga Sandra, grávida aos 14 anos, marcou-a profundamente. Por ser implacável a malária, por ali estar uma criança a gerar outra criança. E as duas se foram. Situação cruel daqueles tempos.
E foram dez de anos de sofrimento da população de Anajás sem uma resposta efetiva para aquela mazela. Diversas vozes clamavam por mudanças, uma delas de destaque, a de Dom Luiz Azcona, Bispo do Marajó. Não somente reclamava o combate à maleita, mas que fossem melhoradas toda a condição vivida pelas famílias marajoaras. Isolados. Negligenciados em pleno Plano Marajó intencionado pelo Governo Federal.
Dom Luiz é um lutador admirável que a História lembrará e que foi o decisivo provocador para outros vestirem também a camisa. Os senhores Amaury, Abraão, Manelitinho, os agentes de saúde de Anajás, do Estado e da União, as comunidades, os sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, as ONGs (onde o diagnóstico socioeconômico do Instituto Peabiru foi bastante útil para divulgar o flagelo), a AMAM, a prefeitura municipal, o CODETEM (nos encontros regionais para cobrar ações efetivas dos governos), foram todos guerreiros e guerreiras a serviço da sociedade e que merecem ser homenageados por seus esforços e pelos resultados alcançados. Mobilização, Compromisso, Sentimento e Ciência foram os substantivos que aqui podemos dizer como aqueles que marcaram este processo de enfrentamento da epidemia.
Abaixo mostra-se os números de casos de malária desde 2009 para avaliação dos leitores:




























Um mosquiteiro especial.
Um exame em tempo ágil.
O cuidado aos enfermos.
Autoridades sensibilizadas.
Famílias sensibilizadas (apesar de muitas magoadas).
Dedicação de quem estava na frente de batalha.
Em 2010 foram 51 mil casos detectados no Marajó. O ano de 2015 fechou com 4.032 casos em toda a mesorregião.
A atenção ao Marajó.
A atenção ao Marajó, enfatiza-se. Talvez é aquilo que precisamos, pois do ponto de vista da capacidade, damos resposta. “Quem Odera” que pudéssemos responder na mesma intensidade nas outras dificuldades nossas, como aquelas relacionadas à educação, à luta pela terra, à valorização da mulher, à busca de uma matriz energética mais condizente com nossa ligação com a natureza. Num mundo onde governos federais e estaduais cada vez mais dependentes das empresas e bancos (para saber mais, estudar a Dívida Interna Brasileira) e que não conseguem responder aos anseios da população como deveria, é no local e regional que a decisão exata precisa ser tomada, a atitude tem que brotar. Ocorreu isso no combate à malária em Anajás. Arriscamos dizer que houve uma ocasião de união, de foco, de entendimento comum para a mudança.
Contudo, como toda doença crônica, é necessário não baixar a guarda, pois se a intenção nossa enquanto marajoaras é zerar o número de casos até tornar-se apenas uma lembrança ruim daqui a algumas décadas, o aumento de 2015 em relação a 2014 mostra que o trabalho não para. Que a sociedade deve permanecer alerta.
Dizem que a História é feita pelos vencedores, taí, nesta guerra por enquanto vencemos. Alguém aí fora se interessaria em continuar esta singela prosa?
Que o batalhar de tanto heróis não seja em vão.
E não será.



[1] Assistente Social, natural de Anajás.
[2] Engenheiro Florestal, Consultor Socioambiental, natural de Portel.
[3] Sandro Pinheiro, técnico da Emater que atuou vários anos em Curralinho, mostrou a Carlos Ramos fotos de milhares destas touceiras decepadas a acumular carapanãs.